a Sobre o tempo que passa: <span style="font-family:georgia;color:red;">Empregado de escritório defende nacionalismo liberal</span>

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

26.11.04

Empregado de escritório defende nacionalismo liberal



Fomos hoje recebidos por Fernando António Nogueira de Seabra Pessoa, um estranho empregado de escritório, educado na África do Sul, onde a família se instalou a partir de 1895 e onde chegou a frequentar a universidade de Capetown (1903-1904), depois de estudar na Commercial School de Durban. Vive profissionalmente em Lisboa como correspondente comercial, desde 1908, trabalhando em publicidade a partir de meados da década de vinte. Destacou-se como um dos fundadores da "Orpheu", em 1915, e colaborou em "A Águia". Contudo, porque acedemos a algumas fundamentais páginas de reflexão política que ele guarda na gaveta, onde se assume como feroz crítico do modelo da I República, chegando a exaltar o sidonismo do Presidente-Rei e, depois, a justificar a necessidade de uma ditadura militar, não resistimos em interrogá-lo tanto sobre o nacionalismo liberal como sobre o nascente salazarismo, de quem é um crítico agreste. Apesar de adepto do modernismo e de, assim, ter algumas coincidências com o nascente fascismo, é fortemente marcado pela educação britânica de cariz liberal. Contudo, o essencial das respectivas ideias políticas tem a ver com a teoria política de Portugal, onde assume uma perspectiva messianista e quintimperialista.



Qual a razão de ser de um liberal?
Quanto mais o Estado intervém na vida espontânea da sociedade, mais risco há, se não positivamente mais certeza, de a estar prejudicando; mais risco há, se não mais certeza, de estar entrando em conflito com leis naturais, com leis fundamentais da vida, que, como ninguém as conhece, ninguém tem a certeza de não estar violando. E a violação de leis naturais tem sanções automáticas a que ninguém tem o poder de esquivar-se. Pretendendo corrigir a Natureza, pretendemos realmente substituí-la, o que é impossível e resulta no nosso próprio aniquilamento e do nosso esforço.

Então, qual é para si melhor regime político?
É aquele que permita com mais segurança e facilidade o jogo livre e natural das forças (construtivas) sociais, e que com mais facilidade permita o acesso ao poder dos homens mais competentes para exercê lo.~




Considera possível conciliar o liberalismo com o conservadorismo?
Sem dúvida. O conservantismo consiste no receio de infringir leis desconhecidas em matéria onde todas as leis são desconhecidas. Porque desconhecemos por completo as leis que regem a sociedade, ignoramos por inteiro o que seja, em sua essência, uma sociedade, porquê e de que modo se definha e morre.

E qual o papel do Estado nesse processo?
O Estado é chamado a governar uma coisa que não sabe ao certo o que é, a legislar para uma entidade cuja essência desconhece, a orientar um agrupamento que segue (sem dúvida) uma orientação vital que se ignora, derivada de leis naturais que também se ignoram, e que pode portanto ser bem diferente daquela que o Estado pretende imprimir-lhe.



E como deve ele ser conformado?
Pela autoridade, pela força consolidada, translata, a força tornada abstracta, aquela base de governo que vem depois do governo da força e antes do governo da opinião. Mas a autoridade não dura sempre, porque nada dura sempre neste mundo.Sendo a autoridade um prestígio ilógico, tempo vem em que, degenerando ela como tudo, a inevitável crítica humana não vê nela mais do que ilogismo, visto que o prestígio se perdeu. A autoridade é incriável e indecretável, e a tradição, que é a sua essência, tem por substância a continuidade, que, uma vez quebrada, se não reata mais.

Advoga então a moralização da política?
O preceito moral, para ser verdadeiramente preceito, nunca esquece um certo limite e o preceito prático, para ser verdadeiramente preceito, nunca esquece uma certa regra.

Deduzo que é adepto de uma cientificização da política?
Em matéria social não há factos científicos. A única coisa certa em ciência social é que não há ciência social. Desconhecemos por completo o que seja uma sociedade; não sabemos como as sociedades se formam, nem como se mantém,nem como declinam. Não há uma única lei social até hoje descoberta; há só teorias e especulações que, por definição, não são ciência.

Defende então o individualismo?
Cada homem é,ao mesmo tempo,um ente individual e um ente social. Como indivíduo, distingue se de todos os outros homens; e porque se distingue, opõe-se-lhes. Como sociável, parece-se com todos os outros homens; e porque se parece, agrega-se-lhes.

E como integrar a nação nesse processo?
A Nação é uma entidade natural, com raízes no passado, e, poder se ia acrescentar, em linguagem paradoxa, mas justa, com raízes também no futuro.O Estado é fenómeno puramente do presente, tanto que se projecta em , e se consubstancia com, o Governo que esteja , de momento, de posse da actividade desse Estado. Uma Nação é, assim, um organismo específico em que,como em todos os organismos, lutam, sustentando o, forças que tendem a dissolvê-lo e forças que tendem a conservá-lo.

Quais são, então, as forças de integração nacional?
Entre as forças de integração, coloco, em primeiro lugar, a homogeneidade do carácter nacional, cuja acção integradora consiste em nacionalizar todos os fenómenos importados do estrangeiro. Refiro,em segundo lugar, a coordenação das forças sociais e, em terceiro, a sociabilização das forças individuais, até porque considero que a decadência artística e literária é o fenómeno mais representativo da decadência essencial de uma nação".

Poderia dar uma breve definição de nação?
A nação deve ser entendida como um conceito puramente místico, como um meio de criar uma civilização, como um organismo capaz de progresso e de civilização. Porque a nação sendo uma realidade social não o é material. É mais um tronco do que uma raiz. O Indivíduo e a Humanidade são lugares, a nação o caminho entre eles. A Nação é a escola presente para a Super-Nação futura.

Apoia a perspectiva do doutor António de Oliveira Salazar?
Sendo a nação o instrumento de uma Humanidade superior, não posso subscrever o "tudo pela nação, nada contra a nação". Pelo contrário, devemos invocar o "tudo pela humanidade, nada contra a nação. Até porque o Estado é simplesmente a maneira de a Nação se administrar: rigorosamente, não é uma coisa, mas um processo.

Porque se afasta deste projecto de Estado Novo?
Para mim, o critério moral é absoluto, o critério político, ou cívico, é relativo. O Estado está cima do cidadão, mas o Homem está cima do Estado. Nenhum Estado, nenhum Imperador, nenhuma lei humana podem obrigar o indivíduo a proceder contra a sua consciência, isto é, contra a salvação da sua alma. O inferior não pode obrigar o superior. E

1.A Civilização está acima da Pátria.
2.O Indivíduo vale mais do que o Estado.
3.A Cultura vale mais do a Disciplina.

Logo, toda a teoria deve ser feita para poder ser posta em prática, e toda a prática deve obedecer a uma teoria. Só os espíritos superficiais desligam a teoria da prática, não olhando a que a teoria não é senão uma teoria da prática, e a prática não é senão a prática de uma teoria.