Sobre o tempo que passa
Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...
30.6.06
No dia em que se assinala a data de nascimento de Francisco da Costa Gomes (1914), ficámos a saber que o ministro Diogo do Amaral abandonou o governo, encerrando assim certo ambiente de fin de siècle que parece marcar os imitadores de Talleyrand. E não parecem também ser por mero acaso os arrufos manifestados contra o governo pelo antecessor de Diogo na sua última presidência do CDS, a propósito do papel salvífico dos avaliólogos, educacionólogos e outros ornitólogos. A belle époque dos adesivos e dos viracasacas parece estar a dar as últimas.
29.6.06
Rousseau, Sérgio, Deutsch, Weil e Opções Inadiáveis
Por causa daquilo que ontem aqui rescrevi sobre Rousseau, recebi sinais contraditórios, desde os habituais apoios aos tradicionais preconceitos reaccionários (strictu sensu) que não querem reparar no genebrino como um desses geniais recriadores das teses de Platão, Suárez ou Espinosa, onde as parábolas não são ideologia de caricatura. Desenganem-se os recolectores das modas que passam de moda. Não evolui nada nessa leitura de Rousseau, apenas repito o que proclamei desde a minha dissertação de doutoramento e que há cerca de um quarto século proclamo desde que tenho licença para dar a minha própria matéria. Sou do partido de Espinosa, Rousseau e Kant, desse subsolo filosófico liberalão e humanista que advoga o radicalismo do indivisus contra os colectivismo que nos querem arrebanhar. Julgo até que o Contrato Social é a peça literária mais maravilhosa de toda a nossa civilização.
Claro que, sobre o autor, apenas repito o que, dele, foi vislumbrado por autores como o português António Sérgio, por politólogos como Karl Deutsch ou por filósofos como Eric Weil. Apenas noto que a subtil distinção que faz entre a vontade geral e a vontade de todos, é equivalente às categorias suarezistas da vontade como universal e à vontade como singular, nesse exercício onde o próprio jesuíta da neo-escolástica peninsular permitiu a conciliação com o imperativo categórico de Kant. Refazer guerras civis ideológicas por causa do nosso pai comum da civilização demoliberal é quase equivalente às teses que distintos membros deste governo emitiram quanto a Platão, considerando-o pai do totalitarismo comunista. Por causa destas e doutras é que continuaria a desembarcar na praia do Mindelo, sob a bandeira azul e branca da liberdade.
Com efeito, parcas são as memórias assinalar na data de hoje, onde apenas importa referir o aparecimento em 1978 do grupo "Opções Inadiáveis", uma quase dissidência do PSD que se assume como não seguidista face à acutilância anti-sistémica de Sá Carneiro. Na altura, José Miguel Júdice, ainda não liberto totalmente da nebulosa criativa do espaço dito nacional-revolucionário, que glosava José António Primo de Rivera, também editava Portugal à Deriva, nas edições do Templo, dirigidas por Luís Sá Cunha e José Valle de Figueiredo. Estávamos na véspera do VI Congresso do PSD no cinema Roma em Lisboa (dia 1 e 2 de Julho), com o regresso de Sá Carneiro à liderança, mas quando o grupo das Opções Inadiáveis mantinha a maioria do grupo parlamentar. Nas eleições para o Conselho Nacional, os sá-carneiristas conseguem 21 lugares contra 9 da oposição, liderada por Francisco Pinto Balsemão e Ferreira Júnior. Mas, sob a alçada de Sá Carneiro, regressa ao partido Carlos Macedo, dissidente de Aveiro, e entram como militantes, entre outros, Natália Correia, Dórdio Guimarães e Luís Fontoura.
Claro que, sobre o autor, apenas repito o que, dele, foi vislumbrado por autores como o português António Sérgio, por politólogos como Karl Deutsch ou por filósofos como Eric Weil. Apenas noto que a subtil distinção que faz entre a vontade geral e a vontade de todos, é equivalente às categorias suarezistas da vontade como universal e à vontade como singular, nesse exercício onde o próprio jesuíta da neo-escolástica peninsular permitiu a conciliação com o imperativo categórico de Kant. Refazer guerras civis ideológicas por causa do nosso pai comum da civilização demoliberal é quase equivalente às teses que distintos membros deste governo emitiram quanto a Platão, considerando-o pai do totalitarismo comunista. Por causa destas e doutras é que continuaria a desembarcar na praia do Mindelo, sob a bandeira azul e branca da liberdade.
