Nesta casa onde ainda há pão, todos os dias se agrava o circo
Leio os títulos do Diário de Coimbra: Pinhal de Marrocos ardeu quase por completo. Dez casas queimadas em Ceira. Descontrolo na Serra do Carvalho poderia ter sido evitado. Chamas entraram nas instalações da Cáritas de Coimbra. Perigo às portas do Sobral Cid. Ardeu 80% da mata de Vale de Canas. O fogo saltou o rio e entrou na cidade. Água e meios de combate insuficientes para contrariar a força e a dispersão do fogo. Chamas ameaçaram povoações. Restam oito hectares na Pampilhosa da Serra. Não faço comentários. Apenas coloco a dramática imagem do Jornal de Notícias, a encimar o grito de revolta.
Apenas reparo como os nossos actores políticos, por mais ar de caso que façam, quando procuram cumprir os conselhos dos respectivos assessores de imprensa e de imagem, não foram treinados para o relacionamento com os verdadeiros dramas. Especialmente quando as populações, em silenciosa postura de coragem, ficam bem longe do tradicional choradinho encenado, para a televisão captar. Nem sequer caem na tentação de culpar este executivo pela fúria dos elementos, decepando a incompetência dos nossos planeadores urbanísticos e dos nossos semeadores de resinosas.
Por mais bombeiros, aviões, ministros e autarcas que se mobilizem, a nossa impotência perante a voracidade do vento, da resina e do fogo não consegue remediar o que as nossas ideias de planeamento, de política, de desenvolvimento e de ciência não conseguiram prevenir. Não há vigilância, combate ou rescaldo que consigam colmatar o descalabro da nossa falta de organização de trabalho nacional, ainda marcado pelo improviso do enquanto o pau vai e vem, folgam as costas. Por isso, não culpo ninguém. Apenas reconheço que este país ficou sem defesa.
As imagens diárias que nos chegam dos telejornais, ou que se avistam de qualquer viagem, talvez esqueçam antes das próximas autárquicas. De certeza que ninguém delas se lembrará antes das próximas presidenciais. É inevitável que todos as queiram esquecer antes das inevitáveis legislativas. Por outras palavras, o bem comum continua a ser posto entre parêntesis pelos políticos profissionais, empregados ou desempregados, incluindo os que agora denunciam o umbiguismo. Nesta casa onde ainda há pão, todos os dias se agrava o circo e tudo continuará como dantes, mesmo sem quartel ardido em Abrantes.
Não quero culpar ninguém e muito menos duvido do sentido de missão dos directos comandantes a quem cabe dar combate a este desastre. Só não admito que o anormal se torne normal, sem que surja a necessária mobilização nacional. Apenas temo que o país urbano que vai passeando pelos campos e serras apenas sinta a dor dos incêndios quando as cinzas se derramem sobre os locais de lazer onde vão espraiando.
Neste país invertebrado, os donos da madeira queimada, entre muitas festas de "jet set", lá vão calando. Guardam-se para alinharem na comitiva de uma qualquer candidatura presidencial. Prefeririam que, dos dois mais fortes, um deles desisitisse, para poderem assinar o livro de honra do vencendor. Entre a direita que convém à esquerda e a esquerda que convém à direita, o bem comum continua a ser treta que se cantarola a toque de discurso politiqueiro.
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