a Sobre o tempo que passa: Prefiro reflectir sobre o ambiente retrospectivo da série de Salazar

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

10.2.09

Prefiro reflectir sobre o ambiente retrospectivo da série de Salazar


Muito raramente transcrevo cartas e comentários sobre os meus postais. A este, não resisti e transcrevo com a devida autorização.  As tribos, como dizia o António Alçada Baptista são assim: mesmo que não estejam juntas no dia a dia, as lealdades das interpretações do mundo vincularam e vinculam os valores sem qualquer arredo.

... confesso professor que a preocupação que transparece da sua opinião sobre esta ficção da vida do dito me deixou ainda mais preocupada sobre o impacto que a mesma poderá ter tido. Devo dizê-lo pois julgo ter intuído comum apreensão.

Não creio que tenha sido apenas pelo despudor do voyarismo que muitos gostaram de julgar que finalmente viram o ditador em actos próprios de homem-macho que nestas andanças sucumbe às anjas que o provocavam.

Não, não creio na bondade do relato televisivo das botas do pobre, sem que o mesmo tenha sido responsabilizado por usar os outros à exaustão de muitos géneros de mortes e, necessariamente à custa da voz e da alma dos mesmos ter reinado numa versão de vida.

Fazer sentir a muitos dos que viram este relato de hiato que ainda assim o todo poderoso tinha o justo direito de tentar afogar as suas próprias frustrações, naquele mar que, de pés descalços enfrentava de mansinho e corcovado, enquanto os guarda-costas nas arribas lhe acudiam em protecção de inefabilidade prestável e sem limite é o mesmo que não partir a infinita treva a um mundo de gente que, como afirma o Professor, não terá interpretado “o travo que nos fica, depois de assistirmos a essa nova versão da Emmanuele de Santa Comba, quase ameaça a democracia, ao mostrar-nos um estadista que alcançou o cognome que também marcou Robespierre, o de incorruptível, mas, tal como o seu irmão-inimigo jacobino, também dado ao terror. Mesmo com os vícios de seminarista e de namorado frustrados, o essencial da mensagem tem a ver com o pecado natural de um humano, demasiado humano.. (…) e faltam-nos menos de dez anos para completarmos, neste regime, o tempo que durou a governação de Salazar.”

Será que houve a pretensão de se humanizar a criatura ao colocá-la a pintar as unhas dos pés e assim atribuir caução de vida a uma outra que a não tem?

Será que se tem de chamar a atenção deste modo para o facto de uma Nação ter sido uma ervita pisadita pelas botitas de um obsessivo sempre velho e bolorento e suposto justiceiro que para além de sonetar sonetos não contabilizou nenhum humano com mera partícula de vontade?

Creio que o que as pessoas viram nestes dois episódios, nem sequer foi o infra mundano suposto mundo de um tiranete de segunda. Infelizmente algo se passou também naquela queda na banheira. É que o nebuloso contador de estorias às pupilas, era ele, imagine-se! um frágil – térmita não descortinado - disfarçado de gente, magro, de carne velha e entortada pelo peso das ideias. E eis que sem energia depois de tanto drimblar o rumo do universo ao alcance do cobertor que lhe aquecia os joelhitos, para não gastar ao país um tostão que fosse do tesouro alheio, pois que aquele que verdadeiramente lhe interessava e usava e debulhava e com o qual entretinha os olhos corrodentes, estava sob a alçada «do filho do feitor do seu marido» tal a frase que lhe granjeou a apoteose da própria D. Maria e conseguida no dia em que a madrinha lhe terá telefonado.

Professor, atentemos na desproporção do entendimento que ainda reina e reflictamos sobre qual foi o provocador objectivo atingido.

Pergunto-me se estamos condenados a estiolar num declínio constante ou se acaso o inicio já pereceu de tantas hipóteses de ideias fixas terem tido êxito?

Pois é , não basta que a história sempre tenha sido o género literário mais próximo da ficção, tal como cita. Não, não basta. Assim como o pecado original se tem propagado por contágio hereditário, também de geração em geração se propaga a não luz da não razão.

É imperioso que a interpretação se não coagule, e como um dia falámos, a liberdade até nos intervalos deve viver.


M. Teresa Ribeiro B. Vieira