Com efeito, parcas são as memórias assinalar na data de hoje, onde apenas importa referir o aparecimento em 1978 do grupo "Opções Inadiáveis", uma quase dissidência do PSD que se assume como não seguidista face à acutilância anti-sistémica de Sá Carneiro. Na altura, José Miguel Júdice, ainda não liberto totalmente da nebulosa criativa do espaço dito nacional-revolucionário, que glosava José António Primo de Rivera, também editava Portugal à Deriva, nas edições do Templo, dirigidas por Luís Sá Cunha e José Valle de Figueiredo. Estávamos na véspera do VI Congresso do PSD no cinema Roma em Lisboa (dia 1 e 2 de Julho), com o regresso de Sá Carneiro à liderança, mas quando o grupo das Opções Inadiáveis mantinha a maioria do grupo parlamentar. Nas eleições para o Conselho Nacional, os sá-carneiristas conseguem 21 lugares contra 9 da oposição, liderada por Francisco Pinto Balsemão e Ferreira Júnior. Mas, sob a alçada de Sá Carneiro, regressa ao partido Carlos Macedo, dissidente de Aveiro, e entram como militantes, entre outros, Natália Correia, Dórdio Guimarães e Luís Fontoura.
28.6.06
Viva Rousseau! Viva Espinosa! Viva Kant!
28 de Junho, dia de muitas memórias, desde o triste referendo sobre as condições criminais da interrupção voluntária da gravidez, onde clara e frontalmente perderam as minhas convicções (1998), ao da edição de "Le Portugal Bailloné" de Mário Soares (1972), onde muitos costumam ir ver as diferenças do original face à posterior tradução portuguesa. Mais além do nosso quintal, assinale-se que em 1914 se deu o atentado de Serajevo, rastilho da Grande Guerra, para nesta mesam data, mas de 1919, se assinar o Tratado de Versalhes, antes de em 1931 ocorrerem as célebres eleições em Espanha para a Constituinte, com vitória da coligação socialista-republicana. Por tudo isto é que prefiro comemorar uma data de 1712, quando nasceu aquele que para mim é o maior escritor de teoria poítica destes últimos tempos: Jean-Jacques.
Rousseau nasce em Genebra, em circunstâncias trágicas, dado que a mãe morreu durante o parto, prenúncio de uma existência agitadíssima. Aos dez anos chega a vez do pai, relojoeiro, o deixar entregue a si mesmo iniciando-se aquela promenade solitaire ou vagabundagem marcada por um permanente autodidactismo. Encontra o primeiro trabalho como empregado de notário e depressa se acolhe à protecção de uma Madame Warens, católica, agente do rei da Sardenha. É então que se converte ao catolicismo e que foge para Turim.
A partir de 1744 instala-se em Paris, onde encontra nova companheira, a antiga criada de quarto, Thérèse Levasseur, começando uma actividade de escritor de óperas. Entra então em contacto com os intelectuais mais influentes da época, como Voltaire, que o detesta, e Diderot, que o contrata como colaborador da Enciclopédia. Mas é apenas com trinta e oito anos que se experimenta como escritor quando concorre para a Academia de Dijon, apresentação do trabalho Discours sur les Sciences et les Arts (1750), que lhe dá fama e dinheiro, propondo-se, a partir daqui, a elaborar uma obra global sobre as Institutions Politiques.
Mas só cinco anos depois surgem alguns frutos desse projecto: para além do Discours sur l’Économie Politique, publicado na Enciclopédia, é editado, no mesmo ano de 1755, o Discours sur l’Origine de l’Inegalité parmi les Hommes. Em 1761 volta ao calvinismo e começa a escrever La Nouvelle Heloïse. Em 1762 chega a vez de Emile ou sur l’Éducation e da principal obra, o Du Contrat Social. Principes de Droit Politique.
Continua, no entanto, uma vida errante. Em 1756 vai para o Ermitage. Em 1758 está em Montmorency. No mesmo ano em que o Emile era queimado publicamente em Paris, em 11 de Junho de 1762, também o Du Contrat Social sofre de idêntica sorte em Genebra, segundo sentença de 19 de Junho, por ser tendente a destruir a religião cristã e todos os governos. Entre 1763 e 1764, instalado em Val de Travers, na sua Suíça, escreve as Lettres Écrites de la Montagne. Segue então para Inglaterra a convite de David Hume. Aí escreve Les Confessions (1764-1770). Surgem depois as Rêveries d’un Promeneur Solitaire (1776-1778) e a vagabundagem prossegue: Normandia, Lyon, Monquin e Paris, mais uma vez.
Em 1764-1765 é a elaboração do Project de Constitution pour la Corse, apenas publicado em 1861. Em 1771 chega a vez de Les Considérations sur le Gouvernement de Pologne et sur as Réformation Projectée, publicado em 1782. Morre em Ermenonville (2 de Julho de 1778). Pede para ser enterrado no jardim da Ilha dos Choupos, mas as cinzas em 1794, são transferidas para o Panthéon.
Na base do pensamento de Rousseau está o estado de natureza, entendido como a verdadeira juventude do mundo onde os homens eram originariamente livres e iguais, bons e felizes, o coração em paz e o corpo em saúde. Essa quase Idade de Ouro platónica seria uma espécie de estado pré-social e até pré-moral, onde o homem se assumia como um agente livre e dotado de perfectibilidade, um estado que talvez nunca tenha existido, que provavelmente jamais existirá e sobre o qual, entretanto, é necessário ter noções correctas para bem julgar o nosso estado presente. Era um tempo de ócio, de indolência, onde os únicos bens seriam a comida, a fêmea e o repouso, e os únicos males, a dor e a fome.
