a Sobre o tempo que passa: Arroz de polvo malandrinho e inocentes úteis

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

5.11.09

Arroz de polvo malandrinho e inocentes úteis


O parlamento acaba com desdobramentos e milhas nas viagens de seus membros. Gama é elevado a herói. Mas todos reparam que, na prática, a teoria, até ontem, era outra. Durante mais de três décadas todos os deputados e todos os partidos eram Frei Tomás: "olha para aquilo que eu digo, não olhes para aquilo que eu faço". Agora, arrependeram-se porque tiveram medo! Ainda bem!


O debate na SIC-Notícias de ontem, moderado por Gomes Ferreira, entre magistrados, polícias e jornalistas sobre a corrupção, foi arrasador, mas completamente faccioso. Não deram voz à parte mais interessada e mais conhecedora do processo: os ladrões de colarinho branco que fazem discursos contra a corrupção...


Gostei daquela citação indirecta de Cravinho que fez o moderador: afinal na política portuguesa há muitos inocentes. São os chamados "inocentes úteis"...


Decidi ler todos os meandros disponíveis do processo italiano que desmantelou a P2. Liguei a coisa à "Operation Chaos". Reparei no efeito indirecto do assassinato de Aldo Moro, com vermelhos aos tiros. Foi-me dado concluir que Vaticano, Maçonaria, Magistratura, Empresários e Partidocracia, quando se armam em aprendizes de feiticeiro, podem enredar-se em vergonhas com solitárias mãos limpas...


O que agora aparece em cima, por causa do que está em baixo, é tudo conforme ao que está em baixo. E em matérias de corrupção, o bom senso aconselha que se comece em cima, com os bons exemplos e o arrependimento sincero. Para que essa questão de carácter, dos que estão lá em cima, chegue cá baixo e acabe com os micro-autoritarismos sub-estatais que fazem arrozinho de polvo com duros resíduos de tentáculos e certos laivos de informal picante que fazem ardor nas gargantas fundas.


Seria bom tirarmos imediatas lições desta operação sucata. Se houvesse um Observatório de Grupos de Pressão, pediria ao dito que me publicitasse imediatamente todas as redes, eventualmente legais, de "consultadoria", incluindo o aconselhamento jurídico informal, e de "outsourcing" com que os aparelhos do estadão neocainesiano e os seus anexos pretensamente oposicionistas estão a privatizar clandestinamente o espaço público, com o colaboracionismo da partidocracia e da velha Dona Maria da Cunha...