a Sobre o tempo que passa: Verdades como punhos, em dia de mentiras

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

1.4.08

Verdades como punhos, em dia de mentiras


Neste nosso tempo de homens tão lúcidos quantos os opinadores mores do reino, Marcelo e Vitorino, importa continuar a ter a lucidez de ser ingénuo, mesmo que nos marginalizem, como dotados daquela loucura que nos faz ir além dos cadáveres adiados que procriavam. Porque o Marcelo do PS é igual ao Vitorino do PSD e, ontem, houve eleições na Conferência Episcopal, ganhando a lista que se assumia "contra um Estado militantemente ateu".


Se merece elogio a visita de Marinho Pinto a um cidadão da extrema-direita, que não devia estar preso por ser da abominável franja de extrema-direita que gosta de exibir armamento pesado, duvido que subscreva a magnífica frase do nosso ministro dos estrangeiros, para quem o direito internacional é "um instrumento ao serviço de opções políticas", ao bom estilo do Manifesto Comunista de 1848. Apenas reconheço que, no Instituto Diplomático, não devem dar Antígona, Cícero, os jusnaturalistas de antes do Iluminismo, os jusracionalistas kantianos e os actuais defensores do direito da razão.


Senhor arcebispo metropolita, herdeiro dos concílios de Toledo, isto não é um Estado militantemente ateu, isto é um Estado militantemente positivista, que tanto teme o transcendente dos divinos como o transcendente da razão. E não há espaço para os deuses se, antes, não houver leis escritas no coração dos homens. Logo, tudo treme por causa de um telemóvel e não tarda que a Joana Amaral Dias seja a futura ministra da educação, depois da bela defesa que, ontem, fez do ensino público e do espírito de Abril.


E eu a pensar que o matrimónio canónico continuava indissolúvel face aos mandamentos divinos e ao ordenamento positivo do direito canónico, para que a Igreja não tivesse que pedir a protecção do braço secular exigindo que este intervenha na sagrada autonomia do povo de Deus que está fora e acima dos Estados, embora concorde que devíamos assumir a civilização pós-secular e admitir o divino no espaço público, não subscrevendo os laicismos anti-transcendentais que por aí pululam, vestidos de neojacobinos. A não ser que dê razão a um ilustre dignitário da pátria, ex-supremo chefe de um governo, que, nas suas confidências de fim de ciclo, comunicava aos seus sucessores que se tinha enganado quanto a três coisas. Quanto à resistência da cultura maçónica e do integrismo opista, e quanto ao facto do homem comum português, vencedor de todas as eleições abrilinas, se estar borrifando para as reformas e só medir o seu voto pelo dinheiro líquido que pode manusear a partir da carteira.


Por estes dias, qualquer taxista de uma grande ou média cidade lusitana percebe que não há crise das carteiras dos portugueses, devido à intensidade de tráfego que, dentro de uma semana, quebrará. Sócrates também sabe medir a coisa. Só que tem de enfrentar duas novas realidades que podem alterar as propostas dos respectivos propagandistas.


Por um lado, as cem mil famílias sobre-endividadas que correm o risco de não pagar a hipoteca das casitas, até porque já não há banca livre da crise hipotecária da glbalização, que os juros já não são da nacionalizada, nossa, mas dos que emprestam aos nossos emprestadores. Em segundo lugar, os 700 000 funcionários públicos que conhecem o discurso real de João Figueiredo e as ilusões do PRACE, apesar dos estados de alma do PM. Em terceiro lugar, os sinais que deram os cem mil professores na rua, quando os conselheiros do governo diziam que só a problemática dos centros de saúde é que punha os portugueses na rua, levando a que Sócrates despachasse o Correia de Campos e apostasse na continuidade da Maria de Lurdes, com muitos beijinhos de militantes anti-professores no "hall" do comício nacional do PS, no Porto anti-piercings.


Na próxima reunião de Belém, estou convencido que Cavaco deverá aconselhar Sócrates a não fingir que é Zapatero, até porque as ortigas não são arcebispos de Madrid da guerra civil, e a não procurar repetir o Cavaco governamental. Julgo até que o Presidente, neste momento, deve estar mais zangado com essa brincadeira do laxismo eleitoralista face ao défice orçamental, do que com o telemóvel da Escola Carolina Michaelis...