a Sobre o tempo que passa: Então, e se houvesse vidas felizes? Recebido de M. Teresa Bracinha

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

17.11.09

Então, e se houvesse vidas felizes? Recebido de M. Teresa Bracinha


Então, e se houvesse vidas felizes?

Tenho para mim que a felicidade interior constitui uma bagagem relacionada com o Saber e este irradia muito, até do que ficou para trás, da vida. Só que ainda resta descortinar a amplitude de quem continua a fazer a festa sozinho e a entrar num coma irreversível protegendo-se de tanta alergia face ao que nos rodeia.

Um dia descobre-se que a festa é uma realidade colectiva e contrária à doença que nos querem transmitir como sendo a inevitabilidade crónica dos dias das gentes do mando.

Contudo, alguns de nós (individualmente ou em grupo) encontramos sempre um meio para que as nossas alegrias de nós se orgulhem, para que a solidão do Conhecer não se trate a ele próprio com o desespero do silêncio.

Assim, é deste modo que podem existir vidas felizes, vidas que sabem comunicar as solidões, bem como transmitir a companhia do ser-se solitário.

Pois bem, este é um exercício de força anímica que se opõe à força do mando cego da colectivização de uma sociedade não declarada constitucionalmente doente, mas de facto insuportavelmente sarnenta, ao ponto de um dos nossos hospitais ter declarado que a sarna por lá entrou apenas através de um doente e que agora se instalou no poder de decidir quem a irá pegar e quem não rirá por último.

Curiosamente, o ambiente “pensado” dos seres que nos cercam, é de tal modo pandémico no transporte do Nada, que muitas são as pessoas que escondem algumas horas felizes, não vá o diabo tecê-las e a terapêutica da inveja opor-se por decreto reforçado, militarizando qualquer valor que não equivalha à guerra do vale tudo, menos descortinar que apesar do tudo, ainda pode haver a felicidade da resistência.

Continuamos a viver em territórios demarcados, todavia, dessa demarcação faz parte, no geral, a ocupação integral do tempo comandado pelos outros, pois há que manter ocupada toda a gente e simultaneamente com o mesmo sentimento acrítico de nunca se oporem à infelicidade já que ela é, em vez do sonho, a tal constante da vida.

Chego a pensar que se deveria regimentar a morte em acto único para que nos reuníssemos na despedida; para que enfim, a felicidade não fosse aceite como uma vontade política ou de poder económico, mas sim, que se descobrisse a linguagem da existência que rejeita a qualquer preço a destruição daquilo a que afinal, não estamos habituados, ou seja, ao mero direito que todos temos a uma vida feliz: inabitual no pensamento único para o qual a sociedade tende.

É assim que nós assistimos e vivemos no espectáculo de um duplo movimento: por um lado, aquele que gera a bactéria que confunde pela sua natureza, a própria doença; por outro, a ideia da variedade que luta pela vida das horas felizes, pelo olhar legível que só por si gera os efeitos e os sentidos nos actos que identificam a própria identidade com a liberdade.

Soube-se anteontem que existe água na Lua. Registo irreversível de vida. Diria que talvez as parangonagens, tenham abafado esta notícia, o que só mostra ou demonstra que se esqueceu que no nosso mundo, a morte faz-se na vida e que a intensidade desta se exprime na vontade de experimentar a tal vida feliz, pois que liberta das falsas sementes que à terra se têm deitado, como se da lavra não se colhesse a fertilidade da luta infinda.

Então, e se houvesse vidas felizes?

M. Teresa Ribeiro Bracinha
Lisboa, 15 de Novembro de 2009 – Sec. XXI