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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

13.11.09

O elefante das parangonas na nossa loja de porcelanas


Eu escuto, tu escutas, ele escuta, nós escutamos, vós escutais, eles escutam. Primeiro, foi o palácio de Belém. Agora, é o de São Bento. Eu parangono, tu parangonas, ele parangona, nós parangonamos, vós parangonais, eles parangonam. Mas o Zé é que paga. E vota.


Entre a primeira página "Sol" e a reportagem "Expresso" ("O que une António Preto e José Sócrates?"), apenas se confirma que, em vez de política, temos romances de costumes, em ritmo de telenovela. Podemos dar ao dramalhão o título camiliano de "A queda dos anjos"...


Confirma-se que a economia está em retoma. Confirma-se que o caso Freeport foi arquivado ... em Londres. Mas as declarações públicas de Sócrates, há minutos, não correspondem a estas boas notícias.


É um excelente "case study", a vida de Sócrates, Vara e Raposo. Três "mirins" e "self made men", a quem certa casta, a que alguns chamam direita, acusa de falta de berço, só porque vêm das berças, sem passarem pelo crivo da legitimidade cultural compensadora, da universidade, do báculo ou da tropa, dado terem tido sucesso na partidocracia, cimeira ou autárquica, na banca ou nos negócios. Espreitemos o processo por outra perspectiva:


Há um nevoeiro de inveja que faz com que não haja espaço para clarificação da única coisa que interessa neste processo: as efectivas condutas, passíveis de sanção pela ilicitude ou pela desonestidade. Quem as pode eventualmente condenar não é o racismo social vigente, mas o direito ou a moral. Temo que se esteja perante a velha anedota da pescada que antes de o ser já o era.


A administração da justiça é como uma loja de porcelana. Com tantos elefantes passeando retórica e parangonas, não é cura a venda de gato por lebre das filigranas do parlamentarês, do ministerialês e do judicialês. Estamos fartos feitores, capatazes e máscaras descartáveis que se usam e deitam fora.Abaixo as guerras por procuração!


As fronteiras entre o privado e o público de uma figura pública têm sempre aquela terra de ninguém do escrutínio público, que não deveria ser confundido com o espaço de podridão daquele vírus multi-resistente que nos vem dos familiares do Santo Ofício, dos moscas do Intendente e dos bufos ditatoriais...


E a melhor forma de combatermos a corrupção está no desenvolvimento de uma moral social que assente na liberdade de imprensa e no efectivo jornalismo de investigação, como, num comentário a recente escrito meu, assinalou o meu colega de sempre, o velho jornalista, Miguel Reis.


O nevoeiro crepuscular que afecta o Presidente, o Governo, o Parlamento, o Poder Judicial e o outro poder, o da comunicação social, ao minar a confiança pública, acaba por entorpecer o o macropoder do poder dos sem-poder, a que, desde sempre, se chamou república, ou comunidade. Da guerra civil institucional só beneficia a força viva dos cobardes!