...E eu vou sustentar-te, justiça assombrosa! De M. Teresa Bracinha Vieira
Hoje, 4 de Janeiro de 2005, parei para olhar os títulos dos jornais, numa "banca" exposta numa ruela da nossa baixa pombalina. Ninguém estancava o passo para ler, sequer, as palavras que mais se destacavam.
Lembro-me, que este acto de parar nas bancas dos jornais, era como um momento que se dava à vida, para saber algo dos dias que também a comandam.
Este acto, de leitura rápida dos acontecimentos, agora ausente, era um habitual resquício de interesse por qualquer coisa.
O dono da banca de jornais, aproximou-se de mim e disse-me, com a vontade de quem quer falar um pouco para quebrar o frio e a solidão:
- Sabe? que agora parece que vendo jornais com pulgas.
Todos fogem daqui. Eu até os compreendo, eles já têm problemas que lhes bastem, e até de mais. E eu só vendo problemas que lhes são alheios como a morte do meu avô!
Sorri-lhe e acenei uma compreensão com o olhar.
E lembrei-me da questão do tempo, nos tempos que correm. A pressa dos passos das pessoas, é a de quem corre uma maratona por antecâmaras desordenadas de qualquer destino.
O tempo parece que perdeu a cor. É sempre o mesmo, e este mesmo, cabe todo numa mão cheia de nada.
O silêncio também vive um tempo em que soa alto e ao acaso.
A realidade não tem gestos que se devam observar para aprender.
Só há que suportar o dia-a-dia como um carrego isolado, e muito longe de quem, num determinado tempo, dançou um baile de amor com esta terra, por onde agora vai deixando as lágrimas e o suor como soltos batentes de uma porta que teima em não se abrir.
Acreditar nalguma coisa, é para o meu povo, um perder de tosco tempo.
Na generalidade, a classe política deste país, a classe das mesmas promessas cíclicas e recicladas e incessantemente por cumprir, não tem o direito de desejar que seja escutada, uma vez mais.
O povo já conhece o espectáculo, particularmente dos últimos anos, e, acima de tudo, sentem as gentes, que nunca poderão ser ouvidas, se algum dia gritarem magoadas, pelo lustroso alheamento que se lhes concede.
Vive-se calado na vergonha da crença que se viveu.
Nos transportes públicos os olhares são íngremes.
Também se acanha o reconhecer, o quanto é penoso a cada um, que as necessidades básicas sejam suportadas.
Dantes havia um tempo consciente até ao fim. Hoje, há que anestesiar, tanto quanto se possa a própria desesperança.
Vive-se como quem morre a rezar rente ao solo da alma.
E, no entanto escrevo como quem acredita num último apelo. Como quem quer acreditar que um dia o povo que realmente sofre, vai ouvir, de uma força que virá de dentro do peito de cada um, a severa essência que afirmará:
…e eu vou sustentar-te, justiça assombrosa.
Que não se esqueça a política e os políticos que o povo divaga, sim, mas na raiz das árvores.
Sabe o Tempoquepassa que, num livro que publiquei em 2003 e a que chamei "A Fúria do Tempo", nele também escrevi:
(…) bem creio naquele fio de tempoM. Teresa Bracinha Vieira
que a vida um dia siga convicta
e de vez não regresse a nenhum sossego que me cale
ao que selou a passagem secreta
(…) no enevoado
rigor da História Terra
e Tempo
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