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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

19.1.05

Por um levantamento nacional contra a falta de vergonha da empregomania e do devorismo!



Alguns dos políticos a que temos direito continuam a destruir a raiz da democracia, quando tratam de destruir o sentido da palavra pública e, consequentemente, a racionalidade comunicativa. Porque quando se gasta a necessária paixão da palavra pelo mau uso, da demagogia, e até se prostitui tal sinal pelo abuso, os discursos saem da zona do "logos" e passam para a pouca vergonha da falta de autenticidade.

Assim, seguindo o exemplo da Sociedade Ponto Verde (SPV), que promove a partir de hoje e até ao final do ano a segunda edição da campanha "Separar Toca a Todos", com o objectivo de fomentar hábitos de separação de embalagens usadas para posterior reciclagem, julgamos que os eleitores deveriam seguir tal método, tentando separar a política do lixo deste lixo de política em que se transformou a presente pré-campanha, marcada pelo ritmo do velho ditado popular, segundo o qual "ladrão que rouba a ladrão tem cem anos de perdão".



Portugal tem um chefe de governo que pede «levantamento nacional» contra «embuste que tentaram criar em Portugal», depois de não gostar das entrevistas que o presidente da Câmara do Porto e o ministro da Justiça deram nos últimos dias ao DN e Expresso, respectivamente, onde ambos se mostraram disponíveis para suceder ao líder do PSD. "Estou farto de ser frito em lume brando" terá dito Santana na reunião de anteontem da Comissão Política Nacional.

Portugal tem um ministro da defesa e líder do segundo partido da coligação que, confessando, subliminarmente, que não se vai manter no governo, depois do próximo acto eleitoral, vem agora propor a criação de uma lista de cargos na Administração Pública de confiança política para prevenir “clientelismo partidário", apesar de logo declarar que "nos últimos 28 anos as pessoas tiveram dois partidos por onde escolher. É muito bom que o CDS surja como alternativa para muita gente que não se sente satisfeita com o que estes partidos lhe propõem".



Só falta que, depois deste regresso do director de "O Independente", nos seja oferecida Celeste Cardona num tempo de antena filmado num gabinete da Caixa Geral de Depósitos, antes de José Luís Nogueira de Brito aparecer, oferecendo rosas vermelhas a D. Maria de Jesus Barroso, depois de um discurso geopolítico de Vasco Rato e Marques de Almeida, tendo como cenário o extinto Instituto de Defesa Nacional, redecorado pelo presidente da câmara de Marco de Canavezes e com os estacionamentos repintados pelos camaradas-patrões da EMEL e das OGMA, com assessoria de certos nomeados para a alta burocracia do ministério da justiça.



Valia mais enumerarem-se os muitos concursos públicos por fotografia, os inúmeros directores-gerais de aviário, a imensidade dos assessores de imprensa ganhando mais do que os respectivos ministros, o desaparecimento de todas as chefias que o mesmo ministro da defesa herdou no palácio do Alto do Restelo, a lista das encomendas às empresas de consultadoria dos inúmeros amigos de colégio e de croquete, bem como a utilização de multinacionais do direito para tratamento concorrencial dos contratos envolvendo funções de soberania do Estado. "Não sou Bocage, discurso no Nicola e vou para a oposição se o povo votar noutra pistola".

Portugal tem quatro senadores que já foram líderes partidários, com um deles como Presidente da República e outro como Primeiro-Ministro, que estiveram unânimes no reconhecimento da necessidade de liquidação do presente sistema eleitoral que eles criaram e, depois, usaram e abusaram, para se manterem no poder, salientando, muito hipocritamente, que as actuais "lideranças apenas procuram descredibilizar-se umas às outras", quando deveriam identificar "as novas causas" por que lutar. E nenhum deles mostrou a ficha das aposentações, reformas e mordomices que os sustentam financeiramente, desde os fornecimentos directos do OE aos subsídios vindos do mesmo bolo, ou das empresas publicamente dele dependentes,



Portugal continua a ter presidentes de câmara que persistem em assumir o título do termo de identidade e residência, enquanto se assistiu a um debate entre os estalinistas e os trotskistas, ou entre os adeptos do sovietismo e do albanismo, onde os dois estiveram de acordo sobre tudo e mais alguma coisa, salvo quanto ao uso da gravata. E tão exagerada foi a manipulação que logo teve direito de antena comentarista um Delegado do secretariado da propaganda da coligação, que tratou de elogiar Louçã, dito "o Paulo Portas da esquerda", confessando que "quem pode tirar a maioria absoluta ao PS é o Bloco de Esquerda".

Portugal tem, afinal, políticos que continuam na senda decadentista, confundindo a administração pública com a empregomania e a sociedade civil com o devorismo. E quem denuncia a presente calamidade pública, desobedecendo aos ditames dos que expelem os slogans da "convicção", da "lealdade" e da "competência", não passa de gente maldosa que anda a fomentar a "depressão" nacional e que deverá talvez ser internada num desses hospitais psiquiátricos comprados nos saldos do Gulag. Entretanto, lá vão saneando, devagarinho, muito sem dor, de acordo com as regras da "imagem, sondagem e sacanagem". Esperemos que um dia deixemos de ser o tal país de bananas desgovernado pelos ditos cujos...



Pode ler-se na habitual crónica de José Pacheco Pereira no jornal "Público", de 20 de Janeiro: Vi parte do programa Prós e Contras com os "senadores", interrompido pelo documentário no Canal 2 sobre "O Beijo", de Rodin. Mas, na parte que eu vi, tudo me pareceu vogar num clima de irrealidade e de inutilidade considerável. Para já, havia "senado" a mais, num país que não o tem, e, portanto, como é um defeito dos nossos costumes políticos, demasiada reverência e pouca discussão. Parece uma maldição: ou temos a má educação das "jotas", ou as vénias dos que gostariam de ter uma política sem conflito, higiénica, obrigada e reverente.

Foram primeiros-ministros, presidentes, ministros, dirigentes partidários, deputados. O problema é que, quando se chega à "hard politics", os "senadores" dizem pouco, porque se o dissessem pareceriam menos "senadores". É que o mero acto de identificar as resistências e interesses, sem ser de forma vaga e genérica, já é política pura e dura e conflitual, divide amigos e inimigos, torna-nos pouco "consensuais", um mito da nossa política.

...eles são os "pais" de um sistema político feito para ninguém mandar e todos poderem impedir os outros de mandar. Um sistema político que é, ao mesmo tempo, um retrato da nossa impotência e uma causa dela.