Depois deste estado selvagem, é que os homens ascenderam à sociedade civil, um mal inevitável criador de um regime artificial de desigualdades, ao colocar os homens na mútua dependência, contrária aos princípios naturais do seu modo de ser. Surgia assim o estado de civilização e com ele viria o contrário do ócio e a petulante actividade do amor próprio. Há assim um dualismo entre nature e domination, acreidtando que o fundamento da autoridade humana não vem de Deus nem da natureza.
Como fazer a viagem de regresso, como recuperar a liberdade perdida? Reconhecendo a impossibilidade de um regresso puro e simples, porque não é possível a um velho regressar à mocidade, Rousseau propõe, como forma de restituição aos homens do gozo dos seus direitos naturais, a constituição de um contrato social de responsabilidade limitada, em que a pertença ao corpo político não teria de significar a destruição da liberdade de cada um.
A civilização ou sociedade civil, no sentido de sociedade política, é que teria criado um regime artificial de desigualdades, colocando os homens em mútua dependência: o verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer “isto é meu”. Isto é, depois das desigualdades naturais ou físicas, seguiram-se as desigualdades morais ou políticas, onde, além da diferença entre os fracos e os fortes, acresceram as diferenças entre os ricos e os pobres, entre os senhores e os escravos.
Eis, portanto, o contrato social, que não assentaria na força, na autoridade paternal ou na vontade de Deus, mas sim no livre compromisso daquele que se obriga. Ele seria um pacto duma espécie particular, pelo qual cada um se compromete com todos os outros; donde se segue o compromisso recíproco de todos para com cada um, que é o objecto imediato da reunião.
A partir de então é que emerge o corpo político e moral, essa comunidade marcada por um moi commun. Um contrato social que, no entanto, constituiria mera determinação da razão e não um facto historicamente verificado, significando um tipo-ideal de constituição política em que os indivíduos conferem ao Estado os seus direitos naturais, para que este os transforme em direitos civis, que concede aos cidadãos.
Ao contrário dos defensores do duplo contrato, eis que, para Rousseau não há senão um contrato no Estado, é o de associação e este exclui qualquer outro; não se poderá imaginar qualquer outro contrato público que não seja uma violação do primeiro. Só depois viria um pacto de Governo, onde se dá a dissolução do povo que perde a sua qualidade de povo.
É que importava encontrar uma forma de associação pela qual cada um, unindo-se a todos, não obedeça todavia senão a si mesmo e continue tão livre como dantes. Onde cada indivíduo, contratante, por assim dizer, consigo mesmo, encontra-se comprometido numa dupla relação, isto é, como membro do soberano em relação aos particulares e como membro do Estado em relação ao soberano. Assim, os associados tomam colectivamente o nome de povo, e chamam-se em particular cidadãos, quando participantes da autoridade soberana e súbditos quando submetidos à lei do Estado.
A partir desta distinção, o Estado deixa de ser um mero mecanismo, retomando-se o conceito substancial do político, oriundo de Platão. Neste sentido, Rousseau, conforme salienta Eric Weil, descobre o conceito moderno de razão como unidade de teoria e de acção, de pensamento e de moral, de consciência individual e de lei universal. Com efeito, o Estado volta a adicar-se no interior do homem, numa atitude moral situada no próprio coração do cidadão. Se assim se regressa a uma ideia de vontade racional, dá-se, contudo, um distanciamento face aos autores clássicos, porque a vontade geral é atribuída a todos os indivíduos e não apenas a uma minoria esclarecida ou educada. Aliás, segundo Rousseau, todos os homens possuem a possibilidade de uma vontade racional, pelo que a vontade geral deve vir de todos e ser aplicada a todos.
É da ideia de vontade geral que o mesmo autor extrai o conceito de soberania, entendida como o exercício da vontade geral, como algo de indivisível e de inalienável, dado que o poder é susceptível de se transmitir, a vontade, não. Deste modo, as cláusulas do contrato social reduzem-se à alienação total de cada associado com todos os seus direitos a toda a comunidade, pelo que o contrato social dá ao corpo político um poder absoluto sobre todos os seus membros.
O Estado é também instituído pela vontade geral, sendo encarado como uma pessoa pública ou uma pessoa moral, detendo uma espécie de eu comum (moi commun): tomava noutros tempos o nome de cidade e toma agora o de república ou de corpo político, o qual é chamado pelos seus membros Estado, quando é passivo, Soberano, quando é activo, Potência, ao compará-lo aos seus semelhantes.
