Sobre o tempo que passa
Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...
27.3.08
Ontem no tradicional "Quadratura do Círculo" gostei de ouvir os comentários de Pacheco Pereira e Jorge Coelho, denunciarem a «tendência para o silêncio cúmplice» que pressiona os professores a não apresentar queixas sobre a a vérmica violência que afecta as escolas. É assim natural que as estatísticas oficiais sobre a matéria não sejam capaz de fotografar a realidade. Apenas acrescentaria que tal acontece não apenas com alunos problemáticos contra professores, mas também com muitos outros segmentos de violação do Estado de Direito em todo o tipo de escolas, nomeadamente no ensino universitário. Eu até já vi actuais e antigos responsáveis políticos e administrativos de certas escolas emitirem solenes declarações tipo "enquanto o pau vai e vem folgam as costas", e dizendo, sobre aqueles que se sentem violados nos seus direitos, para eles irem para os tribunais, porque enquanto estes, dentro de dez anos, ainda estarão a tentar julgar a coisa, já os gestores que gostavam de ser Almerindo Marques estarão a gozar as delícias da reforma, deixando na balbúrdia a coisa que quiseram reformar. Aliás, os donos do poder até recorrem a advogados pagos pelo orçamento que devia ser de todos, enquanto os queixosos têm que pagar a coisa do seu próprio bolso.
Garanto que o problema não é de estatísticas nem de falta de queixas. É de ausência de cultura de Estado de Direito. É de total vazio face ao sentido institucional. E tão violento é o acto da aluna a desobedecer fisicamente a uma professora, quanto os quotidianos actos do micro-autoritarismo subestatal, desertificando as autonomias da cidadania e dos grupos que esta pode gerar. E o milagre das avaliações pode ter o destino que tiveram as que foram experimentadas no ensino superior e que acabaram na gaveta.
Ainda ontem recebi, finalmente, o resultado da avaliação de um pequeno centro de estudos que me foi dado constituir ainda no século XX e que, além de mim, doutorado, tinha apenas mais dois activistas, por acaso, dois estudantes de licenciatura, e o apoio de dois jovens assistentes. Claro que o centro, já extinto desde o ano 2000, teve "muito bom", não tendo mais porque aquilo que ainda hoje está na Net, naquilo que se chamou CEPP, não passou para "CDRom", conforme era nosso propósito.
Só que o inferno da burocracia não gosta dessas boas intenções e eu perdi toda a pachorra para aturar a engenharia das cunhas e da gestão de pressões e interesses naquilo a que chamava sistema geral e sistema local da engenharia investigativa que traduzimos em calão do universitarês e do investigacionês. Perdi as ilusões no próprio dia em que apresentei o meu projecto à FCT, dado que tive que aturar um painel presidido por um ilustre consultor administrativista de casinos, com que o Estadão julgou poder encabeçar uma área que sempre reduziu à dimensão das ciências ocultas, e, sobretudo, quando verifiquei como faltaram à formalidade todos os outros projectos que já estavam cunhados e com a certeza contratual do financiamento, porque estavam benzidos pela sacristia ou pelas castíferas cumplicidades orientais, com indirectos casinos...
Daí que não mais me tenha metido nestes meandros. Decidi pagar do meu próprio bolso a continuidade do projecto e entrar no beneditino sem convento, do tal que me leva ainda um par de horas quotidianas do prazer da profissão que se professa. Quando recebi a classificação nem sequer guardei a cópia, enviei-a formalmente, a título de testamento, para o órgão cimeiro daquilo que foi minha ideia de escola. Porque apenas me apetece o real exílio de uma qualquer lei de aposentação que me liberte deste jogo crepuscular de uma decadência hierarquista que vai sufocando a autoridade e o sonho da ciência. Já tenho quase trinta e três anos desta carreira, mas bem menos do que a idade cronológica do padrão legal. Ou, então, um qualquer sítio recatado de uma escola que queira ser escola, onde, estando no activo, não me chateiem e me deixem realizar aquilo que sei fazer: dar aulas, vender sonhos, produzir investigação e cumprir a minha missão, livre das golpadas politiqueiras e dos joguinhos de poder dos revolucionários frustrados que brincam à persiganga com os seus moscas, formigas, bufos e quejandos. E de nada valem gritos de revolta, mesmo quando são reduzidos a escrito e enviados institucionalmente a quem de direito, como ainda há dias o fiz ao meu reitor e que, por enquanto, calo. Manda quem, na semana passada, dizia que eram irresponsáveis os que pediam o abaixamento dos impostos para, logo a seguir, serem eles a virar o bico ao prego. Quando estes exemplos vêm de cima, todos praticam o enquanto o pau vai e vem folgam as costas...
PS: Fiquei satisfeito ao saber que a velha Guimarães ficou nas boas mãos do Paulo Teixeira Pinto se o Paulo for fiel ao Paulo que eu conheci como jovem pensador. Como também me emocionou ver o meu Presidente na Ilha de Moçambique. Ficaria ainda mais feliz se me ajudassem a encontrar um lugar onde, para poder continuar a ser homem livre em universidade livre. Dentro de minutos só poderei dar meia hora de aula, porque terei de ir a mais um douto conselho de doutos, um dos últimos a que terei a obrigação de assistir, dado que, felizmente, os próximos estatutos os deixarão aos que se querem candidatar ao dirigismo dos profissionais da representação e dos senhores da guerra, a que renuncio, com todo o prazer.
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