a Sobre o tempo que passa: Era uma vez…Por Teresa Vieira

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

20.1.11

Era uma vez…Por Teresa Vieira


Era uma vez uma ilha onde se encontravam quatro náufragos: o Bom, o Mau, o Assim-Assim e o Outro.
Como o pasmo em que viviam era por excesso redutor, na opinião de qualquer um deles, decidiram organizar-se em sessões de diálogo para que se invertesse os sinais de marasmo.
O primeiro diálogo que teve lugar foi o seguinte:
Bom - Estamos num contexto complicado! Isto não é nada bom!
Mau – Conheces-me de algum lado?
Assim-Assim - De facto, ainda não vejo que estejam reunidas as condições para que a liberdade se recupere.
Outro – Há dois aspectos a colocar: um de liberdade e um outro de crime.
Mau – Conheces-me de algum lado?
Outro – Eu? Porquê? 
Bom – Ora porquê?, a vida leva-nos a muitas coisas. E o Mau sabe disso. A vida é um risco permanente e há que compreender o limiar dos deslizes.
Assim-Assim – Só o limiar? Ou também no sentido antropológico do termo?
Outro – Julgo que devemos todos criticar, mas dando alternativas. Não é agora minha missão definir as bases desse projecto, porventura condenado a uma existência curta…
Mau – Conheces-me de algum lado?
Outro – Ora, ora, permito-me remeter-te para o Bom.
Bom – Ah é? Eu é que tenho culpa dele ser assim?
Assim-Assim – A culpa é uma responsabilidade da sociedade e deve ser assumida por todos. Todos devem ser julgados. Ao menos que haja um exemplo!
Mau – Conheces-me de algum lado?
Assim-Assim – Não!, mas tenho ouvido falar de ti e sei que existes. Sei que não és uma ideia burocrática. Até já ouvi o Bom dizer que tu és o «metamau».
Mau – Nunca ouviste dizer que pelos ouvidos se não deve ter por certo o que as vozes fazem correr? Estás-me a condenar sem provas? Estás? Olha que a ilha é curta! Vá denuncia: conheces-me de algum lado?
Bom – Então o que é isso? Tenho de me intrometer nessa salgalhada? A altura não é propícia à agressão, ao desacato, ao insulto. Vejam como eu compreendo e perdoo o responsável de eu estar aqui nesta ilha escarpada e sem solução de saída. 
Assim-Assim – A verdade é que cada um de nós deverá criar de imediato uma ruptura com os atavismos ancestrais do entendimento. Cada um só sobreviverá desta ilha se desabrochar nele a convicção de que por aqui passará quem nos salve.
Outro – Um D. Sebastião?
Assim-Assim – Poderá ser, não achas? Desde que se não vá ao fundo de quem é, não vejo problema.
Outro – Por mim defendo que se não delegue nos outros o sabermos quem somos.
Mau – Conheces-me de algum lado?
Outro – Já te disse que fosses para o Bom.
Bom – Ora essa, e terei de levar com ele por conta do quê?
Outro – Por conta de reconheceres o teu oposto, não? Ou por conta do conhece-te a ti mesmo.
Assim-Assim – É má a minha interpretação ou ainda não descodificaram que eu nada tenho a ver com a situação? É que eu conheço-me, e para já não admito que me metam na tijela do «todos» onde vocês cabem e eu não.
Outro – Ah não? Tu não cabes? Tu não coubeste já? Então de onde é que eu te conheço? Julgas que me esqueci do lugar onde te vi com o Bom? Julgas que tenho a memória curta e não me recordo o quanto tu e o Mau couberam e bem, nas mesmas lides?
Mau – Conheces-me de algum lado? 
Bom – Olhem, olhem, quem lá vem a nado?! O Vilão!
Assim-Assim – Talvez seja bom!
Bom- Bom sou eu!, e mais ninguém! Não me confundam, se fazem favor! Eu sou diferente!
Outro – Estou como o Assim-Assim. Talvez seja bom que o Vilão consiga chegar aqui à ilha. Assim possa ele semear uma nova ética que se preste ao contexto do espírito humano que aqui se vive.
Assim-Assim – Como eu te topo bem! O que tu queres sei eu. Queres aniquilar o Vilão com os três tempos da tua verdade e depois reinares sobre o todo que por ti se espanta. Mas eu não. Não vou contigo. Nem é por isso que quero que o Vilão se safe.
Bom – Ah!não? Então podes explicar qual a razão que te leva a desejar tanto que aqui chegue são e salvo o Vilão?
Assim-Assim – É que aquele que em mim acredita faz obra grande!
Mau – Conheces-me de algum lado?
À chegada o Vilão, mal os vê os restantes companheiros, canta satisfeito:
Serafim, Serafim, saudade, aqui estão todos naufragados sem saberem o que fazer. Lá lá lá lai, Sarafim, Serafim ó Outro que conheces bem o Mau, o Bom e também o Assim-Assim. Serafim, Serafim ó ilha! Que aqui chego eu, o Vilão, e te baptizo democracia! Lá lá lá lai. E que és também poesia, afirmação e vida ímpar que me salvas deste mar. Lá lá lá lai. E que sossego agora o meu, por não usares o nuclear e resolveres a espelho teu!
Mau – Conheces-me de algum lado?
M. Teresa B. Vieira 
20.01.11
Sec.XXI