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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

18.1.05

Ácaros, corruptos, corredores de demagogia e São Pedro zangado

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Depois de tomarmos conhecimento da investigação de cientistas britânicos para os quais deixar a cama por fazer é melhor e mais higiénico, porque os ácaros que vivem nos colchões não conseguem sobreviver se a cama estiver desfeita, temos de reconhecer que o mesmo método deve ser aplicado ao Portugal político, nomeadamente às relações da sociedade aberta com os ácaros da corrupção. Assim, notámos como o presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), Fernando Ruas, desafiou Mário Soares a revelar os nomes dos autarcas corruptos que conhece, dado que o ex-biografado por Rui Mateus, na segunda- feira à noite, no programa televisivo "Prós e Contras", afirmou que "faz-se muito elogio do poder local, mas passa hoje muita corrupção" por ele. Porque "o poder local tem sido responsável por muitas das coisas que se atiram neste momento contra o Estado. Isso tem de dar uma volta e os partidos têm de ser responsáveis quanto às escolhas que fazem em relação aos candidatos às autarquias".

Compreende-se que Ruas venha agora dizer o seguinte: "se ele (Mário Soares) conhece algum caso, uma vez que está em situação privilegiada, tem o direito e o dever indeclinável de vir a lume dizer quem são os corruptos". Até acresenta que as afirmações de Mário Soares são ainda mais graves porque "foram pensadas". Como se o nosso pater patriae algumas vez falasse despensadamente: nem quando elogia o Bloco de Esquerda, criticando Sócrates, de quem tanto gosta, e Santana, de quem é pouco afim.

Contudo, tal líder do sindicato dos autarcas não deixou de confessar a realidade: são conhecidos "três ou quatro casos de corrupção de autarcas no país, alguns deles por provar", mas há que "não se pode confundir a árvore com a floresta". Porque "este é um problema transversal à sociedade, também há corrupção noutros organismos". Pronto: há árvores corruptas, mas não a floresta, porque noutras florestas a coisa é semelhante.




Diremos que obviamente há corrupção em Portugal. Tem-no proclamado a ONU e a "Transparency International" e entre os primitivos quinze da UE éramos os terceiros mais corruptos, de acordo com os índices de percepção universalmente aceites. Contudo, não consta que o Presidente da República, o Governo ou a Assembleia da República tenham protestado internacionalmente contra tais alarvidades, subscritas por estas entidades globais. E o mais que podiam dizer era o que disse Ruas: nada.

A não ser que utilizassem a velha técnica hipócrita de dizer que só o poder judicial é que pode dizer alguma coisa sobre a matéria, coisa tão ineficaz como invocarmos o magistério mediático de Maria José Morgado sobre a questão. Continuar com esse ritmo de Pilatos é tapar o sol com uma peneira. Se Ruas falasse mesmo a sério, poderíamos pedir a peritos internacionais sobre a matéria que aqui viessem fazer um estudo isento, sem os alçapões do legalismo ou do espectáculo mediático.



Sugerimos que a ANMP proponha uma medida clarificadora: que todos as inspecções a autarquias que passam pelas gavetas do Ministro da Administração Interna sejam remetidas para o Ministério Público. Todas. Mais, que se publicitem todas as empresas de consultadoria e das fonecedoras de outros serviços e materiais das autarquias locais, através de um registo colectivo de interesses, avenças e matérias correlativas. E talvez que se crie uma autarquia intermédia, retirando poderes técnicos aos municípios e às empresas de centralização de consultadoria e partidocracia, a fim de se reforçar a descentralização.

Não seguimos os conselhos dos que gostam dos Filipes e de el-rei Junot, como o que se revela nesta ministerial jactância de um indivíduo indicado por Portas: «o PEC é um instrumento muito positivo para Portugal, um constrangimento bom para o país. O corredor da demagogia está muito estreito. A venda de ilusões já não é possível com a mesma facilidade». Disse Bagão Félix no final de uma reunião dos ministros das Finanças da União Europeia. Senão teríamos de dar o nosso apoio ao omnipotente ministro da agricultura: «a única coisa que não posso fazer, porque não sei, é chuva, mas vamos tentar todas as medidas que possam atenuar a situação difícil dos agricultores». Talvez a congregação do dr. Bagão possa meter uma cunha de preces a S. Pedro que o Paulo, de tanto corredor, não tem celestial influência, a não ser na Caixa Geral de Depósitos.