Vivam as Faculdades de Letras!
"In illo tempore", quando os animais ainda não falavam e já se clamava, muito reaccionariamente, pelos costumes perdidos, Portugal dispunha de um Curso Superior de Letras, em Lisboa, a que Teófilo queria dar o comteano nome de Faculdade de Sociologia, e de uma Faculdade de Teologia, em Coimbra. Veio o paradigma positivista da Primeira República e a Teologia de Coimbra transformou-se na segunda Faculdade de Letras, até que Leonardo Coimbra, conseguiu, de forma antipositivista, criar a terceira, na capital do Norte. E ficaram três. E foram três mais outra que, em vez do nome napoleónico, preferiu traduzir de forma actualista o novo galicismo, ficando-se pela Nova.
A certa altura, cereja puxando a cereja e cogumelo crescendo em explosão, surgiu o paradigma das fábricas dos professores, onde letrados formavam letrados para formarem mais letrados ainda, de tal maneira que, apesar de avaliadores, educionólogos, ornitólogos e outras espécies zooculturais, o número de escolas superiores letrais atingiu a bonita soma das quatro dezenas, tal como as duas de direito, antes de 1975, chegaram a cerca de duas dezenas. Foi o tempo do fartar, da quantidade matando a qualidade, quando era tudo crescimento demográfico, num semear sem semente de que agora estamos a colher o lixo. Porque nos esquecemos que "primeiro a aula, só depois o capítulo".
Parafraseando Paul Ricoeur, diremos que o mal político é, no seu sentido próprio, a mania das grandezas, a mania do que é grande. Isto é, quanto mais são os pequenitos que nos conformam, maior é o verbalismo fácil da inveja igualitária. Mas as altas expectativas geradas, quando confrontadas com as realizações, acabam por gerar a frustração, pelo que, muito esquizofrenicamente, passamos de bestiais a bestas, dos melhores do mundo a arrastados acompanhantes da cauda do pelotão. E quando o desencanto se apodera de nós, logo surgem brilhantes raciocínios que levam a culpa a morrer solteira, com muitos discursos de justificação e outras tantas desculpas
Muito ironicamente, talvez possamos um dia ler a seguinte nota de imprensa: alguns círculos geralmente bem informados comunicaram-nos que a Senhora Culpa acabou de proclamar que nunca pertenceu ao género feminino, à imagem e semelhança do respectivo concubino, o Senhor Estado, que também nunca se terá integrado naquilo que, até agora, parecia o género contrário. Os dois teúdos e manteúdos, em nome da paridade e da economia comum, que sempre praticaram, depois de assumirem o orgulho e a via do terceiro género, vão requerer solenemente a respectiva união de facto. O acto contratual, totalmente laico, será apadrinhado pela eterna esperança da nossa praça que assume, sem tragédia, o legado de Carlotinha Lobo d´Avila.
Ai de Portugal se se perder o impulso das velhas escolas públicas de teologia, literatura, história e filosofia. Fechar a magnífica escola dos Açores ou reduzir as sapientes escolas de Lisboa, Coimbra e Porto ao vegetar de alunos de média dez ou onze é cometer-se um crime contra a autonomia cultural portuguesa. Qualquer governo com saudades de futuro tomava imediatas medidas de emergência, mas sem cair na tentação corporativa e gerontocrática dos reformadores oficiosos. As escolas de Teófilo Braga, Hernâni Cidade, Vitorino Nemésio ou José Sebastião da Silva Dias são do melhor que Portugal produziu, a não ser que se pretenda acabar com Portugal. Transformá-las em sucedâneos de internacionalismo ou politologia é também matar o internacionalismo e a politologia e cair-se na tentação do nem carne nem peixe, para gáudio de Georgetown. Sem filosofia, sem história e sem literatura não há memória nem identidade e, logo, não poderá resistir Portugal.
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