a Sobre o tempo que passa: Um povo de suicidas, a teoria do "Verstehen" e os cacos da não verdade que me caíram na careca

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

1.6.06

Um povo de suicidas, a teoria do "Verstehen" e os cacos da não verdade que me caíram na careca



Andei com a minha agenda das efemérides perdida durante alguns dias. Por isso, quando hoje a recuperei, perdida no saco da roupa de mudar, fiquei a tempo de assinalar que se comemora hoje o dia um do mês de Junho, não apenas com o facto de, em 1823, D. João VI retomar o controlo do poder depois da Vilafrancada, como, sobretudo, pela data do suicídio de Camilo Castelo Branco, em 1890. O que levou o nosso grande amigo, Miguel de Unamuno, a atribuir-nos o qualificativo de povo de suicidas. Aliás, na altura o grande mestre espanhol falava na necessidade de uma intra-história, feita pela vida silenciosa de milhões de homens sem história donde vive a verdadeira tradição. Dizia também que os peninsulares são mais apaixonados do que sensuais, mais arbitrários do que lógicos. Lo somos y debemos seguir siendolo.



Esse grande mestre dos paradoxos que tanto defendia a espanholização da Europa como a europeização da Espanha, da mesma maneira como chegou a propor a própria portugalização de Espanha, percebia o que era o sentimento trágico da vida, esse imortal conflito entre a razão e a fé, entre a inteligência e o sentimento, pólos insusceptíveis de conciliação. Porque a fé só será fecunda e salvadora quando tiver por base a luta constante entre o cepticismo racional e a ânsia vital da imortalidade.



É por isso que, neste blogue, prefiro a metáfora e não posso deixar de recordar que ontem, dia 31, se comemorou o dia de 1232 em que o papa Gregório IX canonizou o nosso Fernando de Bulhões, tal como anteontem, dia 3o, no ano de 1431, se recordou Joana d'Arc, por ter sido queimada, e no passado dia 28, além da viagem de Gomes da Costa, quase ninguém referiu ou fez romagem ao santuário da Senhora da Rocha, em Carnaxide, no dia de 1822 em que se deram as aparições outora framosas, porque cerca de um século depois ocorreu Fátima.



Logo, tenho de continuar a falar por metáfora, que é aquilo que me aguenta, neste mundo de gente lúcida onde tento manter a lucidez de ser ingénuo, porque quero viver como penso, sem ter pensar como vivo, dado que sei que importa submeter-me para sobreviver, a fim de conseguir, de seguida, lutar para continuar a viver. Até porque, na prática, a teoria é outra e, de boas intenções, está o inferno cheio.

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E lá continuarei a falar por metáforas, no microcosmos e no macrocosmos, utilizando a técnica criativa da analogia que é ir de semelhante a semelhante, para pegar numa folha de árvore e tentar apanhar o todo, através da tradicional técnica da hermenêutica, que é o método epistemológico e de vivência que recebi da velha peripatética, coisa a que os alemães, muito Wissenschaft, chamaram Verstehen, que é prender coisa com coisa, similia ad similia, compreendendo a floresta pela descoberta do que é a alma de uma simples árvore, através dos indícios que me dão os sinais de casca que, por acaso, me caem na careca, sem eu, sequer, ter que os procurar, segundo a técnica da pretensa espionagem. Basta o olho vivo...mas triste.