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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

16.2.05

Sinfonias e afonias da pretensa pentarquia



Depois dos funerais da irmã Lúcia e do primeiro e último debate entre os pretensos cinco grandes na RTP, onde, afinal, Jerónimo acabou por ficar em regime de afonia, regressou, em histeria, o propagandismo politiqueiro. Mas só por mais dois dias. O debate foi, na verdade, o melhor revelador das presentes circunstâncias de tal politiquês, onde os actores que nos irão representar, e governar, demonstraram como as lentes sujas do Estado-Espectáculo, do videopoder e da teledemocracia nos desfocam a visão. Pedimos desculpa por esta interrupção, o carnaval da cidadania encerrará para obras a partir da próxima semana, e os verdadeiros donos do poder já não terão que descer ao povo, ou que sujar os pé viajando pela poeira e pela lama provincianas. Tudo continuará como dantes, no manda quem pode, obedece quem deve, típico do nosso absolutismo.

Primeiro, porque os partidos escolhem como líderes apenas aqueles que passam bem na comunicação social. Segundo, porque mesmo quando tais líderes falam durante duas horas, somos obrigados a ter que aturar os filtros dos comentadores que nos transmitem a coisa, criando uma espécie de interpretação oficiosa das comunicações apresentadas. E, entre tantos Textos e oráculos, apenas nos pode valer a teologia jornaleira dos fazedores do "agenda setting" e dos patrões que os contratam para melhor nos entupirem o gasganete.

Posso dizer, com toda a certeza, que quem perdeu o debate foi a nossa necessária estabilidade política. Foi a nossa direita. E foi a nossa esquerda. Perdemos todos. Aliás, até não terá perdido o Jerónimo de Sousa. Porque não podendo dizer nada, disse tudo, não deitando fora um único voto e ganhando a solidariedade de quem começa a descobrir como, aqui e agora, em democracia, é possível tornar-nos mudos, mesmo sem mordaça, mesmo sem censura e até sem aparente repressão. Tudo seria o mesmo se, em vez de Portas estivesse Herman José. Se, em vez de Santana Lopes, estivesse Nicolau Breyner. Se, em vez de Louçã, estivesse Carlos Cruz. Se, em vez de Jerónimo, estivesse Artur Agostinho. Se, em vez de Sócrates, estivesse Raúl Solnado...

Bastou, contudo, fazer e receber meia dúzia de telefonemas entre os amigos, para perceber que a direita comprometida com o situacionismo disse que ganhou o Santana, enquanto tipos do meu género, que não sou propriamente de esquerda, apesar de ser do contra, porque ousam confundir desejos de mudança com a realidade, disseram que ganhou o Sócrates.

Já Portas e Louçã, os dois que melhor passam na comunicação social e que por ela foram insinuados aos partidos, talvez tenham revelado que, por trás do génio propagandístico, se oculta um manual operacional de campanha e um livro de estilo de venda do produto, coisas que já começam a transparecer, revelando a plastificação das imagens fabricadas pela conveniência. Por outras palavras, já todos reconhecem que eles são como a anedota das pescadas, que antes de o serem já o eram...

Entretanto, lá fora, e além dos holofotes do mundo controlado pela Judite de Sousa e pelo José Alberto de Carvalho, há mais mundo, como aquele que nos é, hoje, revelado pelo jornal "Público" que nos conta a história do "amigo libanês de Manuel Dias Loureiro" e da Judiciária a "investigar na Madeira seis dirigentes sobre o Apito Dourado". O povo continua a sofrer de afonia, mas de nada lhe serve o gesto do Zé Povinho. Povo paga, político distribui. Juiz não julga. Polícia multa. Jornalista depende que quem o não despede se o mesmo for bem comportado.



Quem se der ao trabalho de sujar as mãos numa campanha eleitoral, dando o nome e o corpo a uma luta política, sem os calculismos dos que apenas investem selectivamente à procura dos benefícios, descobrirá como, neste teatro de fantoches, o que se diz é o que não se faz.

Quem fosse a uma dessas ferinhas do litoral ou do interior, a que não vão os líderes nem as televisões, decobriria que a segurança pública sãos dois pachorrentos GNRs a multarem carros mal estacionados, enquanto em dois terços das bancas se oferecem produtos da contrafacção, com vendedores de BMW a disfarçarem, por trás dos DVDs, produtos mais rendosos e mais clandestinos.

Quem assistisse, como eu, à cena que envolveu um dos cinco grandes, dito tele-evangelista, a recusar cumprimentar a um seu concorrentes, com quem se cruzou de caravanas, em plena rua, descobriria como o trotskismo continua, para além do intervalo de tolerância que tem de fingir.

Quem descobrisse como dois secretários de Estado, de cachecol cor de laranja, conversavam num hotel da cidade para onde mandaram concorrer um deles, que olhava o povo para além dos cortinados da sua receita anti-stress, compreenderia como o bom povo vai continuar a ser enganado com esta pose do ministerialismo empaturrado. Quem, antes de julgar, pudesse demonstrar, talvez compreendesse como vai lavrando a futura revolta do povo.

Quem circulasse fora deste "bunker" dos hotéis e dos círculos íntimos politiqueiros e fosse para a rua, descobriria como se anuncia um comício-festa, "com chouriço e bebidas grátis", pondo o retrato do líder, ao lado do conjunto Mega, e o retrato da candidata, ao lado do nome Ruthe Marlene, depois da sentida homenagem que o primeiro foi fazer à missa de corpo-presente da irmã Lúcia. Por isso, vale a pena meditar no extremo a que chegámos, bem expresso no "blogue" do "Diário Ateísta".