E comecei, precisamente, por homenagear esse santo laico da minha infância, talvez o resistente anti-salazarista da zona que mais vezes deve ter sido preso e que, para mim, se tornou no paradigma de um político que sempre viveu como pensou e que, nem depois da vitória das suas ideias, no 25 de Abril de 1974, se conformou. Encontrei-o, um dia, no tribunal, onde fazia estágio de advocacia: tinha voltado a ser detido, agora, conspirando num dos grupos de extrema-esquerda contra o situacionismo do PREC... O meu querido dr. Ribeiro que a tantos fez bem, com o seu dois cavalos, circulando de aldeia em aldeia, de casa em casa, tratando de toda a gente, sem máquina registadora de pagamento de consultas, foi um semeador de sonhos a quem continuarei fiel para sempre.
A conferência foi também um pretexto para o meu luto. Porque a minha querida Ana era trineta do Francisco de Lemos Ramalho, que nunca usou o título de Conde de Condeixa, o tal que fugiu de casa aos 14 anos para servir no cavalaria 4, que lutou do lado miguelista, mas que, depois, renunciou, para voltar às armas com a Patuleia, à frente de 600 homens que armara e equipara. Também não aceitou ser Marquês de Pereira, título oferecido por D. Maria II a quem hospedou, juntamente com D. Fernando e o futuro D. Pedro V.
E que dizer da carbonária, depois desta mistura de setembristas e legitimistas? Que a velha sociedade napolitana, surgida entre 1807 e 1810, contra a ocupação napoleónica, tinha a mesma explosividade de idênticas sociedades secretas portuguesas que resistiram a El-Rei Junot e que, na pequena pátria dos campos de Coimbra, se destacou o maçon José Bonifácio, em nome da liberdade portuguesa, para, depois, erguer o sonho da independência brasileira que foi a melhor maneira de se reproduzir Portugal à solta no lado de baixo do Equador.
Porque houve sempre muitas carbonárias: a de 1848, ligada a José Estêvão (o filho deste, Luís de Magalhães, ministro dos progressistas, há-de casar com uma descendente de Francisco Lemos Ramalho, e terá destino paradoxal de crente, quando assume a legitimidade de líder político da Monarquia do Norte, em 1919, mas sempre em amiga relação com os republicanos, como o demonstrou a defesa que teve em tribunal de Basílio Teles); a de 1862, ligada ao Partido Regenerador de Coimbra, com o Padre António de Jesus Maria da Costa); ou a de Artur Duarte da Luz de Almeida, recriada em 1897, onde vai enfileirar António Maria da Silva que, nas suas memórias, nos desfaz o mistério de uma organização mobilizadora, porque, segundo as suas próprias palavras: muitos portugueses são dotados de uma ponta de misticismo; e, para esses, era de capital importância a liturgia, principalmente para os mais humildes.
Descansem, leitores, não vou reproduzir a conferência, nem registar o debate. Emociou-me a presença inesperada de António Arnaut, bem como de companheiros da blogosfera, como o Almocreve das Petas, o Almanaque Republicano e o Prosas Vadias. Agradeço as palavras do José Fanha e até provoquei o meu querido António Arnaut para ele explicar a simbólica maçónica do brasão do concelho de Condeixa-a-Nova, inspirada pelo também maçon Rodrigo da Fonseca.
Voltei à minha pequena pátria moçárabe dos campos de Coimbra, entre a serra e o mar, onde há sinais de uma república maior, a de Portugal a caminho do Sul, esse que lutou em Aljubarrota, que resistiu no cerco de Lisboa, que elegeu o rei nas Cortes de Coimbra e que a todos nos fez porto de partida para o navegar é preciso do abraço armilar.
E não deixei de homenagear os meus avoengos, mais da patuleia do que da capitaleira carbonária, esses resistentes da Revolta do Grelo e da revolta de Cernache de 1936. Foi com eles que soletrei os sinais da terra prometida e dos planetas que nos dão esse além de um mundo sem fim, o da espiritualidade, mesmo quando herética e neopagã (veja-se o S. Mateus de Soure, a queima do Judas em Cernache ou as cavalhadas do Espírito Santo em Vila Pouca, mesmo quando apenas autorizadas no Santo António). Sobretudo, o valor do trabalho, de sol a sol e de lua em noites de rega, e o sentido do sagrado da propriedade humanizada do minifúndio que permitiu o individualismo e o familiarismo da casa, da horta e do pinhal, essa enraizada liberdade na comunidade viva das tradições.
As minhas origens, de nobre linhagem plebeia, regeneraram-se nesta breve viagem ao sonho que me deu sentido de luta. A memória viva da companhia da Ana, ela que nunca usou o nobiliárquico de "Azeredo Coutinho", porque sempre se disse "Ana Fraga", obrigam-me a ser fiel à tribo e aos meus. Daí que, em plena comemoração do centenário da república, tenha continuado a proclamar o meu liberdadeirismo azul e branco, defensor da restauração da república... mas com a posterior eleição do rei. E o ambiente dos meus amigos, colegas e irmãos da assistência, maioritariamente antimonárquicos, apenas demonstrou como não posso ser, como realista antigo, anti-republicano. Até recordei o "Livro da Virtuosa Benfeitoria" do Infante D. Pedro, talvez o primeiro tratado político em português, o do ambiente da constituição política de 1385, que o grupo republicano da Biblioteca Pública do Porto editou...
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