a Sobre o tempo que passa: Manuela, o fim do silêncio (in Diário de Notícias)

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

7.9.08

Manuela, o fim do silêncio (in Diário de Notícias)


Manuela Ferreira Leite, se procurou vacinar-nos contra o populismo das anteriores lideranças do PSD, talvez tenha exagerado, quando não se assumiu como a necessária voz tribunícia de um centrão sociológico que não consegue expressar-se através do PCP, do Bloco e de Paulo Portas. Porque a qualidade da democracia exige a palavra da oposição, para que aqueles que não se sentem representados pela governança não caiam no pecado do indiferentismo e se abstenham da cidadania.

De qualquer maneira, para quem conhece a idiossincrasia de Manuela Ferreira Leite, há que sublinhar a dureza das respectivas palavras sobre a incompletude da democracia. Com efeito, a antiga activista da crise estudantil dos anos sessenta parece ter compreendido que o modelo de partido-sistema que se confunde com o Estado-Aparelho, dando sinais de querer também ela libertar-se da tentação do rotativismo do Bloco Central e da mão invisível de D. Tina (“there is no alternative”), a tal entidade que tem levado ao crescimento assustador da indiferença e do consequente desespero da compra do poder.

Neste ponto, julgo que o discurso de Manuela Ferreira Leite cumpre a sugestão de Cavaco Silva quanto à necessidade de não-resignação. Resta saber se o PSD está disponível para ser a voz tribunícia de todos os que são vítimas desta nova forma de autoritarismo docemente difuso, assente numa longa rede de micro-autoritarismos subestatais, onde, em muitos segmentos, não falta o colaboracionismo de alguns militantes do PSD, ainda à espera da manutenção da tradicional aliança da esquerda moderna com a direita dos interesses.

Porque, tal como nos últimos anos da década de setenta do século passado, o PS parece ter sido assaltado pelo colaboracionismo de mentalidades pouco dadas ao pluralismo e à autonomia da sociedade civil, admitindo certas formas serôdias de neogonçalvismo refinado, onde, nalguns casos são mobilizados fascistas folclóricos e estalinistas não arrependidos.