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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

19.2.05

Os governos passam, os parasitas ficam



Chegou ao fim o interregno marcado pela passagem da geração Portas pelo poder. Aquela que apenas permitiu a respeitabilidade da geração barnabé e anacleta. Isto é, o bushismo conseguiu que a Península Ibérica pudesse ver ascender ao céu da notabilidade o neo-marxismo de São Trotsky. O mundo vai ser salvo, dado que a nossa Santa Madre Igreja continua a difundir comunicados contra o influxo do gnosticismo maçónico nos contornos da direita kantiana e pugnar pela rejeição dos preservativos, levando Frei Manuel Braga da Cruz ao beatério e São Espada à canonização, conforme sermões de Dom Januário e as avaliação de São Moreira e São Simão, sempre com os vencedores.

Encerraram finalmente as cenas de comédia desta governação. Onde Santana pensou que era intelectual só porque recebeu os elogios de Agustina, grata pela nomeação para o Teatro Nacional, ou os ditirambos desse magnífico actor que é Rui de Carvalho. Tal como Portas pensava receber ritmo empresarial só porque tinha Abel Pinheiro como tesoureiro e Fernanda Pires da Silva como mobilizadora das massas da linha de Cascais.



Se continuássemos nesta senda de mentiras, teríamos naturalmente a explosão. Talvez possamos, finalmente, pôr termo à conspiração de avós e netos que teve como palco o Grémio Literário, onde os resistentes ao gonçalvismo, que bebiam caipirinhas no calçadão de Copacabana, sempre estiveram disponíveis para financiarem a extrema-esquerda, desde que ela lhes colocasse um artigo com muitos silêncios na respectiva galeria das atrocidades passadas.

Temo que a esquerda democrática e pluralista caia nas teias desta extrema-esquerda envernizada. Que o país intelectual se deixe cair nas teias balofas do neodogmatismo pretensamente antidogmático. Que todos asfixiemos neste processo de autoclausura não reprodutiva.

Porque, se continuar esta distância entre aquilo que se proclama e aquilo que se pratica, a pátria continuará naturalmente adiada. A estúpida burguesia que assaltou a direita e pensou utilizar o mediatismo dos Pedros e dos Paulos contra as entradas reformistas de algum PS, seguindo o conselho dos habituais cobardes de alcatifa, especialistas no manuseamento do descontentamento, continuará explorando a fragilidade de uma mentalidade decadente que é cliente das secções lisboetas das chamadas multinacionais do direito que no nosso dorso espetaram as farpas.



Estamos à beira de um desastre intelectual de consequências imprevisíveis, se a esquerda continuar a ditar o que é a direita inteligente e a direita continuar a subsidiar a esquerda vérmica e destruidora da memória da tolerência. Nestas águas turvas, apenas vencerão os habituais líderes da transicionalogia. Especialmente os que já ganharam o suficiente para tentarem copiar o modelo físico e mental de Balsemão. Esses que continuam a rir-se dos que não dobraram a espinha ao sindicato das citações mútuas e que recusaram servir de gladiadores para esta falsa burguesia feita de sucessivas camadas de devoristas e novos-ricos, as rolhas do nosso salve-se quem puder que estão sempre bem com Deus e com o Diabo. Os governos passam, os parasitas ficam.

Bem gostava de poder ler o relatório dos chefes de estação da CIA de Lisboa para Ti George W. Bush, no capítulo sobre os danos emergentes, caídos em Lisboa, por causa da queda da estátua de Saddam. Nem a justificação de Marques de Almeida, nem a nota pé-de-página de Nuno Rogeiro, conseguirá driblar o magnífico ensaio de Vasco Rato e dos outros "habitués" da coisa, desde Rui Machete a José Manuel Fernandes. Sugiro ao adjunto de Rumsfeld que acreditou nas patranhas que lhe foram insufladas pelos bares do Bairro Alto que comece por ler uma dessas historietas de Portugal que nos dão como independentes desde 1140. Cada vez mais sinto que têm razão aqueles portugueses de sempre que, à semelhança de José Mattoso e do senhor Padre João Felgueiras, optaram por servir a ideia universal de Portugal na ilha de Timor. Por favor, onde fica o exílio?