É um ser abstracto e colectivo cujo instrumento é o Governo, entendido como um corpo intermédio estabelecido entre os sujeitos e o soberano por mútua correspondência, encarregado da execução das leis e da manutenção da liberdade, tanto civil como política. É a acção de todo o corpo agindo sobre si próprio, isto é, a relação do todo com o todo, ou do soberano com o Estado
Nestes termos, considera incompatível com a natureza do corpo político que um Estado possa estar submetido a outro Estado. Apenas compreende que dois Estados possam estar submetidos ao mesmo principe, porque são as instituições nacionais que formam o génio, o carácter, os gostos e os costumes de um povo. Assim, considera que é a educação que deve dar às almas a forma nacional e dirigir de tal maneira as suas opiniões e os seus gostos, que elas sejam patriotas por inclinação, por paixão, por necessidade. Uma criança, abrindo os olhos, deve ver a pátria e, até à morte, não deve ver mais do que ela. Todo o verdadeiro republicano suga com o leite materno o amor da sua pátria.
Rousseau também não aceita o conceito aristotélico do homem como animal naturalmente político, dado que o estado de natureza é perspectivado como algo de fundamentalmente pré-social. Reconhece que o Estado foi instaurado pelos que se apropriaram dos maiores bens e para benefício dos mesmos e que o próprio poder do Estado degenerou quando o capricho dos poderosos passou a governar.
Estas sementes de Estado-razão serão, depois, desenvolvidas por Kant, onde o contrato social (Staatsvertrag) se transforma na razão pura prática, como universal legisladora (rein rechtlich gesetzgebende Vernunft), em ideia pura com fins regulativos. A própria vontade geral (allgemeiner Wille) torna-se a própria vontade racional de cada um dos membros da comunidade, considerados como personalidades autónomas no acto de estas obedecerem ao imperativo categórico e de se tornarem, como tais, legisladoras duma legislação universal.
26.6.06
Em resistência e silêncio, para que não entre mosca nem saia asneira
Hoje, já vai longa a noite e continuo sem apetecer bloguear. Este intervalo entre os exames e as férias, com muitos júris, ganhou, recentemente, na vida universitária, novos cambiantes de cinzento, não tanto por causa da bolonhesa, quanto pela circunstância de certas mentalidades geométricas, filhas da sucessão dos rolos compressores da unidimensionalidade cartesiana, positivista e marxista, continuarem a usurpar o espaço do pluralismo tradicional das autonomias. Em nome do chamado Estado Moderno e das suas reformas da administração pública, aquilo que era a mentalidade pombalista do defunto ministério educativo, ao usurpar o conceito de reforma e a ideia de Europa, continua a sua acção de liquidação de um conceito de universidade.
Hoje, dia 26, não apetece, pois, recordar a Belfastada de 1826 ou a proibição das conferências do Casino de 1871. Tal como ontem não apeteceu recordar como Mondlane fundou a FRELIMO, em 1962, e como começou a guerra da Coreia, em 1950. E não foi por causa do jogo da selecção nacional dos profissionais portugueses de futebol contra os seus congéneres dos Países Baixos, a que muito napoleonicamente continuamos a dar o restrito nome de um deles, a Holanda que me calei. Porque também sofri e também vibrei. Apesar de ter seguido atentamente os sinais que as agências informativas nos transmitiram sobre Timor, onde, apesar do calor, apenas continuamos a ver a parte visível do "iceberg", onde muito do que parece e aparece não é o essencial daquilo que efectivamente é.
Talvez amanhã recupere o ânimo, para contar mais reflectidamente algumas das minhas experiências dos últimos dias, neste começo de um Verão, onde continuarei a ler muitos anúncios de renovação da pátria em semanários de grande circulação. Registo apenas que o nosso Primeiro-Ministro foi a Ferreira do Alentejo anunciar que Portugal inteiro ficou em regime de banda larga, nesse choque tecnológico que nos transforma numa longa auto-estrada da informação. Será que a auto-estrada é para outros entrarem? É que no acesso à globalização continuamos todos a circular por caminhos de cabras, porque, sem sustentatiblidade, podemos ter canas de pesca, mas não sabemos pescar.
Hoje, dia 26, não apetece, pois, recordar a Belfastada de 1826 ou a proibição das conferências do Casino de 1871. Tal como ontem não apeteceu recordar como Mondlane fundou a FRELIMO, em 1962, e como começou a guerra da Coreia, em 1950. E não foi por causa do jogo da selecção nacional dos profissionais portugueses de futebol contra os seus congéneres dos Países Baixos, a que muito napoleonicamente continuamos a dar o restrito nome de um deles, a Holanda que me calei. Porque também sofri e também vibrei. Apesar de ter seguido atentamente os sinais que as agências informativas nos transmitiram sobre Timor, onde, apesar do calor, apenas continuamos a ver a parte visível do "iceberg", onde muito do que parece e aparece não é o essencial daquilo que efectivamente é.
Talvez amanhã recupere o ânimo, para contar mais reflectidamente algumas das minhas experiências dos últimos dias, neste começo de um Verão, onde continuarei a ler muitos anúncios de renovação da pátria em semanários de grande circulação. Registo apenas que o nosso Primeiro-Ministro foi a Ferreira do Alentejo anunciar que Portugal inteiro ficou em regime de banda larga, nesse choque tecnológico que nos transforma numa longa auto-estrada da informação. Será que a auto-estrada é para outros entrarem? É que no acesso à globalização continuamos todos a circular por caminhos de cabras, porque, sem sustentatiblidade, podemos ter canas de pesca, mas não sabemos pescar.
