a Sobre o tempo que passa: Novas confissões metapolíticas, com alguma bruma de estar aqui

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

24.8.05

Novas confissões metapolíticas, com alguma bruma de estar aqui



Tantos são os muitos papéis em que me perco, tantas as palavras que me perdem. Tantos os restos do que pensei ser. Quando apetecia ficar para sempre nessa sombra de apetecer ficar, olhando uma nesga de céu, sem ver senão que posso ser um sonho vivo. E que desse lugar não apetece regressar. Apetece ficar. Há dias azuis que acontecem de vez em quando.

Há dias de não dizer nada, deixando que o tempo sossegue a inquietude. Que a bruma se desfaça à luz do sol. Que o sonho reverdeça os ramos decepados e nos dê flor, alento. Pode haver tanta vida à nossa beira, tantos dias de beleza e de mãos dadas, nas ribas da ternura.

Há pedestres viagens que nos dão boas memórias. E pode haver um tempo de pureza e uma casa de silêncio onde apeteça conversar madrugadas. Olho e sinto a flor, à beira da pedra negra. Há memórias que já esqueci, palavras que já não dóem, nessa viagem pelas curvas das sinuosas estradas de um país antigo.



Gosto de assim me sentir frágil, humanamente pequeno, diante da imensidão do cosmos. Ser grão de areia neste circadiano volver, entre a luz e a sombra de um amanhecer que vai vencendo a noite. Talvez haja uma umbreira que nos dê porta e donde possamos ver o ser: Uma qualquer porta de madeira e ferro donde se vislumbre um novo mundo. Que porta vem de porto. E todos somos passagem para a viagem que devemos ser, abertos para todo o mundo. A bruma, o som do mar distante e a raiz profunda do vento que desperta.

Tento retomar o sentido do caminho. De viajar por tantos nortes que não acho, para poder ter o prazer de um regresso. E assim cumprir o destino que ficará sempre em esperança de procurar. Porque é impossível domar a força do vento. A não ser nos pedaços de vida que apetece soborear, nos pequenos nada de um gesto de ternura, onde intensamente apeteça saudar o lugar para onde vou.



E assim me vou escrevendo para não sentir o peso do tempo. Para tornar mais intensa a dor-alegria de estar aqui. Para poder chegar mais perto ao sítio de apetecer regressar. Nesse aconchego donde me vêm as novas do além. Em qualquer sítio que seja centro do mundo e onde quem sou, feito passagem, possa ver chegar vapores antigos de outras viagens, asas de poisar quem sou, dentro de mim. Porque assim vou dando lastro à leveza de voar.

Depois do breu, há luminosas manhãs que nos dão espera. E palavras que se assumem plenas de sentido. Quando os dias voltam a ser semente.