a Sobre o tempo que passa: <span style="font-family:georgia;color:red;">Hipocondríacos, devoristas e economia mística</span>

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

18.12.04

Hipocondríacos, devoristas e economia mística



Num sábado quase sem notícias, onde a grande parangona tem a ver com um mini-hospital de campanha mobilizado pelo nosso chefe do governo demissionário, nova que, já antes, aparecera na blogosfera, as sondagens apontam para uma viragem política em Portugal, até porque três em cada quatro portugueses apostam na vitória do PS nas legislativas de 20 de Fevereiro de 2005 e apenas um em cada dez acredita que a coligação PSD-CDS continuará a ser Governo após o próximo acto eleitoral.



Contudo, no boca-a-boca lisboeta, as novas são outras, dado que começam a desenhar-se boatos sobre os eventuais "dossiers" com que os actuais situacionistas pretendem liquidar o líder dos socialistas, a fim de obrigarem António Vitorino a ter que aparecer à última da hora, do mesmo modo como outras folhas de outros "dossiers" dão pormenores, reais e imaginários, das vidas privadas dos líderes da coligação situacionista semi-vigente. E neste vale tudo de gente fina que não quer perder o tacho, bem como de gente candidata ao novo gancho, quase todos se esquecem de uma massa popular que todos pretendem moldar como objecto de "marketing", naquilo que é o maior defeito da presente "democratura". Assim, continuam a dominar os denunciantes, os traficantes das bocas, os bufos, os afrodisíacos, toda essa subgente inquisitorial-pidesca das eternas orgias dos contínuos do poder.



Talvez por isso é que o vice-presidente do PSD, José Luís Arnaut veio considerar que o líder do PS é «um mini-Guterres», «um homem cheio de medo e aterrorizado com o momento que está a viver». Já um super-centrista, líder da democracia hindu, novamente em campanha de engraxa-o-chefe, esclareceu luminosamente: as listas conjuntas de coligação obrigariam, durante o combate eleitoral, a que os dois líderes aparecessem juntos, facto que poderia prestar para a Comunicação Social explorar a diferença dos estilos discursivos, o respectivo impacto nas audiências, as possíveis contradições, as manifestações de idiossincrasias diferentes entre as bases, etc., que seriam objecto de todas as especulações. Separados, os dois líderes - e só eles contam para os jornais, rádios e televisões - podem conjugar os espaços políticos de cada um deles, percorrer o país em duas voltas, complementar as críticas dos e aos adversários e obrigar o PS a defrontar dois partidos, em vez de atacar uma coligação.



Também hoje, conhecemos o que Sócrates ontem proclamou: é preciso que Portugal tenha um poder político democrático forte, que não esteja dependente de acordos permanentes com outros partidos e dos interesses corporativos. E logo o Claro anotou: um observador atento pode notar isso, nomeadamente, em quatro áreas-chave para os negócios da economia neo-corporativa: Ministério da Saúde (que gere um negócio e um orçamento fabulosos), Ministério dos Transportes (TGV, aeroportos, auto-estradas e outros investimentos pesadissimos em infra-estruturas), Ministério da Defesa (os investimentos que a nova Lei de Programação Militar implica e os prometedores negócios tecnológicos e imobiliários podem bem salvar situações desesperadas dos "interesses corporativos") e o Ministério da Economia (pivot e centro nevrálgico onde se podem desenhar e fabricar negócios à medida do desejo de certos clientes... e o fato por medida tem sempre outra elegância!).



Por nós, julgamos que o neo-corporativismo denunciado tanto não é o regresso ao regime do "gentleman's agreements" do neo-feudalismo salazarento, como pouco tem a ver com o "complexo militar-industrial". Tudo não passa da eterna economia mística dos que defendem o capitalismo e a globalização, quando se vive em época de lucro, como logo clamam pelo proteccionismo estadualista, quando a ineficiência gera défices. A denunciada casta banco-burocrática, proveniente do devorismo e da regeneração, continuar a tratar os rapazes, raparigas e raparigos da partidocracia como uma fauna que segue a máxima expressa por Almeida Santos, segundo a qual, em Portugal, o importante não é ser ministro, é tê-lo sido.


Este comentário recebeu a seguinte réplica: Ora bem, esta "eterna economia mística dos que defendem o capitalismo e a globalização, quando se vive em época de lucro, como logo clamam pelo proteccionismo estadualista, quando a ineficiência gera défices" é uma especificidade portuguesa... Nunca os empresários de Inglaterra, dos Estados Unidos, da Alemanha ou até mesmo de Espanha se lembrarão de adoptar semelhante postura filosófica pois o modo de vida deles é outro. No mundo ocidental, isto só se passa mesmo em Portugal. E é esta especificidade portuguesa que é preciso interpelar, interrogar, saber de onde vem, de que é que consta e como se explica. Porque é que existe em Portugal uma economia privada, que escapa às regras da economia de mercado, que vive de dinheiros públicos e de negócios de Estado - e que para isso tem de influenciar, senão mesmo controlar, a instância política - e que tem um peso e um custo incomportáveis para os Portugueses e nos vai arrastar para uma catástrofe ? Esta é a questão sobre este problema da economia neo-corporativa.

Ao contrário do que aconteceu em Espanha, não houve em Portugal nem uma recomposição do tecido empresarial salazarento nem o aparecimento de uma nova classe empresarial. O tecido empresarial é o mesmo e os agentes da economia salazarenta estão de novo no comando... Tudo ao contrário do que aconteceu em Espanha, onde a recomposição do tecido económico e empresarial gerou novas realidades, novas realidades e colocou no comando novos agentes, criando uma dinâmica economia de mercado.

Os salazarentos em Portugal refugiaram-se nos bens não-transacionáveis e construiram uma hegemonia sobre a instância política que lhes serve para desenhar e concretizar negócios à sua medida com os dinheiros públicos. Assim, a economia neo-corporativa e salazarenta alimenta-se nos não-transacionáveis, prospera nos "negócios privados com dinheiros públicos" e impõe custos ao País que os Portugueses não têm meios para suportar... É responsável, portanto, por uma iminente e eminente bancarrota e deverá ser por tal responsabilizada.

É este neo-corporativismo que leva a que o preço do gás natural, com origem argelina e até nós trazido por gazodutos espanhóis, tenha deste lado da fronteira um preço que é o dobro do praticado em Badajoz! É também este neo-corporativismo que explica que o líder da incipiente economia de mercado que tenta medrar seja sistematicamente hostilizado, relegado e prejudicado pelos governantes, quando ele é o maior empregador privado de Portugal e o mais importante responsável pela modernização económica e líder na área dos transacionáveis. É também este neo-corporativismo que explica a hostilidade dos governantes à lógica das parcerias na indústria de defesa (que trazem know-how e mercados mas não oferecem comissões dado que não há compras...) e a sua preferência por compras no estrangeiro com a intermediação de abençoadas "sociedades comerciais". Já o dizia Oliveira Martins citando determinado bispo, sobre o qual certamente já tinha descido o Espírito Santo, "Portugal é pequeno mas é um torrão de açucar"....

Mais esclareço que o Lev Trotsky que aqui reproduzo visa apenas lembrar como alguns dos respectivos seguidores lusitanos podem ser politicamente financiados por agentes especulativos que também repartem subsídios pelos irmãos-inimigos dos mesmos.