23.6.06
Memórias da última reeleição de Tomás e da Convenção do Gramido, nesta velha gestão de dependências, a que damos o nome de independência
Na véspera de comemorarmos a assinatura da Convenção do Gramido (1847), o nascimento de D. Nuno Álvares Pereira (1360) e a batalha de São Mamede (1128), temos o infausto de, hoje, assinalarmos o convite escrito de Marcello Caetano para a reeleição de Américo Tomás pelo colégio eleitoral do regime salazarista (1972), enquanto ontem valia a pena lembrar 1829, quando se deu o desembarque na ilha Terceira de Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque e Vila Flor, o futuro duque da Terceira.
Nos finais da Primavera de 1972, Francisco Sá Carneiro tentava encontrar um candidato alternativo, chegando a contactar, por carta, António de Spínola, em 15 de Junho. Através de Francisco Balsemão, procuram-se também outras alternativas, desde Venâncio Deslandes a Kaúlza de Arriaga. Sá Carneiro contacta Spínola indirectamente, através de Carlos Azeredo e chega a falar no Porto com Almeida Bruno e Dias Lima, colaboradores do general. Entretanto, António de Spínola chega a Lisboa (24 de Junho), antes de haver reunião da comissão central da ANP, onde se decide pela ratificação da proposta de Caetano, depois de Tomás responder, também por escrito, no sentido da aceitação (30 de Junho). Finalmente, reúne o colégio eleitoral que reelege Tomás em 25 de Julho. Há 29 listas nulas e 616 votos a favor.
Prefiro acentuar os enredos da Convenção do Gramido. Assinam-na Loulé e António César Vasconcelos Correia pelos patuleias, na presença dos espanhóis general D. Manuel Gutierrez de la Concha, coronel Buenaga e o inglês coronel W. Wylde (24 de Junho). E tudo acontece na aldeia do Gramido, freguesia de Santa Maria de Campanha. Como salienta Oliveira Martins, o povo voltava para casa, chorando: chorando assistira à entrada de Concha.
Com a Convenção, imposta por forças militares estrangeiras, em nome da Quádrupla Aliança de 1834, a Santa Liberdade acabara usurpada. Como então chega a proclamar Rodrigues Sampaio, deixávamos de ter uma coroa pela graça de Deus e pela Constituição, dado que a mesma passava a sê-lo por graça dos aliados, ingleses e espanhóis, sobretudo, e vontade do estrangeiro.
Por outras palavras, a partir do segundo quartel do século XIX somos casca de nós no oceano balançoso da Europa, coisa de que apenas tivemos a ilusão de sair durante o salazarismo, quando passámos a viver a balança euro-atlântica, depois de irmos para a fundação da NATO e da OECE. Agora, feitos província do euro e departamento da globalização, temos que reavivar a velha tradição do nosso milagre independentista, reaprendendo a necessária gestão das dependências, pelo golpe de asa das interdependências. Nada de novo sob a bandeira das quinas! Que nisto de fábricas da Opel, a coisa não é o mesmo do que um jogo de onze contra onze num relvado verde, porque Sócrates até já nem pode brincar ao monetarismo de Alves dos Reis, como o cavaquismo governamental ainda podia fazer na década gloriosa da cobitação com o soarismo presidencial, entre 1985 e 1995. Apenas desejamos que Cavaco não passe a Xanana e que Sócrates não se reduza à dimensão de Alkatiri. Portanto, que viva Scolari!
Nos finais da Primavera de 1972, Francisco Sá Carneiro tentava encontrar um candidato alternativo, chegando a contactar, por carta, António de Spínola, em 15 de Junho. Através de Francisco Balsemão, procuram-se também outras alternativas, desde Venâncio Deslandes a Kaúlza de Arriaga. Sá Carneiro contacta Spínola indirectamente, através de Carlos Azeredo e chega a falar no Porto com Almeida Bruno e Dias Lima, colaboradores do general. Entretanto, António de Spínola chega a Lisboa (24 de Junho), antes de haver reunião da comissão central da ANP, onde se decide pela ratificação da proposta de Caetano, depois de Tomás responder, também por escrito, no sentido da aceitação (30 de Junho). Finalmente, reúne o colégio eleitoral que reelege Tomás em 25 de Julho. Há 29 listas nulas e 616 votos a favor.
Prefiro acentuar os enredos da Convenção do Gramido. Assinam-na Loulé e António César Vasconcelos Correia pelos patuleias, na presença dos espanhóis general D. Manuel Gutierrez de la Concha, coronel Buenaga e o inglês coronel W. Wylde (24 de Junho). E tudo acontece na aldeia do Gramido, freguesia de Santa Maria de Campanha. Como salienta Oliveira Martins, o povo voltava para casa, chorando: chorando assistira à entrada de Concha.
