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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

10.3.10

Entre Belém e São Bento, não há portas abertas...


Ontem foi o quarto aniversário do cavaquismo presidencial. Em tudo o que ele e a primeira dama vão dizendo, em tudo o que cada um de nós disser não há ponto sem nó. Tem em vista a recandidatura do dito. Preferia que servisse sem esse porquê.

Portugal não é a Grécia. Ainda não vendemos as Berlengas, as Desertas e as Selvagens. Mas já concessionámos parte do Terreiro do Paço e ainda temos essa estupidez do conceito de domínio público marítimo, que impede a venda de praias a lotes... Assim, não demorará muito que se atinja o regime do "onde dollar beach" para cada acesso da chamada "classe média" que somos nós todos...

Quando o velho rei do Congo ouviu a leitura das nossas Ordenações, na primeira viagem que fizemos para as bandas da foz do Zaire, terá dito ao comandante lusitano: "em Portugal também é crime alguém pôr os pés no chão?". Julgo que a imaginação fiscal do burocrata vai entrar no delírio da taxação, ao estilo do uso dos isqueiros ou do mero acesso ao "Google" e ao "Facebook", esses privilégios da classe média...

Quem gasta pelo mau uso e prostitui pelo abuso a máquina do estadão já não está habilitado a fazer com que o estado a que chegámos volte a ser um Estado ao serviço da república, ou da comunidade, da comunidade das coisas que se amam, a que damos do belo nome de Portugal. Não nos reformem mais, reformem-se antecipadamente. Precisais de uma valentíssima e reverendíssima reforma, bem penalizada...

Os filhos do PREC viraram patrões do PEC, neste "processo em curso" que ninguém sabe onde vai dar, mas que terá sido negociado, nas nossas costas, com os eurocratas e os consultores da geofinança, retendo, do PREC, os amanhãs que cantam, e dizendo sempre que o inferno são os outros, enquanto os mafarricos do presente nos vão tostando em "simplex" do paga agora, protesta depois.

Preferia que o Zé Povinho mantivesse o sentido do gesto! Que desse o "Toma" a quem não podemos "Fiar"...

Ontem foi dia da belenização de Cavaco, com a primeira "psico" para a futura injecção fiscal que não era aumento de impostos. Depois do PREC, o PEC, ou a pecuária política sempre em curso, nesta "animal farm", onde somos todos iguais, mas há alguns mais iguais do que outro...

Entre Aníbal e José, foram mais os anos de cooperação estratégica e de estado de graça, em que tudo foi porreiro, mesmo sem o pá. Depois foi aquela coisa dos espiões em autogestão com as respectivas teorias da conspiração, confirmando-se como entre São Bento e os arredores da gamela da Ajuda, houve um interregno de regime de assessores, "boys" e "boomerangs" sobre telhados de vidro...

José e Aníbal são siameses. Até dizem que Sócrates é o Cavaco do PS. Ambos comungam do mesmo preconceito "cainesiano" de um estadão assistencialista, intervencionista e clientelar, a que dão o nome de social-democracia, onde as mulheres são a consciência de esquerda intelectualóide...

Esta ficção da classe dita média vive do pingue-pongue valorativo, marcado pelo utilitarismo do homem de sucesso. Um dia pode ser fracturante, no outro catolaico, numa democracia-cristã que procura benzer-se com memória de Guterres, discurso de Silva Pereira ou encontros com o Padre Seabra e Dom Policarpo...

O tal estado a que chegámos tem, de um lado, Armando Vara e, do outro, Manuel Dias Loureiro. Por outras palavras, são Guizot, têm como lema o "enriquecei" da sociedade de casino dos fundos estruturais, assente em titulares honestos e incorruptíveis que usam desonestos como pés de barro, de acordo com aquele velho maquiavelismo, segundo o qual as árvores precisam de estrume.

Dez anos de cavaquistão betuminoso, passaram para o ciclo das energias renováveis, sempre com sacos azuis que restauraram a casta capitaleira e banco-burocrática, conforme as denúncias de Antero de Quental sobre o crepúsculo do rotativismo devorista da monarquia liberal, a que juntámos a ditadura da incompetência da I República, com alternâncias ilusórias, onde os bonzos vencem sempre, embora animem a fantochada dos endireitas e dos canhotos.

Se um prefere a gestão dos silêncios, outro é herdeiro da picareta falante, mantendo os monstros das políticas públicas de educação e de saúde e o desperdício de muitas tentações de intervencionismo propagandístico, nomeadamente no alinhamento da comunicação social pública e privada, com os inevitáveis clientelismos e engenharias de cunhas e subsídios...

Ambos mantiveram vacas sagradas constitucionais, como, por exemplo a divisão das magistraturas, enquanto o perfil politiqueiro os levou a provocar esta propaganda que não parece propaganda, dando uma imagem de políticos antipolíticos...