Um frio que decorre do inaceitável. De M. Teresa Bracinha Vieira
Enquanto a comunicação social vai actualizando ao minuto, o número de mortos e desaparecidos e perseguindo estimativas acerca das inevitáveis doenças, igualmente mortíferas, na sequência da catástrofe deste terramoto de consequências inimagináveis, ainda não vislumbrei com o mesmo grau de informação, a notícia de um movimento de emergência, nomeadamente no âmbito das Nações Unidas.
Enquanto correm rápidas as notícias acerca das implicações nefastas nas bolsas de valores a nível mundial, provocadas (sic) pelo terramoto na Ásia, não consigo deixar de ficar atónita com o desrespeito atroz dos humanos, nesta economia mundial do simulacro, em que correm tão céleres, quer a quantificação dos mortos, quer as reacções aos guardiães das bolsas dos interesses que, por não terem nunca tido genuínos gestos e atitudes para com os países pobres, ainda analisam com frieza e o pragmatismo de quem só é gestor de uma parte do mundo, qual a melhor precisão cirúrgica para que o mercado se não ressinta demais com a mortandade alheia.
E o sangue e a vida das vítimas vão correr sem destino. E os gritos sem eco que inflicta um olhar.
Nenhum de nós é, ou pode ser alheio, à economia e às suas realidades e consequências, tal como ela se nos apresenta nos dias de hoje. Todos contribuímos para a imagem debotada e bárbara desta mesma economia. Nem todos a aceitam, diga-se. E diga-se também que quem ouse contra ela insurgir-se, saiba que o desprezo e a frieza dos humanos lhe compram o lugar da alma, o silêncio e o momento da extrema angústia e desespero que os fará vergar.
Vence esta batalha o homem-mercadoria.
Tudo isto explica o que se passou hoje comigo numa farmácia quando se fez um certo silêncio, depois de eu ter dito em jeito de pergunta ao farmacêutico, com quem costumo dialogar breves bons-dias ou comentar o calor dos verões, se ele não acharia que a sociedade civil não quereria fazer nada por um contributo à vid,a naqueles países de multidões de mortos? De multidões de vidas desgraçadas? Não desejarão as pessoas romper a insensibilidade ordenadora?
E eis que de repente alguém me perguntou: de que partido é?
Perplexa, respondi: acerca deste horror de que estou a falar creio que só existe o partido da humanidade.
Fazia frio naquela rua, um frio que decorre do inaceitável.
Sei, todos sabemos que, sozinho, ninguém muda o mundo. Também sei que todos juntos conseguimos condenar os mais pobres aos desígnios da pobreza eterna; considerá-los sempre periferia. Sabemos fazê-los pagar caro qualquer paz ilusória e, igualmente lhe cobramos alto a guerra que os obrigamos a viver, a suportar e a morrer por via dos interesses inenarráveis dos ditos povos de poder e ricos de riqueza, quantas vezes esbulhada.
Assim, provado está que todos temos muita força! No mínimo, a força de um tsunami.
M. Teresa Bracinha Vieira
28 de Dezembro de 2004
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