a Sobre o tempo que passa: <span style="font-family:georgia;color:red;">Há Juízes com olhos de tradutores do mundo</span>

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

26.11.04

Há Juízes com olhos de tradutores do mundo



O.S. escreveu aqui:
E eis que o Maestro Graça Moura foi detido hoje de manhã e não se sabe ainda porquê, mas não interessa porque independentemente de haver uma justa causa ou não, o importante é que se vão prendendo algumas pessoas de real nome que assim o tal povo vai achando que se faz justiça e tomem lá mais um rebuçado para se entreterem (fim de citação...).

Um magistrado amigo replicou:
Mas por favor, explica-me: será que é melhor não prender ninguém? Com nomes sonantes ou não? Que isto é tudo só para fins de entretenimento? Que eu, em suma, ando a trabalhar para o boneco? Não, caro amigo, não creio que possas pensar assim... Porque eu não creio ser esse o meu destino... Um abraço.


O.S. responde hoje o seguinte:

Não obstante a ironia metafórica que se pretendeu atribuir dentro de um mais vasto contexto, no qual nos surge a prisão do Maestro Graça Moura, não é de todo uma crítica sequer sarcástica a alguém em especial dentro da Magistratura que, bem desejo, continue a acreditar na não impunidade que tem assistido, demasiadas vezes, às tais pessoas de “real nome” . Mais: quem reage como reagiu e com a digna força com que o fez, leva-nos a um ponto de luz que nos aquece a alma desesperançada. Em suma, pessoas como esta seguram, quantas vezes de forma profundamente isolada, a coragem de enfrentar e decidir com isenção, num burgo onde impera a total ausência de crítica individual já que a “justiça” popular a que nos queremos referir, só reflecte o imberbe “direito” recolhido dentro de muitos que, quando solto, os faz atirar a primeira e a restantes pedras, pois que estas termiteiras esbulham em permanência e com convicção o direito à inocência.



Todavia, o sistema é que se pode prestar a que a prisão do mencionado Maestro, seja interpretada como um entretenimento que vai beneficiar a ausência de conteúdo de um povo e de seus governantes. Claro está que, no nosso entender, quem corre este risco ainda é por uma razão acrescida, a tal luz que junta com outras, nos vai fazendo crer que sempre alguém ficará aqui neste mundo com a convicção de por ele dar o seu melhor empenho e de fazer erguer as justas causas.



Quem responde assim é uma poeta cuja lucidez a tem feito pagar actos de justa indignação, não a preços de mercado, mas sim, a preços de alma. Quem assim responde, já olhou de frente os olhos de uma Juíza de sentimentos de “holding” e da qual a suposta isenta sentença em muito, mas muito prejudicou a crença natural na Justiça quando só ela resta aos cidadãos como suporte de tutela dos seus legítimos direitos a uma vida digna e respeitada. Quem responde assim é também uma docente universitária que bem alerta os alunos aquando das descrenças destes acerca da Magistratura, dizendo: “ Sempre devem acreditar que há Juízes com olhos de tradutores do mundo. Basta olhá-los que nessa noite os pesadelos recolhem-se dando espaço a um sono de paz”. Quem assim responde é ainda uma poeta muito inserida, por força de várias circunstâncias, na dita área “negocial” deste canto do mundo e que ainda assim acredita que o produto nacional bruto só é bruto mesmo se dele se desintegrar o valor humano.

Bem-haja!, pois, quem se revelou em força e em sentir por palavras que, ainda que lhe não fossem destinadas, não descurou em repudiar destinos que não deseja aceitar como seus.

Também destas justas indignações surgem os poemas. Surgem os incentivos à arte de criar que sempre supera a obra exposta!

Obrigada.

O. S.