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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

20.2.05

Foram-se os bobos da Corte!...Mas as bicadas continuam!




Os portugueses escolheram. A democracia funcionou. O povo foi mais corajoso do que as elites. A mistura de Perón com Zézé Camarinha, ou de Zandinga com Gabriel Alves, foi pura e simplesmente ridicularizada por um povão que resistiu às pressões do propagandismo, da demagogia e do assalto comunicacional. Afinal, o eleitoralismo desabrido, a mentira e a ameaça não surtiram. O efeito foi totalmente contrário àquilo que os manipuladores pretendiam. O despudor foi manifestamente punido por uma "vox populi" que silenciosamente resistiu.

Saúdo o adequado pontapé no sítio adequado que levaram aqueles bobos da Corte que a cobardia de certos influentes sociais e económicos elevaram à categoria ministerial, pensando que a democracia era substituirmos as festas da quinta do Patino pelos deboches da quinta das celebridades.

Santana e Portas lá foram de vitória em vitória até à derrota final. A direita político-partidárias entrará em transe e terá que fazer uma longa travessia num deserto ocupado pelos seus políticos profissionais, especialistas na administração de empresas de sondagens. A própria candidatura de Cavaco Silva não passará de um lenitivo e de um adiamento para a agonia.

O CDS deixou de existir como instituição e apenas pode ter esperança na permanência da personalização do poder, se não conseguir extirpar o tumor que lhe dá sustento, discurso e ideia. Mesmo que continuem animados os senhores deputados europeus e nacionais.



Ai da direita se ficar reduziada a essa figura de inquebrantável fibra intelectual e moral chamada Alberto João Jardim. Ai da direita se apenas continuar a gerir os fundos gerados pela eficácia contratual dos que consideram que, em Portugal, o importante não é ser ministro, mas tê-lo sido. Ai da direita, se os líderes derrotados tratarem de usar a grelha de leitura de uma certa teoria da justificação, segundo a qual a culpa vai morrer sempre solteira.

Se o ambiente suicidário permanecer, pensando que o espaço da direita é uma espécie de "res nullius" ou de uma "tabula rasa", para onde se emitem "soundbytes", tudo será mais difícil para a reconstrução do espaço onde nenhum senador da República poderá dar palpites.

Poderá haver algumas desculpas. Poderá dizer-se que o PS venceu por falta de comparência do verdadeiro PSD, já que o PSL abandonou o espaço da tradicional autonomia da sociedade civil e enveredou pelo clientelismo subsidio-dependente, pela podridão corruptora e pelo esquecimento das tradicionais lutas pela liberdade que, outrora, enobreceram o partido de Sá Carneiro.

Portas ainda sonhou tornar-se no inverso do Bloco de Esquerda, nessa águia de duas cabeças, filhas da mesma mãe, entre os fantasmas de direita e os complexos de esquerda, entre a direita a que chegámos e a pretensão purificadora da esquerda que aí vem.

De qualquer maneira, as circunstâncias da história não foram totalmente madrastas para o grande espaço da moderação e do pluralismo, que viabilizaram o presente regime democrático. Apenas esperamos que o Partido Socialista possa detectar um adequado sistema anti-vírus contra a bactéria corruptiva que, fintando os bons princípios, costuma instalar-se no sistema operativo das decisões políticas, correndo o risco de baralhar a memória das promessas eleitorais.




O povo escolheu de forma clara. Mais do que isso: para além de um presidente, de um governo e de uma maioria, vamos ter, pela primeira vez, a coincidência do aparelho político com os aparelhos culturais e ideológicos que dominam o mundo dos professores, dos editores e dos meios de comunicação social.

Portugal virou substancialmente à esquerda, tornando-se, talvez em definitivo, um país marcado pela centralidade urbana que assumirá uma inequívoca agressividade colonizadora face aos restos de um Portugal velho e provinciano. Os militantes da direita cultural, à excepção dos amigos do Barnabé e do Anacleto, terão de passar a uma espécie de clandestinidade, porque apenas será visível a direita que convém à esquerda.

Resta saber se o PS se tornará numa esquerda menos que tem de exercer a função da direita menos. Porque o povo ao votar como votou nos comunistas e bloquistas vai obrigar o PS a ter que largar as ilusões que ainda o davam como pertencente ao espaço matricial da esquerda.

A cobardia da nossa falsa burguesia, a dos devoristas e dos novos ricos, sempre se manifestou nos "day after" às grandes derrotas históricas. E não tardará que lancem o pobre Pedro à bicharada, enquanto desculparão o Paulinho e se esquecerão da risada confuciana que o Zé Manel lançará a partir de Bruxelas. Porque se Santana apresentar o seu pedido de demissão, tal atitude deverá ser imediatamente seguida pelo actual presidente da comissão europeia. Para que o crime não compense.

Felizmente que o PS obteve maioria absoluta. Para que não tivessemos que regressar ao 24 de Novembro de 1975. Em nome de Robespierre, de Lenine, de Trotsky, Mao e Che Guevara, voltando à ilusão de prosseguirmos todas as revoluções frustradas dos dois últimos séculos.