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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

24.12.04

Onde se deu o nascimento: terra natal. De M. Teresa Bracinha Vieira



E neste dia 24 de Dezembro de 2005 tanto desejava – e não estou só neste desejo – a natalidade do aconchego dos dias felizes e cheios de uma trepidação que fosse em si mesma a aura dos verdadeiros homens de boa vontade, e que por a possuírem em genuinidade, se envaidecessem, estes homens, da sua terra natal; do local onde se deu o seu nascimento.



A terra natal deveria ter as mãos mais bonitas do mundo. As mãos que vivem connosco naquilo a que todos chamaríamos, viver.

Creio que cada um de nós tem um quintal que por vezes se distende ao tamanho do mundo; à imensidão que se não aquieta nem se agacha à janela interior do nosso próximo, antes lhe pretende oferecer uma asa de musgo da terra que nos viu nascer.




Acontece que o consentir cumplicidades de forças envoltas em afectos e solidariedades, presume que houve um trabalho prévio de maturação cognitiva e comportamental quase genética e algo cúmplice ao local de nascimento das gentes.



Desde logo, para que o local de nascimento dos homens com eles se identifique em claridade, não basta a existência física de um canto do mundo à beira-mar plantado se, nesse cantinho de terra, a diáfana, for um processo oposto à transparência dos turnos de poder, nomeadamente de poder político.





Conspira-se, permanentemente, inventando a melhor forma de aceder aos mesmos que nos ultrajam.

As palavras que se utilizam no poder que acima referi, perderam o olhar garço e são proferidas por quem comunica numa química de quem tanto lhe faz o ter nascido aqui, como noutro local qualquer.

Nem conseguem sequer imitar passarinhos estonteados que só migram para os ninhos de ninguém, servindo o serviço dessa horrenda sequência de actos serviçais e esdrúxulos, de quem não é filho de nada, neto de medos, pai de auto-ovação e colateral chegado ao pasmoso asco que é caminho que, na cega óptica destes seres viscosos, se deve percorrer.

Ontem, no meu local de trabalho, alguém me disse: afinal era suposto que se festejassem as nossas tradições no local onde as nossa razões são ofício de orgulho. Mas eu não posso festejar nada. Até dava a impressão que aceitava todas estas sirigaitas e serigaitos da política que estrelam e desestrelam ovos num parlamento onde se joga o sangue dos meus dias.

Percebo que muitos homens e mulheres que comungam comigo a importância da terra natal, se sintam revoltados com as encenações grotescas supostamente sustentadas por legitimidade nenhuma.

O mal-estar que vem sendo provocado neste povo e que tende a fazer parte integrante de uma “ideologia” adoptada, é o princípio do fim das noites de consoada, das noites de um familiar Natal em consonância com uma paz e uma crença, que tanto tinham de fascinante quanto agora se apresentam enganadoras e assentes em carris onde se pretende que cada Ser generalize a alma.

O mundo não é apenas algo que nos rodeia: o mundo é a consciência de nós próprios.

Sim, eu nasci aqui, nesta terra natal que é Portugal. Eu vivo aqui. Eu quero festejar no meu país e com as minhas gentes a leveza da palavra acreditar.

E desejo mais das palavras do que o dicionário etimológico lhes atribui.

Desejo que cada palavra abranja sempre a pessoa num processo dinâmico de aceder ao seu sentimento, à sua respeitada verdade e direito de se poder indignar se, precisamente na sua terra natal, lhe querem impor a aniquilação dos valores, pela constante desconfiança na tarefa de ouvir bem, os ditos poderosos, não vá um dia ser-lhes ditada a sentença do dever de se distraírem do local da sua terra de nascimento: da sua terra natal.

Há muito tempo que não ouvia tantas razões para não se ter esperança.

Nunca foi tão necessário que o homem compreendesse a sua própria história.

Urgente é que o homem volte a encontrar a chave que afasta do seu caminho aqueles que se desintegram em tarefas de não-vida.

Premente é, ancorar o horizonte como tarefa ética essencial.

A atenção à realidade da vida quotidiana, aliada à reflexão política e social são também a efervescente força que, por si própria, e não por causa de governos, sejam eles quais forem, atiça a voz a quem não deve deixar em silêncio passar por pão a arma que os mata.

Pelo inequívoco apego ao local de nascimento de cada homem e pela capacidade de luta na defesa da sua terra natal, seja pois desencadeada a mudança que impulsione o alcance político do movimento dissidente que, esclareça no jogo, a regra do tudo ou nada, na ponderação equilibrada e serena que ainda assim faz estremecer as estruturas.

M. Teresa Bracinha Vieira