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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

22.8.05

Do fogo na minha cidade-mãe ao que vai ardendo sem se ver

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Com o fogo a entrar na minha cidade natal, direi que os portugueses continuam a viver em regime de desesperança, provocado pela quebra íntima das expectativas e onde só se espera o mal menor de não haver alternativa ao que se vai impondo pela ditadura do estado a que chegámos. Este inevitável de quem perdeu o sonho e o sentido.

Assim, diluídos nas ondas da moda, somos meros elementos fungíveis de uma caldeirada da Europa das potências secundárias, à espera de uma decisão que venha a ser tomada pela locomotiva do processo. De uma Europa que se vai fragmentando por várias velocidades variáveis e gerando uma hierarquia de desenvolvimentos separados.


Apenas precisávamos de um tempo de pausa e que os polícias do universo não vivessem neste ritmo de frenesim fundamentalista.

Logo, somos amargura. Principalmente quando olhamos a política com um sentido ético. Coisa que não acontece neste decadentismo da pós-revolução, onde a procura do tempo perdido é a ilusão do regresso aos pais-fundadores.

Ainda há um ano, estávamos embasbacados face ao politiqueiros que não passavam de meros episódios, já esquecidos nas notas de pé-de-página de uma história de pormenores. Desses que atingiram o efémero daquela glória familiar cujo brasão já os pode inscrever como ministros nos anais das banalidades genealógicas da vaidade. Foram breves e fúteis, apesar de entoarem pátria com voz grossa, mas sem o humilde sentido de serviço. O tempo passou, a fama fugiu. Mas um Portugal desvertebrado tornou-se presa dos que conseguiram sobressair na encruzilhada.



Foram os ilusórios "vícios privados, virtudes públicas" do jogo suicida em que se envolveu o capitalismo à portuguesa, onde há licenciosidade, mas falta liberdade, onde há libertinagem sem regulação, sanção e fiscalização. Onde depois da casa roubada pomos trancas nas portas.

Quem pode atirar pedradas sem ter telhados de vidro? Neste forrobódó em que se transformou o nosso feudal-capitalismo que continua a denegrir a ideia de mercado? Portugal lestifica-se neste pós-autoritarismo que, por vezes, se confunde com mera via de transição para a bandocracia e a cleptocracia que uma classe política incompetente continua a permitir. PS e PSD, punindo-se reciprocamente, são os principais responsáveis pela decadência. E assim se vão suicidando.

Até instituições como as universidades vivem amarguradamente, com gentes de segunda apanha que vão ocupando os interstícios da continuidade. Eles, os escavacadores de obra feita, os gestores coca-bichinhos, especialistas na casca de árvore que jamais conseguem vislumbrar o todo da floresta. Ei-los, impantes, bem sentadinhos nas nádegas do cavalito do poder, lançando serpentinas ao passivo povo que parece obrigado a assistir ao carnaval.

Os portugueses continuam a considerar que a política é um clube fechado de oligarcas, voltados sobre si mesmos, e olhando, cada um deles, para o próprio umbigo. E cada um que queira notoriedade carreirista tem de alinhar na carneirada da seita, do lóbi, da lojeca ou da facção, sob pena de não existir. Porque os estreitos canais de acesso ao poder estão aramadilhados por um labirinto de dependências. Por outras palavras, as condições que promoveram o concentracionarismo, o autoritarismo e o corporativismo mantêm-se incólumes.

Quem não meter a pata nesses círculos falsamente iniciáticos é considerado um perigoso marginal, um mal-amado que, se tenta interferir no circuito da dominação, ao denunciá-lo, até pode ser vítima dos habituais assassinatos de carácter que os pretensos patriarcas da padrinhagem desenvolve. A única solução que resta para tornar inofensivos esses farsantes é elevá-los a ministros. Implodem.