A poesia é mais verdadeira do que a história
Apesar de tudo, abri a agenda das efemérides e reparei que hoje é dia onze do mês sete, no dia seguinte à data de 1921 das únicas eleições da República Velha que deram a vitória a um partido alternativo ao afonsismo, os liberais de António Granjo, antes de tal líder político ser assassinado na outubrada do mesmo ano. Porque também no dia 10, mas em 1913, o episcopado lançava o apelo de Santarém para uma União Católica, coisa que apenas vai concretizar-se em 1917 com a criação do CCP, dos poucos partidos confessionais da história, porque, nascendo de cima para baixo, dos bispos para o povo, sempre foi mais cristão do que democrata, ensinando o seu destacado militante, Salazar, a, depois de estar no poder em monopólio, gerar um partido único por decreto do Conselho de Ministros.
É, perante tais recordações, que não falo nas actuais agruras democráticas do CDS, que tem o defeito de ser mais democrata do que cristão, enquanto reparo como os novos catolaicos, com as suas seitas, cerca de uma centena, vão fragmentando a unidade perdida, não da "respublica christiana", mas do tempo quem que os próprios católicos lusitanos sufragavam a religião secular da democracia. É por isso que, de recordação em recordação, passo os olhos pela agenda e reparo que,ao não escrever no passado dia 8, não me foi dado comemorar três coisas nesse sábado de derrota de Scolari face a alemães: primeiro, o desmebarque no Mindelo, em 1832; segundo, o decreto instituidor do Acto Colonial, de 1930, com o qual Salazar destruiu a ideia civilizadora da monarquia liberal e da Primeira República, isto é, da aliança de Paiva Couceiro com Norton de Matos, procurando copiar a treta britânica do "Empire"; terceiro, a queda de uma cadeira do ano de 1968, quando o cônsul entrou em disfunção mental e foi desta para pior.
Aliás, se fosse ao dia 7 do 7, também teria de assinalar a morte do meu querido mestre Guerra Junqueiro, em 1923, e se descesse ao dia 6, lá teria que referir o dia de 1831, quando a esquadra francesa de Roussin atacou o porto de Lisboa e destruiu a armada miguelista, ou um dia de 1920, quando o chefe do governo, António Maria Baptista, morreu de apoplexia, em pleno conselho de ministros, dizem que ao ler um insultuoso artigo de jornal, da autoria de Francisco da Cunha Leal.
É por isso que fecho as recordações e que não comento a questão das ossadas de D. Afonso Henriques. Falei à Rádio Renascença sobre a matéria com sumo de ironia, propondo uma intervenção tripla dos chefes da república de Portugal e do Brasil e a intervenção do Vaticano, gozando com a nossa incapacidade burocrática para lidarmos com os mitos fundadores daquilo que muitos qualificam como a mais antiga e permanecente nacionalidade da Europa. É que pode dar-se o caso de as ossadas serem tão verdadeiras quanto as actas das Cortes de Lamego, dado que a poesia também é mais verdadeira do que a história.
Até sugeri que fosse nomeada uma comissão científica para a determinação da verdade sobre o milagre de Fátima, a ser nomeada pelo director-geral de turismo, e outra sobre a vida de Cristo, numa aliança do representante da OLP e do Estado de Israel. Conclui que esta mentalidade geométrica, positivista e de reforma de Estado está a atingir o ritmo da anedota, apesar do discurso de pós-modernidade que obtém por avença de alguns "profes".
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