a Sobre o tempo que passa: Vou até Motael num ir e num voltar

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

1.11.08

Vou até Motael num ir e num voltar


Acordo, manhã de domingo, abro a televisão. está a dar o jogo das nove da noite de sábado em Portugal, tomo o pequeno almoço com o pão comprado no turco, ainda ontem, depois de uma volta de bicicleta entre Motael e o supermercado Lita, depois de saber que não havia dinheiro no único multibanco cá de Dili, o BNU, que o barco para Ataúro só vai uma vez por semana, que mesmo em dia de feriado cristão quase todas as lojas de comércio estão abertas, porque os donos são quase todos paquistaneses, chineses e de Singapura, depois de também saber que a cimera ibero-americana do Salvador serviu para Sócrates servir de caixeiro-viajante do Sá Couto do Magalhães e do Tsunami, depois de saber que a tropa lá dos reinóis faz revoluções em jantaradas, depois de saber que os professores continuam contra a Maria de Lurdes, especialmente contra o seu heterónimo dito Walter Lemos.

Acordo manhã e domingo e recordo que ainda ontem ao fim da tarde, sentado num sofá do Hotel Timor, estava, mui calma e serenamente o ex-chefe do governo Alkatiri, tomando cafezinho com a filha, a netinha e meia dúzia de amigos e amigas, assim se confirmando como a democracia é real nestas paragens e que a alternância custa, mas é efectiva. Por mim, que ainda não consegui compreender por dentro as divisões políticas entre timorenses, quase me apetece dizer que, entre os hortistas, os xananenses e os alkatirianos, todos eles irmãos, nascidos do mesmo nó de gerações, é mais o que os une do que aquilo que os divide. Uns são mais voltados para uma racionalidade finalística obtida entre os modelos moçambicano-europeus, outros, mais marcados pelos modelos internos do compromisso, mais orientalistas, mais racionais-axiológicos. Se os primeiros preferem o "state building", já os segundos tendem mais para o "nation building". Os dois são necessários a a alternância se for "à cabo-verde" pode ser o sal da terra.

O barco do Ataúro já chegou. Lança fumo negro demais pestara um observador ecológico. A lua estava estirada com uma estrela ao lado. As palmeiras elegantes ao sabor da brisa. Não há polícias nem militares nas ruas. E em dia de feriado, a cidade de Dili fica quase deserta. Uns foram para os distritos e as estradas são más. Os ditos cooperantes voaram para Bali e para Darwin. E eu fiquei por cá entre as praias do Sul e as praias do Norte, usando a bicicleta antes de o sol abrasar. Estamos no fim da primeira parte do jogo do Sporting. O sol já levantou em força. Vou até Motael num ir e num voltar.