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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

8.11.04

Há um ministro no governo de Portugal....



Há um ministro do governo de Portugal que acha "extraordinário que durante uma semana o país se tenha praticamente debruçado em exclusivo sobre a saída do prof. Marcelo da TVI". Há um ministro do governo de Portugal que, apesar de ser um dos seres mais politiqueiros deste país, finge falar "ex cathedra" como empresário, proclamando que "os empresários de todas as nacionalidades, e eu falo com conhecimento de causa, adoptam em geral políticas de não hostilização dos governos dos países onde estão. Muitas empresas estrangeiras que vêm para Portugal têm essa orientação. Acho perfeitamente natural que o responsável da Media Capital tenha mostrado alguma preocupação sobre essa matéria". Se isto é ser tecnocrata, vou ali e já venho...

Há um ministro do governo de Portugal que faz interpretação autêntica do que os empresários dizem, pela dedução:"Estou só a deduzir o que Paes do Amaral disse: Temos que pensar estrategicamente se realmente as suas intervenções estão a hostilizar muito o Governo, se não valia a pena repensar este modelo."



Há um ministro do governo de Portugal que faria a Marcelo o que lhe fez Paes do Amaral: "Sinceramente era capaz de o fazer. Não considero que seja pressão". Porque, para ele, se um patrão da comunicação social disser a umcomentador: "Pare de fazer críticas porque tenho um negócio para acabar", isso não é pressão: "Não há nenhum grupo económico nacional ou internacional que não tenha essa preocupação". A experiência é a mãe de todas as coisas.

Há um ministro do governo de Portugal que deveria voltar a ser empresário. Rapidamente em força. Mesmo que o presente triciclo governamental do lopismo deixe de ter credibilidade empresarial. Mas o que não pode é dizer-se que ele é um histórico do PPD. Nem ele pode dizer que não é político. Que o digam os muitos militantes históricos do PPD que por ele foram despedidos no ministério da agricultura nos tempos do Bloco Central, só porque obedeciam ao sonho do programa inicial do mesmo partido, em termos de política agrícola, quando ainda se acreditava que podia evitar-se a desertificação do país e apostar-se num modelo de desenvolvimento sem os industrialismos da tecnocratice dos anos sessenta do século XX.


É um ministro de grande longevidade política, dado que ascendeu a tal categoria em cinco ciclos políticos: nos governos presidenciais (quando ainda não era do PSD), nos governos da AD, no do Bloco Central, nos do cavaquismo e no presente triciclo santanista. Já foi o senhor TAP, o senhor Profabril, o senhor Lisnave, o senhor Setenave, o senhor Europa, o senhor tractores da reforma agrária. Ficará definitivamente conhecido como o senhor eucalipto. E lembrar-nos-emos de um dia ter dito que perdia dinheiro quando era ministro. Mas toda a gente esquecerá qe foi o candidato derrotado à presidência municipal de Lisboa, na lista de Santana Lopes. É claro que se em Portugal vigorasse a actual prevenção legislativa francesa sobre a "pantoufflage", ele não poderia ter sido, em cerca de metade das vezes, nem ministro nem gestor público.



Há um ministro do governo de Portugal que é um dos reponsáveis pelo meu voto contra o presente projecto de Constituição europeia. Porque foi um dos que gerou esta espécie de Europa de engenheiros sem sonho, tão higienicamente assexuada que o mesmo técnico de integração até poderia reconverter-se em mais um dos executores de um plano quinquenal de qualquer "big brother", programado que está para aceitar o inevitável fim das pátrias.

Há um ministro do governo de Portugal para quem a opção europeia não surgiu por vontade reflectida de um pensamento estratégico, mas por exclusão de partes, onde o modelo para que se tendeu se assumiu como mero fatalismo de uma sebenta de economia, qualificando-se o projecto como mera integração ou cooperação económica, sem alma, sem esperança e sem política.



Porque, nessa altura, a Europa continuava a ser apenas um dos possíveis sítios para onde poderíamos ir, alguma coisa que estava fora de nós mesmos e com a qual iam negociando os restritos gabinetes de integração europeia, herdeiros dos gabinetes de planeamento, que recrutavam de forma avulsa alguns elementos das auditorias jurídicas. A Europa não passava de uma série de "dossiers" feitos com muitas resmas de papel fotocopiado por tecnocratas estaduais e por quadros de algumas associações económicas que visitavam esporadicamente Bruxelas.

Foi todo este ambiente de vazio de sonho europeu que marcou os primeiros anos da adesão, quando os governos invocavam de forma utilitarista a bandeira dos milhões da CEE, num tempo de filosofia dos homens de sucesso e de dominância do utilitarismo. Aliás, esses tais milhões de contos dos pacotes comunitários chegavam a um Portugal que vivia estremunhado pelo chamado escândalo de Dona Branca. E entre os dois fenómenos, se havia alguns zeros de diferença, notavam-se também muitos fundos perdidos de coincidências.

Há um ministro do governo de Portugal a quem devo ter concluído mais cedo a minha dissertação de doutoramento. É o mesmo. Porque, sendo director de serviços de um ministério que ele geria, tendo-me candidatado a deputado pelo mesmo círculo do dito cujo, lá em meados da década de oitenta, quando regressei da campanha, fiquei com todas as minhas competências avocadas. E, assim posto na prateleira, nos tempos do Bloco Central, depois de ter sido um dos adjuntos do ministro da AD que o precedeu, percebi o que era ser tecnocrata contra a corrente e dirigente do CDS sob um governo de coligação PS-PSD, embora ficasse com tempo para prestar um serviço a mim mesmo e, indirectamente, ao próprio público.