a Sobre o tempo que passa: Zedus, kadafismos e chavismos à lusitana

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

9.9.08

Zedus, kadafismos e chavismos à lusitana


Neste regresso ao ritmo capitaleiro do domicílio e da rotina da profissão, onde tento manter a minha função, mas sem perder o sentido da própria missão, fui chamado, de manhã, pelo Luís Osório, ao Rádio Clube Português, para um debate sobre os principais sinais da situação política, com o António da Costa Pinto. O tema foi a chamada direita e o pretexto a eterna crise do CDS, dito PP, um alvará de partido que se confunde com o líder, Paulo Portas, tal como antes se confundiu com Manuel Monteiro, com Diogo Freitas do Amaral restaurado, com Adriano Moreira, com Francisco Lucas Pires e com Diogo Freitas do Amaral, rigorosamente ao centro. Um partido para que todos vaticinam o fim na próxima esquina, mas que vai sempre renascendo das cinzas, até porque já subiu ao governo duas vezes para ajudar, primeiro o PS e, depois, o PSD, a alcançarem a maioria absoluta pós-eleitoral, porque a AD foi outra coisa.

Apenas noto que a direita lusitana está algemada por duas ou três personalizações de poder, dotadas de activas feudalizações e sociedades de corte. Se cinco por cento pessoalíssimos são a justa reserva de caça de Paulo Portas, cerca de dez por cento animam Pedro Santana Lopes, o que quase inviabliza qualquer racionalização desse espaço. Aliás, ontem, na SIC Notícias, o regresso de Luís Filipe Menezes à ribalta, propondo a substituição de Manuela Ferreira Leite para o começo do próximo ano, revela até que ponto se vive, à direita, em regime de senhores da guerra que, de forma oportunista, fabricam programas de discurso eficaz. Menezes, retomando a proposta de Jardim, lançou as bases de um novo partido populista e regionalista, menos catolaico do que o discurso madeirense, dado que admite a liberalização dos costumes, para não ser encravado pelas causas fracturantes.

Resta saber se o justo jogo de Portas não será o de se assumir como charneira, podendo, eventualmente, em termos pós-eleitorais, ser necessário tanto ao PSD como ao próprio PS, dado que a factura que ele representa poderá ser bem menos custosa do que um regresso ao Bloco Central. Por outras palavras, a direita portuguesa começa a aproximar-se do estado de fragmentação da anterior direita francesa e a aproximar-se do que é hoje a esquerda galicista, principalmente do PS, fundado por Mitterrand. Isto, evidentemente, se se mantiverem as linhas de força do actual sistema político, coisa que sucederá caso não sejamos vítimas de mais uma crise importada.

Sócrates não é Zapatero nem Obama, dado que o paralelograma de forças que enreda o nosso situacionismo prefere estas águas chocas das sempiternas viradeiras, com séculos de inquisição, algumas décadas de autoritarismo e falta de autonomia da sociedade civil. E quando as forças vivas da economia, do poder banco-burocrático e do congreganismo podem ter uma esquerda moderna, a defender o estado a que chegámos, tudo como dantes, com o quartel general em Abrantes. Se eu fosse um desses ditos empresários, beneficiários da pós-revolução, do capitalismo selvagem e da subsidiocracia, preferiria nomear como meu feitor um alto dirigente socialista, em vez de um qualquer direitista liberal. Aos fins de semana, ele sempre poderia ir a um comício de esquerda bradar contra o capitalismo e o risco do individualismo, para nos restantes dias, do dia a dia, cumprir as ordens do patrão, mesmo lixando os trabalhadores e o povão, com desculpas de globalização e integração europeia...

Essas coisas da regeneração são para os encantados, herdeiros dos vintistas e dos setembristas, dado que os fidalgos ditos regeneradores são todos descendentes do Rodrigo da Fonseca, com a respectiva mesa do orçamento, para comprar os opositores, e, sobretudo, para a propaganda dos amanhãs que cantam, à maneira de Fontes Pereira de Melo, entre a inauguração de fontanários, o "macadame" e as sucessivas formas do "traway", mesmo que agora sejam carros eléctricos ou computadores magalhães... Julgo que muitas forças vivas bem gostariam de haver por cá um Zédu qualquer, misto de kadafismo e chavismo, com elogiosas referências de Mário Soares. Infelizmente não se descobriu petróleo no Beato...