Com a Convenção, imposta por forças militares estrangeiras, em nome da Quádrupla Aliança de 1834, a Santa Liberdade acabara usurpada. Como então chega a proclamar Rodrigues Sampaio, deixávamos de ter uma coroa pela graça de Deus e pela Constituição, dado que a mesma passava a sê-lo por graça dos aliados, ingleses e espanhóis, sobretudo, e vontade do estrangeiro.
Por outras palavras, a partir do segundo quartel do século XIX somos casca de nós no oceano balançoso da Europa, coisa de que apenas tivemos a ilusão de sair durante o salazarismo, quando passámos a viver a balança euro-atlântica, depois de irmos para a fundação da NATO e da OECE. Agora, feitos província do euro e departamento da globalização, temos que reavivar a velha tradição do nosso milagre independentista, reaprendendo a necessária gestão das dependências, pelo golpe de asa das interdependências. Nada de novo sob a bandeira das quinas! Que nisto de fábricas da Opel, a coisa não é o mesmo do que um jogo de onze contra onze num relvado verde, porque Sócrates até já nem pode brincar ao monetarismo de Alves dos Reis, como o cavaquismo governamental ainda podia fazer na década gloriosa da cobitação com o soarismo presidencial, entre 1985 e 1995. Apenas desejamos que Cavaco não passe a Xanana e que Sócrates não se reduza à dimensão de Alkatiri. Portanto, que viva Scolari!
22.6.06
A festa do sol
Neste puro prazer de sentir a caneta a deslizar no papel, enquanto trinco uma maçã na solidão da noite, vou sentindo o marulhar dos pinheiros e o brilho das estrelas.
E sulcando livre em meu destino, mesmo que seja contra quem sou, me continuo nesta procura de estar vivo...
O limite é um muro que nos esconde um pedaço de estrada, ensombreando o sonho de quem sou e sofro
Da janela do meu sótão, olhava o sonho que via diante de mim: do cedro que me dava além, ao Sul, e da gruta fechada onde guardava quem sonho...
Continuo a ser procura das coisas que sou, mas não consigo...
Recordo mesa com toalha de linho e um pão de cruzado, comprado na ti Vieiguita, bem como uma janela de guilhotina, em casa de minha avó...
E sulcando livre em meu destino, mesmo que seja contra quem sou, me continuo nesta procura de estar vivo...
O limite é um muro que nos esconde um pedaço de estrada, ensombreando o sonho de quem sou e sofro
Da janela do meu sótão, olhava o sonho que via diante de mim: do cedro que me dava além, ao Sul, e da gruta fechada onde guardava quem sonho...
Continuo a ser procura das coisas que sou, mas não consigo...
Recordo mesa com toalha de linho e um pão de cruzado, comprado na ti Vieiguita, bem como uma janela de guilhotina, em casa de minha avó...
20.6.06
Memórias, para ter saudades de futuro e colóquio no PS
E cá estamos, acompanhando o nascer da luz do dia, neste nascer de novo, todos os dias, onde quase sempre começo pela memória. Que hoje é tempo de recordar três pequenos episódios da nossa identidade.
Primeiro, que em 1930 terminou o julgamento do burlão Alves dos Reis, esse génio monetarista que poderia ser amuleto da Escola de Chicago.
Em segundo lugar, o ano de 1978, quando foram presos os dirigentes do PRP/BR, a drª Isabel do Carmo e o meu amigo Carlos Antunes, de quem sou companheiro no movimento cívico Intervenção Radical.
Em terceiro lugar, a subida à liderança do PS de Vítor Constâncio. Que nunca foi adepto de Alves dos Reis, mas que é governador do Banco de Portugal. Que nunca foi das Brigadas Revolucionárias, mas foi ministro das finanças. E que, enquanto líder do PS pós-Soares, libertou o programa do partido de algum lixo ideológico marxista, adaptando-o ao sistema Bad-Godsberg do SPD do final da década de cinquenta e adiantando-se ao PSD que só cronologicamente depois tirou o marxismo das suas referências programáticas, com um projecto de Durão Barroso, sob a liderança de Cavaco Silva.
E perdoem-me os estimados leitores que continue este exercício de memória e identidade, mas como sabem os especialistas um povo sempre foi uma comunidade de significações partilhadas e gosto de cultivar estas raízes, para poder continuar a ter saudades de futuro.
Agradeço publicamente ao PS do Barreiro a circunstância de ontem à noite, até aos começos da madrugada de hoje, poder ter tido o prazer de discutir política, numa mesa moderada por Eduardo Cabrita e com a companhia de Carlos Zorrinho, onde ganhou, sobretudo o empenhamento cívico de um auditório municipal cheio de gente com vontade de militar. Até me deixaram manifestar a minha fé de liberalão pouco neo-liberal e de europeísta capaz de conciliar o federalismo à Rougemont com um nacionalismo universalista, como pode ser o dos portugueses que têm como mestres Agostinho da Silva e Fernando Pessoa.
Primeiro, que em 1930 terminou o julgamento do burlão Alves dos Reis, esse génio monetarista que poderia ser amuleto da Escola de Chicago.
