Empregado de escritório defende nacionalismo liberal
Fomos hoje recebidos por Fernando António Nogueira de Seabra Pessoa, um estranho empregado de escritório, educado na África do Sul, onde a família se instalou a partir de 1895 e onde chegou a frequentar a universidade de Capetown (1903-1904), depois de estudar na Commercial School de Durban. Vive profissionalmente em Lisboa como correspondente comercial, desde 1908, trabalhando em publicidade a partir de meados da década de vinte. Destacou-se como um dos fundadores da "Orpheu", em 1915, e colaborou em "A Águia". Contudo, porque acedemos a algumas fundamentais páginas de reflexão política que ele guarda na gaveta, onde se assume como feroz crítico do modelo da I República, chegando a exaltar o sidonismo do Presidente-Rei e, depois, a justificar a necessidade de uma ditadura militar, não resistimos em interrogá-lo tanto sobre o nacionalismo liberal como sobre o nascente salazarismo, de quem é um crítico agreste. Apesar de adepto do modernismo e de, assim, ter algumas coincidências com o nascente fascismo, é fortemente marcado pela educação britânica de cariz liberal. Contudo, o essencial das respectivas ideias políticas tem a ver com a teoria política de Portugal, onde assume uma perspectiva messianista e quintimperialista.
Qual a razão de ser de um liberal?
Quanto mais o Estado intervém na vida espontânea da sociedade, mais risco há, se não positivamente mais certeza, de a estar prejudicando; mais risco há, se não mais certeza, de estar entrando em conflito com leis naturais, com leis fundamentais da vida, que, como ninguém as conhece, ninguém tem a certeza de não estar violando. E a violação de leis naturais tem sanções automáticas a que ninguém tem o poder de esquivar-se. Pretendendo corrigir a Natureza, pretendemos realmente substituí-la, o que é impossível e resulta no nosso próprio aniquilamento e do nosso esforço.
Então, qual é para si melhor regime político?
É aquele que permita com mais segurança e facilidade o jogo livre e natural das forças (construtivas) sociais, e que com mais facilidade permita o acesso ao poder dos homens mais competentes para exercê lo.~
Considera possível conciliar o liberalismo com o conservadorismo?
Sem dúvida. O conservantismo consiste no receio de infringir leis desconhecidas em matéria onde todas as leis são desconhecidas. Porque desconhecemos por completo as leis que regem a sociedade, ignoramos por inteiro o que seja, em sua essência, uma sociedade, porquê e de que modo se definha e morre.
E qual o papel do Estado nesse processo?
O Estado é chamado a governar uma coisa que não sabe ao certo o que é, a legislar para uma entidade cuja essência desconhece, a orientar um agrupamento que segue (sem dúvida) uma orientação vital que se ignora, derivada de leis naturais que também se ignoram, e que pode portanto ser bem diferente daquela que o Estado pretende imprimir-lhe.
E como deve ele ser conformado?
Pela autoridade, pela força consolidada, translata, a força tornada abstracta, aquela base de governo que vem depois do governo da força e antes do governo da opinião. Mas a autoridade não dura sempre, porque nada dura sempre neste mundo.Sendo a autoridade um prestígio ilógico, tempo vem em que, degenerando ela como tudo, a inevitável crítica humana não vê nela mais do que ilogismo, visto que o prestígio se perdeu. A autoridade é incriável e indecretável, e a tradição, que é a sua essência, tem por substância a continuidade, que, uma vez quebrada, se não reata mais.
Advoga então a moralização da política?
O preceito moral, para ser verdadeiramente preceito, nunca esquece um certo limite e o preceito prático, para ser verdadeiramente preceito, nunca esquece uma certa regra.
Deduzo que é adepto de uma cientificização da política?
Em matéria social não há factos científicos. A única coisa certa em ciência social é que não há ciência social. Desconhecemos por completo o que seja uma sociedade; não sabemos como as sociedades se formam, nem como se mantém,nem como declinam. Não há uma única lei social até hoje descoberta; há só teorias e especulações que, por definição, não são ciência.
Defende então o individualismo?
E como integrar a nação nesse processo?
Quais são, então, as forças de integração nacional?
Entre as forças de integração, coloco, em primeiro lugar, a homogeneidade do carácter nacional, cuja acção integradora consiste em nacionalizar todos os fenómenos importados do estrangeiro. Refiro,em segundo lugar, a coordenação das forças sociais e, em terceiro, a sociabilização das forças individuais, até porque considero que a decadência artística e literária é o fenómeno mais representativo da decadência essencial de uma nação".
Poderia dar uma breve definição de nação?
A nação deve ser entendida como um conceito puramente místico, como um meio de criar uma civilização, como um organismo capaz de progresso e de civilização. Porque a nação sendo uma realidade social não o é material. É mais um tronco do que uma raiz. O Indivíduo e a Humanidade são lugares, a nação o caminho entre eles. A Nação é a escola presente para a Super-Nação futura.
Apoia a perspectiva do doutor António de Oliveira Salazar?
Sendo a nação o instrumento de uma Humanidade superior, não posso subscrever o "tudo pela nação, nada contra a nação". Pelo contrário, devemos invocar o "tudo pela humanidade, nada contra a nação. Até porque o Estado é simplesmente a maneira de a Nação se administrar: rigorosamente, não é uma coisa, mas um processo.
Porque se afasta deste projecto de Estado Novo?
Para mim, o critério moral é absoluto, o critério político, ou cívico, é relativo. O Estado está cima do cidadão, mas o Homem está cima do Estado. Nenhum Estado, nenhum Imperador, nenhuma lei humana podem obrigar o indivíduo a proceder contra a sua consciência, isto é, contra a salvação da sua alma. O inferior não pode obrigar o superior. E
1.A Civilização está acima da Pátria.
2.O Indivíduo vale mais do que o Estado.
3.A Cultura vale mais do a Disciplina.
Logo, toda a teoria deve ser feita para poder ser posta em prática, e toda a prática deve obedecer a uma teoria. Só os espíritos superficiais desligam a teoria da prática, não olhando a que a teoria não é senão uma teoria da prática, e a prática não é senão a prática de uma teoria.
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