a Sobre o tempo que passa: Soprando as cinzas que, por vezes, nos pesam em amargura

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

2.6.06

Soprando as cinzas que, por vezes, nos pesam em amargura



Imagem picada em Patrick Wuster

A coragem e a palavra dada apenas se cumprem entre gente de princípios, entre homens e mulheres livres, os quais raramente coincidem com a chamada gente de poder, entre os que, quando estão aflitos, proclamam que ninguém os amedronta ou ninguém os cala, para, depois do caldo entornado, dizerem que estão de consciência tranquila.

Entre a fauna do poder, quase todos consideram que a vida é um jogo, com sucessivos episódios onde, ora se ganha, ora se perde, onde os que hoje perdem, nunca perdem tudo, porque tudo se transacciona com os que lhes sucedem nas meias vitórias. E nestes sucessivos jogos de soma zero da barganha, onde um mais um pode ser igual a menos do que um, raramente se vislumbra aquela mais valia da criação, a que muitos dão o nome de cultura, daquilo que se acrescenta sobre o cru do vazio humano.

Outra é a minha concepção do mundo e da vida, talvez mais peninsularmente dramática. Onde não há eternos palcos nem sucessivos jogos, mas uma longa linha de marítimo horizonte, onde sonhar é procurar passar os próprios limites, embora se reconheça a pequenez da nossa dimensão individual, como ser incapaz de captar todos os mistérios da criação.

Continuaremos presos entre o lodo e as estrelas, entre o paradoxo de vivermos e morrermos, onde até podemos viver morrendo, se tivermos uma qualquer causa pela qual valha a pena morrermos sem morrermos, inserindo-nos naquelas correntes de ideias que nos dão eternidade além de nós. Que até pode ser soprarmos as cinzas do ódio que recobrem as brasas aviváveis do amor

Imagem picada em Luar na Lubre

Por isso, vou transcrever o galego Madrigal á cibdá de Santiago de Federico García Lorca:

Chove en Santiago
meu doce amor.
Camelia branca do ar
brila entebrecida ô sol.

Chove en Santiago
na noite escura.
Herbas de prata e de sono
cobren a valeira lúa.

Olla a choiva pola rúa,
laio de pedra e cristal.
Olla no vento esvaído
soma e cinza do teu mar.

Soma e cinza do teu mar

Santiago, lonxe do sol.
Ãgoa da mañán anterga
trema no meu corazón.