Em segundo lugar, o ano de 1978, quando foram presos os dirigentes do PRP/BR, a drª Isabel do Carmo e o meu amigo Carlos Antunes, de quem sou companheiro no movimento cívico Intervenção Radical.
Em terceiro lugar, a subida à liderança do PS de Vítor Constâncio. Que nunca foi adepto de Alves dos Reis, mas que é governador do Banco de Portugal. Que nunca foi das Brigadas Revolucionárias, mas foi ministro das finanças. E que, enquanto líder do PS pós-Soares, libertou o programa do partido de algum lixo ideológico marxista, adaptando-o ao sistema Bad-Godsberg do SPD do final da década de cinquenta e adiantando-se ao PSD que só cronologicamente depois tirou o marxismo das suas referências programáticas, com um projecto de Durão Barroso, sob a liderança de Cavaco Silva.
E perdoem-me os estimados leitores que continue este exercício de memória e identidade, mas como sabem os especialistas um povo sempre foi uma comunidade de significações partilhadas e gosto de cultivar estas raízes, para poder continuar a ter saudades de futuro.
Agradeço publicamente ao PS do Barreiro a circunstância de ontem à noite, até aos começos da madrugada de hoje, poder ter tido o prazer de discutir política, numa mesa moderada por Eduardo Cabrita e com a companhia de Carlos Zorrinho, onde ganhou, sobretudo o empenhamento cívico de um auditório municipal cheio de gente com vontade de militar. Até me deixaram manifestar a minha fé de liberalão pouco neo-liberal e de europeísta capaz de conciliar o federalismo à Rougemont com um nacionalismo universalista, como pode ser o dos portugueses que têm como mestres Agostinho da Silva e Fernando Pessoa.
19.6.06
De regresso ao sítio donde nunca saí, entre a bolonhesa e a Catalunha
Foi longa esta pausa de suspender meu bloguear. E retomo a senda, em dia de nascimento de Pascal (1623) que, além de inventar a máquina de calcular, se opôs tanto ao congreganismo como ao cartesianismo do esprit géométrique, em nome do esprit de finesse, até porque le coeur a des raisons que la raison ne connaît pas. Reparo também que, hoje, no ano de 1967, em Paris, se fundou a LUAR e que em 1984 se deu a prisão de Otelo e de outros líderes das FP25. Mas não resisto a transportar outras memórias: especialmente da data de ontem, mas de 1968, quando o bispo do Porto foi autorizado a regressar a Portugal, depois de cerca de uma década de exílio forçado. Agora, estou a preparar uma intervenção na TSF sobre os cem dias de Cavaco, daqui a bocado, e uma participação num debate sobre a dita reforma do dito sistema político, dado que logo irei ao PS do Barreiro perorar sobre o tema.
E aqui estou, onde sempre estive, depois de algumas meditações sobre que irei fazer no próximo ano lectivo, o próximo da semi-bolonhesa, mas, felizmente, não faço parte da casta dos ilustres engenheiros curriculares que andam atarefados na consulta da Internet e da Wikipédia, para a traduzirem para calão universitário lusitano, com muito linguajar de educacionês tecnocrático, aderindo ao rolo compressor típico dos colonizados por modelos exógenos, sempre marcados pela tríade cartesiano-napoleónico-positivista, habitual fabricante daqueles chouriços indigestos que, decretando a "revolução a partir de cima", aliada ao populismo vanguardista, acabam nesse jogo de soma zero, onde ao despotismo de todos se sucede o despotismo de um só, para que tudo acabe nas oligarquias sem aristocracia do despotismo de apenas alguns.
Prefiro notar no que há muito já sabia: 62% dos estudantes universitários portugueses confessam copiar, facto que, segundo estudo da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, é directamente proporcional aos processos de corrupção posterior dos futuros profissionais saídos de universidades de fabricantes de chouriços sebenteiramente memorialistas. Este ano, por exemplo, em cadeiras minhas da licenciatura, utilizei a técnica de admitir copianço oficializado: permiti que todos os estudantes trouxessem x caracteres de aide mémoire que obrigatoriamente juntavam às folhas do teste, valorizando a própria forma de a elaborarem. Assim, apelava ao esforço pessoal de compreensão e síntese e tentei incutir a capacidade de elaboração de glosas e comentários próprios. Estudar sempre foi pensar pela própria cabeça o pensamento dos outros.
Voltando a Bolonha, julgo que quase todos parecem esquecer que o velho conceito de "licenciado" nunca foi a criação pelo Estado e pela Escola de um posto de vencimento no quadro do empregador central alimentado a dinheiro dos impostos. Ser licenciado também nunca foi ter licença para um qualquer se inscrever numa ordem corporativa, mas antes ter licença para poder a continuar a estudar em solidão individual, sem dependência face ao sistema de lições, professores, matrículas, frequências, sebentas e exames. Porque há tanto mais empregabilidade quanto o estudante assumir um estado superior de aprendizagem através da formação pessoal. Logo, um licenciado em direito pode ser músico e um engenheiro, Primeiro-Ministro de Portugal.
