a Sobre o tempo que passa: Entre "Caim" e o "Símbolo Perdido". Ou o regresso da "Teologia Política".

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

3.11.09

Entre "Caim" e o "Símbolo Perdido". Ou o regresso da "Teologia Política".


Em Fevereiro de 2005, analisando a primeira pedrada no charco de Dan Brown, observava aqui: "retoma-se, quase meio século depois, o regime do "best seller" de Pauwels e Bergier, Le matin des magiciens, Paris, Gallimard, 1960". Quase quatro anos e meio depois, retoma-se a senda, reduzindo a ritmo de "thriller" questões maçónicas, gnósticas e panteístas. Isto é, continua a romancear-se o fogo sagrado. "Especialmente neste Ocidente onde as bases esotéricas atiram a memória pré-cristã e as heresias medievais para a zona do sincrético das seitas e das macacadas das sociedades secretas, onde, afinal, algumas multinacionais livreiras espetam as garras do negocismo, explorando as nebulosas que circundam a procura da verdade, sem se ir ao fundo das coisas."


Já li e anotei o Símbolo Perdido. Inseri-o nas minhas aulas de antropologia política do segundo ciclo, quando abordei a teologia política, fazendo um paralelo com a polémica Saramago. Notei que Dan Brown conclui um guião que assenta numa cuidadosa investigação sobre matérias de Maçonaria, assumindo-se como chefe de uma vasta equipa que procurou ser fiel às enciclopédias disponíveis sobre a matéria, fazendo uma integração dessa tradição naquilo que propagandeia como a república bíblica, a entidade fundada por Washington e que tem hoje como timoneiro Obama e que tem algumas semelhanças com essa irmã abaixo do Equador, a república sincrética, representada por Lula, todas criadas bem antes de Afonso Costa, Fernando Pessoa, Salazar e a irmã Lúcia.


Por outras palavras, extrai-se da obra daquelas propagandas eficazes que não parecem propaganda, mas que invocam confiança numa entidade política que parece o regresso a uma catedral medieval, assumindo-se uma postura que está em total contraciclo com o muro das lamentações de Saramago, dado que os maus costumes deste são a metapolítica da república norte-americana. Daí que alguns catolaicos tendam a lançar no "index" os dois romances, porque se um pode ser considerado ateu e libertino, como nas Constituições de Anderson, o outro tende a ser o exacto inverso, ressaltando a missão espiritual de uma ordem que, na sua essência, procura a raiz do mais além da religião secular do Livro.


Ao contrário de há quatro anos e meio, onde o "Opus Dei" era diabolizado, não pode agora concluir-se que "acaba por apelar-se ao vazio da procura pessoal, obrigando muitos a acolherem-se à sombra de explicações transpersonalistas e fazendo dissolver as autonomias individuais no colectivismo moral das seitas e nesse jogo entre o exotérico e o esotérico, de modo que a verdade acaba por dissolver-se."


Mas pode acrescentar-se, mais uma vez: "Importa salientar que quando alguém procura atingir o bem colectivo através do mal individual, em nome da Razão de Estado, da Razão de Seita ou da Razão de Igreja, está a matar-se a si mesmo, ainda que adopte aquela literatura de justificação do realismo político. E todas estas legiões tanto geram os Buiças que matam os reis como promovem os assassinos de Delgado que pensavam estar ao serviço de Salazar. A maçonaria permitiu o 28 de Maio de 1926 quando deixou que a formiga branca entrasse em autogestão. O Estado Novo autorizou o 25 de Abril quando criou condições para que matassem o general sem medo."

"Há muitas boas e higiénicas instituições que invocam fins superiores, incluindo o divino, enquanto os respectivos jagunços, inflitrados nos aparelhos do Estado de Direito, brincam ao maquiavelismo, maculando a eventual espiritualidade com que vão recrutando neófitos. E o estampido das crenças, com que muitos vão permitindo as conversões, pode levar a um processo de crescente relativismo e cepticismo, onde acaba por preponderar o mero jogo das bruxarias." Prefiro a Melancolia que encabeça esta provocação de hoje e tratei de reler as reflexões de Jung sobre a alquimia, especialmente quando a universidade portuguesa é asfixiada pela tecnologia sem técnica e pela falsa alquimia sem humanismo.

Como observava Carl Schmitt, na sua pioneira "Teologia Política", a maior parte dos nossos mais fecundos conceitos de teoria política são conceitos teológicos secularizados. Como agora acrescento, é uma heresia continuarmos a considerar o Estado como um substituto monoteísta e devia ser pecado sacralizarmos o "representante" como aquele que está presente em vez do outro, que é o abstracto Povo. Esperemos que Saramago ou Dan Brown lancem nova obra em simultâneo sobre o "Milagre de Fátima". Porque, lá na Cova de Iria, está a nossa pedra angular, depois de Sidónio, das trincheiras da Flandres e da pneumónica. E vem aí o papa Bento XVI, preparando as comemorações do centenário de 1917, antes que o programa deste Governo seja levado à prática...