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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

12.5.10

Homens, sede Homens! Em memória de D. António Ferreira Gomes...


Depois de mais de cem mil em Lisboa, celebrando o vermelho, a águia e um jogo de fortuna e azar, novos banhos de multidão pelas mesmas ruas desta cidade feita por subscrição nacional, enquanto as novas sobre a nossa tradicional história do défice vão sendo meras notas pé-de-página.


Os comentadores referem o Vaticano como monarquia absoluta com oitocentos habitantes, quando importa notar que, no âmbito da pluralidade de pertenças com que se tece a república universal, o papa é o intermediário representativo de um dos povos unicitários mais quantitativos deste mundo ao serviço do outro.


Para a secção portuguesa da Igreja de Roma, foi linda a festa, pá. E tive que ficar feliz, porque muitíssimos dos meus compatriotas se emocionaram, enquanto recebiam uma cuidadosa lição de racionalidade e autocrítica que, por ser devida, quanto aos próprios pecados da Igreja, deve ser reconhecida...


Porque desde Santo Agostinho se reconhece que a Cidade do Diabo não é estranha à Cidade de Deus, circulando no próprio âmbito da Igreja, até porque cada homem é uma guerra civil...


Bento XVI tirou o tapete argumentativo a certos "integrismes", "reccionários" e "fundamentalists" que o pretendiam como não continuador de João XXIII, Paulo VI e João Paulo II. Sobretudo daquele primeiro papa que nos visitou, aterrando apenas em Monte Real, sem homenagear Lisboa, proclamando: "Homens, sede Homens".


As palavras em defesa da Lei da Separação, para gáudio de Afonso Costa e Alberto Moura Pinto, só foram surpresa para quem não teve a humildade de captar o respectivo subsolo de ideias, tanto filosóficas como teológicas. Claro que ele não é judeu, islâmico, ortodoxo, protestante, maçon ou liberal. É o que é!


O papa é o herdeiro do constantinismo, do inquisitorialismo, do absolutismo, da "Syllabus", continua a seguir o dogma da infalibilidade papal, mas tanto seria saudado por D. António Ferreira Gomes como por D. Manuel Gonçalves Cerejeira...


Reconhecer a verdade, ou desejar que possa haver pontos comuns e vontade de diálogo entre homens de boa vontade, não significa conversão. Mas não implica cedência a fundamentalismos de sinal contrário, como aqueles anticatolicismos primários que, cercados pelo medo, caem nos tradicionais neodogmatismos pretensamente antidogmáticos.


PS: Imagem picada aqui. Bispo do Porto voltando à terra, depois do exílio, em 1969.