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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

25.11.04

Confiança é "cum" mais "fides"



No Palácio de Ratton, dito da Praia, integrado numa delegação, estive duas horas, num falar e ouvir, onde não fui apenas eu, mas parcela institucional da minha pluralidade de pertenças, as tais cujo nome nunca aqui pronuncio, porque não devo, nem quero. Por enquanto, nada comento, nem posso, mas há dias em que se aprende a conhecer o outro, a olhar para além das palavras ditas e respondidas, nessas entrelinhas que nos dão o vislumbre. A única conclusão política que se pode retirar do facto é que a pátria precisa urgentemente de confiança. De homens que voltem à palavra. De prometidos que se cumpram, de pensamento que seja acção.

Que confiança vem do latim "confidere", confiar. Por outras voltas, é "cum", isto é, reciprocidade, mais "fido", de "fides", fé. Diz-se da segurança íntima com que se procede. Diz-se também, em inglês, "trust", o dar alguma coisa em depósito, entendendo-se como tal o entregar alguma coisa ao cuidado de outrem.



Neste sentido, o poder político depende mais da confiança na globalidade do conjunto do que do uso da força, como assinalava Talcott Parsons. E como este mesmo autor refere, o poder político tem mais valor de troca do que valor de uso, é uma troca baseada na confiança, até porque a política, tal como a moeda, não passa de uma simbolização da força, é a capacidade de se conseguir que as unidades pertencentes a uma determinada forma sistémica cumpram as funções que lhes cabem.


Com efeito, a autoridade surge da confiança e desenvolve-se através do prestígio. Pierre Bourdieu observa até que todo o poder tende a ser "um poder que aquele que lhe está sujeito dá àquele que o exerce através de um crédito com que ele o credita, uma fides, uma auctoritas, que ele lhe confia pondo nele a sua confiança, pelo que o homem político retira a sua força política da confiança que o grupo põe nele. Retira o seu poder propriamente mágico sobre o grupo da fé na representação que ele dá ao grupo e que é uma representação do próprio grupo e da sua relação com outros grupos".