De como falha a aldeia global da informação
Assim era uma praia em Andaman, antes da tragédia, assim voltará a ser
Há dias em que, apesar de haver sempre muitas notícias, sinto que não há notícias. Especialmente quando se percebe que os títulos dos jornais, especialmente no tocante à política, são as controladas fugas de informação vindas dos habituais toupeiras comunicacionais dos partidos e movimentos políticos. De nada me interessa que a Manela diga não, que Duarte tenha sido rejeitado, que Negrão se setubalize, que Barnabé se candidate, ou que Drª Matilde se justifique. O drama colectivo que temos vivido demonstra como falharam estrondosamente as nossas ilusões de aldeia global e de simultaneidade da informação. Porque o mundo a que pertencemos apenas é aquele que é captado pelo espectáculo dos correspondentes das grandes cadeias de televisão e dos holofotes dos telejornais. O resto são coisas que serão transmitidas em diferido por videos amadores. Como o não foi a explosão de Krakatoa em 1883.
A ilha de Krakatoa antes de se cindir em três, numa fotografia da época
Comparar a nossa politiqueirice com o número de vítimas que vai sendo conhecido, por causa do tsunami é demonstrar a nossa pequenez. Basta ler o relatório dos programas mais vistos da nossa querida televisão: Em relação à tabela dos cinco programas mais vistos, a "Quinta das Celebridades", `reality show` emitido pela TVI, surge em primeiro lugar com 16,2 por cento de audiência média (número médio de telespectadores que viram, pelo menos, parte do programa). A estação de Queluz de Baixo garantiu ainda a quinta posição do `top` com o espaço noticioso "Jornal Nacional", que obteve uma audiência média de 13,5 por cento. A segunda posição do `ranking` foi atribuída à novela da rede Globo "Senhora do Destino", emitida pela SIC, que registou 15,3 por cento de audiência média. A estação do grupo Impresa conquistou ainda o terceiro e quarto lugares da tabela com o programa de humor "Os Malucos do Riso" e o "Jornal da Noite", que obtiveram 15,2 e 14,1 por cento de audiência média, respectivamente. É para este povo que Pedro primeiro arregala os olhos, para que Paulo segundo irá às feiras e para que Sócrates lerá o teleponto. E pobre Pedro que aqui teve de ficar, enquanto os dois últimos, qual apolos em bronzeamento, foram para férias de neve, sem resfriados nem avalanches.
Um breve sinal do espírito que até é reconhecido por quem não tem fé, mas procura boa vontade
A notícia que mais me tocou, eu que não sou religioso, foi a prédica do fundador da comunidade Taizé, em Lisboa: Em cada uma das nossas vidas reside um mistério. Que mistério? Deus está presente no mais íntimo da nossa alma. Sim, Deus habita nas nossas profundezas. Deus é invisível e nunca de impõe... Deus confia de tal maneira em nós, que dirige a cada um de nós um apelo... É que Ele nos convida a amar como Ele nos ama. E não existe amor mais profundo do que ir até ao dom de si próprio, por Deus e pelos outros... Ao longo de uma vida, surgem frequentemente hesitações e mesmo dúvidas. Podemos então dizer a nós próprios: "Vai em frente! Lembra-te que a inquietação não conduz a nenhum lado". Ao longo da nossa existência, é possível descobrir no Espírito Santo o frescor do seu apelo. Sempre de novo, Deus gostaria de nos dar uma limpidez de alma que torna tudo simples e transparente...Permanece na simplicidade e na alegria, a alegria do amor do próximo. Deus ama-te como se fosses único e conceder-te-á que vivas em comunhão com Ele. Aí reside uma das fontes da alegria...Nunca te deixarei sozinho, enviar-te-ei o Espírito Santo, ele permanecerá sempre contigo.
Numa praia que já não há, um pequeno homem, apesar da sua grandeza espiritual e científica...
As primeiras notícias sobre o tsunami apontavam apenas centenas de mortos e 8,9 da escala de Richter. Hoje, a Cruz Vermelha já considera provável que soframos todos 100 000 vítimas imediatas. Em 1883, os cálculos deram-nos cerca de 40 000 mortos. Afinal, continua a não haver humanidade. O pequeno homem, apesar da sua grandeza espiritual e científica, continua a ser, em termos físicos, uma ninharia face aos imponderáveis do planeta. Somos capazes de alterar o ambiente, de mudarmos climas, secarmos mares, desertificarmos, mas ainda não conseguimos prever, com eficácia, o normal anormal de um sismo. Apenas sabemos dizer como Sebastião José: cuidar dos vivos, enterrar os mortos. Quem me dera que fosse possível fazer adequada profiláctica, mobilizando os bons cientistas que temos e os muitos jovens ceientistas desempregados ou exilados, nem que seja para desenharmos uma carta de risco de sismos...
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