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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

25.11.04

A ditabranda da incompetência


De como Nuno acumula e Rui recua, enquanto Pedro joga

Ontem, neste blogue, em reacção imediata à entrevista de Pedro Santana Lopes a Judite de Sousa, sublinhava a enigmática frase então emitida: "Não se pode falar antes de acontecer". E acrescentava: "alguém disse: 'menti, menti, que da mentira alguma coisa fica'. Só que quem cala nada diz". Hoje já aconteceu. E confirmou-se que houve uma mentira pelo não-dito. E que quem continua a calar consente. Por outras palavras, Pedro gozou-nos, mas o último a rir poderá ser aquele que ri melhor.

A remodelação-recomposição com aquilo que muitos chamam a prata da casa, é mais um episódio daquelas sucessões de vitórias que aproximam a inevitável derrota final. Nem o tempo mudou, nem o disco virou, continua a tocar o mesmo. Como é diferente o poder em Portugal! Pedro fala em ajuste, não de contas, onde não parece ser especialista, mas de funções, dado que o órgão se mantém em música celestial, face à multidimensionalidade das pessoas e das estruturas, porque Rui precisa de ser resguardado, neste tempo de cerejos amargos.


O líder parlamentar do PS fala em "troca de cadeiras", mas nada diz da música

Cá por mim, recuso-me a elevar Gomes da Silva à categoria de bode expiatório. Começo a olhar com pena para Santana Lopes. E não me esfriam os suores do remorso com Paulo Portas. Eles nem sequer atingem a categoria de causas. São meras consequências de um paralelograma de forças que os ultrapassam. São, sobretudo, sintomas de uma doença colectiva, de muitos tumores que nem Mário Soares pode lancetar.



Os preparativos para a remodelação-mistério chegam a Belém

Ainda há pouco, um velho amigo me confortava com uma imaginativa tese que falava em centros formais e centros informais de poder, dizendo que aquilo que parece não é, quea política que nos é dado ver neste teatrinho de fantoches, mesmo quando tem transmissões directas de Belém, é apenas a parte visível de outras mais importantes movimentações de bastidores.


Manda quem não sabe, pode quem não deve e os cordéis retesam

Para alguns fundamentalistas que se pensam católicos, tudo acontece por manobras maçónicas, com ocultas pranchas emitidas pelo Bairro Alto. Para fervorosos laicos, tudo são jogadas do Opus Dei. Para justicialistas vermelhos, há os interesses do capital e dos grandes grupos económicos, embriagados pelo neo-corporativismo. Para radicais nacionalistas, nota-se a reconstrução do aparelho do KGB. Para eméritos neo-marxistas, apontam-se os passos da CIA. Para mim, talvez tudo seja mais simples: um imenso vazio de poder, o desaparecimento da autenticidade e a ocupção da política pelas intrigas do doméstico.

Aqui e agora, as conspirações são brutalmente feitas de anti-conspiração. Isto é, os fios da necessidade têm sido ocupados por uma sucessão de acasos. Com efeito, não considero que haja centros ocultos de poder, sejam centrais congreganistas, comités esotéricos, manipulações da cripto, ou jogadas de espiões. O que efectivamente transparece é uma real ditabranda da incompetência, provocada, não pelos ditos que são ministros, capitalistas ou partidocratas, mas por uma maioria de cobardes calculistas que continuam a lavar as mãos como Pilatos. A culpa desta "servitude volontaire" está nos formais cidadãos que não assumem a cidadania, nos voluntários escravos que não desencadeiam a urgente revolta dos escravos.


Pinóquio prestes a despachar, mas sem fazer pressão...

Quem ganha e manda não é o Pedro nem o Paulo, mas seres dos esgotos, esses vermes do oportunismo que sabem manobrar pela intriga naqueles meandros salazarentos que ainda constituem a nossa infra-estrutura social e política, apesar do verniz democrático e da verborreia pluralista e representativa que tentam caiar de modernação esses sepulcros decadentistas.