a Sobre o tempo que passa: Bufos, esbirros e funcionários públicos aposentados

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

25.4.05

Bufos, esbirros e funcionários públicos aposentados



A questão das listas da Legião Portuguesa levaram hoje a um tréplica de António Arnaut e a um nova e infeliz intervenção do arquivador-mor, em forma de literatura de justificação, depois da fuga que deu primeira página no "Expresso". Numa primeira observação, podemos dizer que o povo contribuinte não paga ao director da Torre do Tombo para este ter "interpretações pessoais", emitidas publicamente, sobre matérias institucionais, submetidas ao regime do sigilo funcional, e, muito menos, para que o mesmo emita opiniões político-partidárias no exercício das suas funções. De outra maneira, tenho que dar razão a um professor de introdução ao direito de Coimbra que permitiu, nos tempos posteriores ao Maio-68, uma mudança de corrida vocacional, o que deve explicar certas cacafonias pouco adequadas ao "civil service".

Indo, agora, ao fundo da questão, quero observar que os filiados na Legião Portuguesa (LP) não se podem confundir com os membros dos serviços de informação de tal organização, nem com os chamados agentes da PIDE/DGS, os tais "esbirros", agora "funcionários públicos aposentados", para utilizarmos metáforas hoje difundidas por Jorge Sampaio.

A categoria de "bufos", isto é, de "informadores", tanto dos serviços de informação da LP, mesmo no tempos dos Antunes e Andringa, como da própria polícia política é bem diversa dos possíveis subscritores da Caixa Geral de Aposentações. E até o próprio "legionário" não é necessariamente um "bufo".

Daí que a categoria de "agente", que aparece nas famigeradas listas, "agente com aspas" (Pedro Dias), diga-se, não deve poder caber tanto na de "bufo" como na de mero receptor da propaganda, assumindo-se como uma espécie de "tertium genus", talvez próxima da de "activista", enquanto peça da máquina de propaganda do regime.



Logo, talvez a matéria não tivesse interesse para os anteriores serviços "extintores" que deviam ter formas de acesso bem mais privilegiadas ao universo em causa. A coisa deve, aliás, ser interessantíssima para os estudiosos da ossatura do regime, mas para todos os cientistas e historiadores, e não apenas para os politólogos e historiadores oficiosos e comandantes do comemorativismo aparelhístico do Estado. Deve até conter matéria altamente escaldante para o estabelecimento das relações entre o trono e o altar, isto é, entre o salazarismo e o eclesiasticismo paroquial.

De qualquer maneira, revela-se como persiste a cultura "voyeurista", pelo que o picante da nomenclatura deve permanecer "discreto", até porque também não parece curial que se divulguem os nomes dos milhares de membros de partidos e organizações confessionais e maçónicas.

Esperemos que, face à presente prática de fuga aos segredos de Estado, segredos de justiça e segredos de arquivos históricos, não haja mais investimentos em política de imagem para uso jornais de siso ou de jornais sensacionalistas. De outra maneira, teremos que pedir que se crie uma comissão de peritos e até seríamos capazes de sugerir que a mesma fosse presidida por ilustres catedráticos ministros de Salazar e com doutoramento em direito, mas com título de Portugal, que outros há com esse título de outros locais, mas que nunca o requereram a quem de direito, aqui.