Se transformarmos as universidades em meros centros de formação profissional, anexos de ordens profissionais e centrais patronais ou sindicais, o primeiro ciclo de Bolonha será um mero décimo segundo ano avançado, o segundo ciclo, uma antiga licenciatura acelerada e o terceiro ciclo, um fingido mestrado de papel e lápis. Isto é, nivelaremos tudo por baixo, e embora possamos esfregar as mãos de contentes, porque conseguimos trabalhar para a estatística, eis que, em nome de unidade, unicitária e unidimensional, destruiremos a a riqueza da diferença, só porque os adeptos da teoria do rolo compressor não conseguem que, nos respectivos genes cartesianos, napoleónicos e até fascizantes, se admita a possibilidade do dividir para unificar da velha complexidade, onde, entre a convergência e a divergência, podem surgir estádios de complexidade crescente, de emergências criativas que permitam aceder ao universal pela liberdade de ensinar e de aprender.
Prefiro, portanto, saudar o resultado do referendo da Catalunha, onde se verifica que as Espanhas se começam a portugalizar, na senda da proposta de Miguel de Unamuno, enquanto certo Portugal, reduzido às bandeiras do BES e de Scolari, continua enredado na vergonha de ter tido razão antes do tempo, lá para o dia primeiro de Dezembro do ano de mil seiscentos e quarenta, quando permitimos a emergência do Brasil.
E aqui estou, onde sempre estive, depois de algumas meditações sobre que irei fazer no próximo ano lectivo, o próximo da semi-bolonhesa, mas, felizmente, não faço parte da casta dos ilustres engenheiros curriculares que andam atarefados na consulta da Internet e da Wikipédia, para a traduzirem para calão universitário lusitano, com muito linguajar de educacionês tecnocrático, aderindo ao rolo compressor típico dos colonizados por modelos exógenos, sempre marcados pela tríade cartesiano-napoleónico-positivista, habitual fabricante daqueles chouriços indigestos que, decretando a "revolução a partir de cima", aliada ao populismo vanguardista, acabam nesse jogo de soma zero, onde ao despotismo de todos se sucede o despotismo de um só, para que tudo acabe nas oligarquias sem aristocracia do despotismo de apenas alguns.
Prefiro notar no que há muito já sabia: 62% dos estudantes universitários portugueses confessam copiar, facto que, segundo estudo da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, é directamente proporcional aos processos de corrupção posterior dos futuros profissionais saídos de universidades de fabricantes de chouriços sebenteiramente memorialistas. Este ano, por exemplo, em cadeiras minhas da licenciatura, utilizei a técnica de admitir copianço oficializado: permiti que todos os estudantes trouxessem x caracteres de aide mémoire que obrigatoriamente juntavam às folhas do teste, valorizando a própria forma de a elaborarem. Assim, apelava ao esforço pessoal de compreensão e síntese e tentei incutir a capacidade de elaboração de glosas e comentários próprios. Estudar sempre foi pensar pela própria cabeça o pensamento dos outros.
Voltando a Bolonha, julgo que quase todos parecem esquecer que o velho conceito de "licenciado" nunca foi a criação pelo Estado e pela Escola de um posto de vencimento no quadro do empregador central alimentado a dinheiro dos impostos. Ser licenciado também nunca foi ter licença para um qualquer se inscrever numa ordem corporativa, mas antes ter licença para poder a continuar a estudar em solidão individual, sem dependência face ao sistema de lições, professores, matrículas, frequências, sebentas e exames. Porque há tanto mais empregabilidade quanto o estudante assumir um estado superior de aprendizagem através da formação pessoal. Logo, um licenciado em direito pode ser músico e um engenheiro, Primeiro-Ministro de Portugal.
Se transformarmos as universidades em meros centros de formação profissional, anexos de ordens profissionais e centrais patronais ou sindicais, o primeiro ciclo de Bolonha será um mero décimo segundo ano avançado, o segundo ciclo, uma antiga licenciatura acelerada e o terceiro ciclo, um fingido mestrado de papel e lápis. Isto é, nivelaremos tudo por baixo, e embora possamos esfregar as mãos de contentes, porque conseguimos trabalhar para a estatística, eis que, em nome de unidade, unicitária e unidimensional, destruiremos a a riqueza da diferença, só porque os adeptos da teoria do rolo compressor não conseguem que, nos respectivos genes cartesianos, napoleónicos e até fascizantes, se admita a possibilidade do dividir para unificar da velha complexidade, onde, entre a convergência e a divergência, podem surgir estádios de complexidade crescente, de emergências criativas que permitam aceder ao universal pela liberdade de ensinar e de aprender.
Prefiro, portanto, saudar o resultado do referendo da Catalunha, onde se verifica que as Espanhas se começam a portugalizar, na senda da proposta de Miguel de Unamuno, enquanto certo Portugal, reduzido às bandeiras do BES e de Scolari, continua enredado na vergonha de ter tido razão antes do tempo, lá para o dia primeiro de Dezembro do ano de mil seiscentos e quarenta, quando permitimos a emergência do Brasil.