a Sobre o tempo que passa: Temos tido lideranças de homens médios. As crises não são de agora..

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

5.4.05

Temos tido lideranças de homens médios. As crises não são de agora..



No "Diário Económico" de hoje, há uma notícia-entrevista, conduzida por Márcia Galrão, sobre o lançamento do meu último livro, onde se diz que "Marcelo dá nota muito positiva": “Tradição e Revolução” é uma biografia do Portugal político desde 1820, da autoria do professor Adelino Maltez. Marcelo Rebelo de Sousa foi o responsável pela apresentação no Palácio Galveias numa sala repleta de personalidades conhecidas. O professor Marcelo apontou as maravilhas do livro e aproveitou para sugerir que a sua leitura fosse “obrigatória para todos os deputados e futuros governantes, para se prevenirem e verem o que os espera”. Para o comentador “é fácil amar Portugal depois de lermos os dois volumes” Ensino Superior


Segue-se uma breve entrevista, intitulado “Temos tido lideranças de homens médios”.

Na apresentação do seu mais recente livro, “Tradição e Revolução, volume II”, José Adelino Maltez, professor catedrático do ISCSP, falou da crise das elites e do papel de Portugal no mundo. Uma visão sobre a política de hoje e os erros do passado.

Quais das nossas crises históricas estão ainda por resolver?

Eu não falo aqui da conjuntura actual. A história de Portugal é a história da crise. O problema da crise histórica é o problema de um estado com a nossa dimensão e com o complexo de Alcácer Quibir de um Estado que foi grande. A meu ver a principal crise é a da má relação entre o povo e as elites. As nossas elites são muito estreitas.

Platão contava uma história para explicar o que era a política, de que antigamente os homens viviam felizes enquanto o rebanho dos carneiros, que era o povo, era comandado por um pastor, que era Deus. A certa altura os deuses zangaram-se com os homens e o pastor passou a ser um carneiro igual aos outros. E o nosso problema é o do carneiro igual aos outros. Como é que vamos ter um comando igual à média geral do povo? O nosso regime, que é o melhor de todos até agora, tem tido lideranças de homens médios, Zé Povinhos burgueses tipo Mário Soares, que exprimem os defeitos e virtudes do homem médio. E as nossas crises têm um pouco a ver com o Sócrates, com o Durão, com o Santana. Temos que nos habituar a ter carneiros a comandar o rebanho.

É possível resolver esse problema das elites no médio-prazo?

Vai ter que se resolver. Tem havido um investimento das famílias, mas não resulta imediatamente, temos agora uma crise de emprego de pessoas formadas, o que é dramático. Mas é melhor ter esta crise do que ter de fome ou falta de preparação. Os nossos políticos se conhecessem bem o que se passou há 100 anos não repetiam os erros. Porque não percebem que quando a história se repete ou é uma tragédia ou uma comédia. Felizmente em Portugal é uma comédia.

Temos uma esperança colectiva em demasia ilusória, porque não mudamos nada, só mudamos o artesanato e depois vem o desencanto. O que nos garante a sobrevivência é termos uma missão a realizar no mundo e se Portugal estiver muito aflito eu sugiro a solução do Agostinho da Silva: pedir a integração no Brasil, ou eventualmente em Angola.

E tudo isso não passa pela integração europeia?

E que bem aí estar. Porque assim somos os representantes da República armilar do Brasil na Europa. É um jogo de pluralidade de pertenças. O Brasil é um seguro de vida e é preciso ter uma visão armilar e global do próprio papel de Portugal no mundo.