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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

27.12.04

À procura de um lugar na lista...



Mesmo em restos de campainhas natalícias, sentimos que a justiça se torna impotente e que os nossos espaços de liberdade são continuadamente violados pelas unhas aduncas da vindicta. Porque continua impune muita gentalha que não consegue olhar de frente o mérito e que apenas sobrevive porque sabe usar o elogio de forma calculista, visando apenas obter a recompensa pela mentira do dobrar a espinha ao vencedor. Daí que deixe alguns conselhos aos que, por estes dias, andam à procura de um lugar na lista...

Os portugueses deixaram de procurar a diferença e passaram a ter como objectivo serem os primeiros em qualquer medição quantitativa, susceptível de uniformização. Daí que a solidariedade seja termos o maior cozido à portuguesa do mundo, com direito a nota pé-de-página no "Guiness", ou juntarmos vinte e cinco mil pais-natais, ou dançarmos consecutivamente o tango durante uma semana, ou juntarmos pedro e paulo no mesmo governo, de maneira a termos a maior mobilização de incompetência ministerial desde a Senhora Dona Maria I...



Tudo continua a medir-se pelo capricho do mandador, pelos humores dessas bestas sem freio cujos dislates continuam a ser entronizados por escribas de segunda fila, mesmo quando os fazem doutores da mala ruça.

Vale-nos que também temos ter a maior percentagem de octagenários da Europa em funções de direcção universitária, dado que, como papistas, sempre optámos por santos doutores com contactos imediatos com o espírito santo das alturas burocráticas. Aliás, neste Portugalório do "faz-conta", há que manter a tradição dos privilegiados "conducatores" que, do alto da respectiva impunidade, continuam a reproduzir algemas de hierarquizados corporativismos e compadrios feudalizantes. Há, de facto, todo um sistema do hierarquismo estadualista que os sustenta e todos vamos vivendo embebecidos pelas garras aduncas de vérmicos seres, donos de uma comprovada folha de serviços de infames vindictas e de servilismos nauseabundos. Quem disse que, entre nós, o crime não compensa?



Às vezes, apetece ir além da desobediência e promover activamente a insolência da rebeldia, contra os servidores de tiranos que, depudoradamente, conseguiram que lhes fossem pagos os preços com que ungiram a traição. A eles e as seus jagunços sem espinha, especialistas em mudarem de barricada. Esses maus exemplos de politiqueiros e de vendedores de almas que tanto estão prestes a mandarem morrer soldadinhos nas areias enfeitiçadas dos velhos e novos impérios como, nos corredores da hipocrisia, vão pactuando com o inimigo.

Há muitos que não desertaram porque apenas tiveram medo. Muitos que cederam aos esbirros, mesmo sem serem torturados e que, de traição em traição, acabaram, eles próprios, chefes dos esbirros. Como podem, então, distinguir o bem do mal ou a verdade da mentira? Preferem, muito prosaicamente, dizer que é bem absoluto o respectivo bem próprio, sempre com grandiloquentes palavras sem sentido, com que vão enganando os papalvos que não sabem descodificar retóricas de aventureiros paranóicos.

E quando aqueles olhos meio mortos da infâmia se recurvam diante das papudas mãos do déspota num qualquer corredor da morte à solta, apetece despoluir-me e viver a paisagem, fulminando a besta com os olhos de quem não teme. As criaturas que se sustentaram de dejectos, esses abutres em figura humana que sabem pontificar no cinzentismo das transições, ei-los que, por estes dias, vão correndo à procura de um lugar nas listas.

Eles não permitem que a luz do sol purifique as alfurjas alcatifadas onde vão semeando veneno e até pretendem passar incólumes em mais este ciclo político. Ei-los, os homens da persiganga que conseguiram disfarçar quem eram, através de inúmeros delitos de falsificação curricular, esses criadores e criaturas que sempre foram cúmplices das mais abjectas figuras com que se rodearam, só para que colocassem suas comadres, seus filhos, suas filhas, suas tias e seus primos.



E há também os eternos candidatos a intelectuais orgânicos deste situacionismo, os que consideram esta coisa como a oceânica maravilha da lusitana idade. Como se esta direita menos e esta esquerda menos, onde navegam ex-extremas-direitas e ex-extremas-esquerdas, não fossem capazes de absorção relativamente a todos esses candidatos a chefes mentais de velhos e novos contínuos da engraxadoria do poder.

Vesti-vos de laranja, vesti-vos de rosa e pedi lugar adequado na fila dos elegíveis. Escrevei manifestos, atirai pombas brancas, correi à palhaçada comicieira dos clubes de fans de um desses efémeros líderes. Escrevei muitos anónimos editoriais em favor desta "cracia". Porque ainda há restos de subsídios com que vos podeis besuntar. Há ministros formais que ainda o são, ministros formais que o hã-de ser e muitos sombras de ministeriais, bem como eternos ministros-sombras que, nas sombras dos tachos, vão oraculando, perorando, cadaverizando.

Há sempre vencedores e há que apostar no sítio certo. Há sempre quem clame "ai dos vencidos". Correi, pois, para a fila certa, não alinheis na anónima fileira dos derrotados. Entrai, senhores, na maioria dos vencedores, nessa massa bojuda dos que sabem bater palmas a sua excelência o brilhante brilhantina que em nós vai fingir mandar.