a Sobre o tempo que passa: Na terra do leitinho com mel...

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

26.3.08

Na terra do leitinho com mel...


Pronto! Já saimos da encruzilhada e passámos a viver num oásis, neste país do leitinho com mel. Sócrates foi explícito: a crise orçamental de 2002, que voltou em 2005, está ultrapassada e os factores que a motivaram estão também resolvidos com as mudanças estruturais feitas no país. Um secretário de Estado da cinco de Outubro disse que a violência das escolas vem de fora para dentro, dos bairros para as salas de aula, desmentindo o PGR. Por seu lado, o director-geral de consumo clamou contra a DECO que, de forma alarmista, reconheceu que há cem mil famílias super-endividadas.


E todas as estatísticas mostram como a criminalidade diminuiu. Mesmo a Autoridade da Concorrência, que fez outro tipo de estatística, demonstrando como temos os combustíveis mais caros da Europa, já foi toda ela despedida e ainda não bem paga. Por outras palavras, uma frente de combate propagandística, liderada pelo chefe e glosada pelo sim-senhorismo dos "boys" postos em subchefes, nomeadamente como directores-gerais, depois da mobilização do comício nacional do Porto, saiu do sistema do pé-atrás e passou a um ostensivo sistema de pôr-se em bicos de pés, assim demonstrando como a esquizofrenia nos vai afogando entre o tudo do situacionismo e o nada do oposicionismo. Daí apreciar gestos simbólicos, nomeadamente a maneira ágil como o casal presidencial visitou Moçambique, com muito kanimbambo, assim combatendo alguma tugofobia que marca certas elites locais que não gostam de subir a coqueiros.


Com o Sporting e o Benfica em crise de falta de vitórias, com os dragões a verem o chefe a ir a julgamento, acusado de corrupção activa, e com a selecção nacional a ver-se grega, a falta de vertebração simbólica da república em torno da mobilização para o bem comum faz-nos descer de nível, conduzindo a um abaixamento de fins e, consequentemente, de níveis de controlo social, com o inevitável neofeudalismo, onde o povinho vai caindo no desespero do recurso aos expedientes caciqueiros e de encomendação. Basta que saibamos observar o país a partir do Minho profundo, compreendendo como ainda têm prestígio as lideranças locais das autarquias, da igreja e da partidocracia, dado que prestam efectivos serviços comunitários, nomeadamente de resistência contra o vazio de república.


Sócrates e o seu regime de secretários de estadão e directores-gerais talvez não tenham reparado que a macropolítica já não é o que era. E que a grande engenharia do controlo social talvez tenha perdido as suas medidas de análise. Não basta a ASAE, a DREN, a DGSaúde, a DGCI e o regime das viúvas em bate-palmas a George Clooney. Logo, os que auguram um desastre a Luís Filipe Menezes talvez não entendam que estamos numa encruzilhada, onde a federação das micropolíticas pode gerar um estado de esquizofrenia, com saídas imprevisíveis, não detectadas pelos mecanismos das sondagens.