a Sobre o tempo que passa: Relendo as Cartas da Montanha...

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

8.3.10

Relendo as Cartas da Montanha...

Manhã de bonança... releio as cartas que Rousseau escreveu da Montanha. Depois do conselho directivo de sua pátria o ter processado e punido como ímpio, mandando queimar suas obras. "Mes livres, quoi qu'on fasse, porteront toujours témoignages d'eux mêmes; et le traitement qu'ils ont reçu ne fera que sauver de l'opprobre ceux qui auront l'honneur d'être brûlés après eux".

Jean-Jacques repete o que escreveu Espinosa, depois de ser excomungado da sua Sinagoga. Porque os expulsos por D. Manuel I, ao insistirem nas palavras e nos métodos dos perseguidores, todos se enredaram num inquisitorialismo universal que, séculos depois, continua, como nalguns "racha sindicalistas" de hoje, vindos da extrema-esquerda benzida...

Tal como Espinosa e Rousseau, importa regressar ao estoicismo. Não responder ao ódio com o ódio. À perseguição, com a perseguição. Desprezar o método. Não dizer que os fins justificam os meios. Basta notar como os meios do fascismo não são democráticos, só porque são usados em democracia.

Voltando a Rousseau: há uma diferença entre a constituição do Estado e a constituição do Governo. "Le meilleur des gouvernements est l'aristocratique; la pire des souverainités est l'aristocratique".

Ai das democracias, como em certos segmentos da nossa, que, assentes numa federação de soberanias aristocráticas, ou, pior ainda, oligárquicas, clientelistas, nepotistas, partidocráticas, carreirísticas ou amiguistas, se decretam como o governo dos melhores, quando não passam de mera consequência de sucessivas ditaduras da incompetência!

Há por aí muitos ilustres democratas que têm um currículo pleno de persiganga, nomeadamente repetindo a necessidade de queima de obras "téméraires, scandaleux, impies, tendants à détruire la religion chrétienne et tous les Gouvernements"...

E não é por acaso que misturam, em sua roda de compra de prestígio, comendadores e executantes do despotismo ministerial de todos os quadrantes, crenças e sectarismos. Até poderiam reunir respectivo conselho de honra, fazendo cerimonial de "oligarquia das bestas" em redor da estátua de Sebastião José, o habitual sucedâneo ...

Confesso que sou intolerante para como todos quantos mandaram assassinar adversários políticos, em sentido estrito, e não apenas metafórico. Ou perante os que calaram, por maquiavélica gestão de poder, assassinatos levados a cabos por serviçais. A memória da liberdade exige a verdade e não admite a vergonha de os ouvirmos como psicopatas sentenciadores.

Lembro-me de ter os ter denunciado em reunião pública, institucional, embora discreta. Um deles confessou o uso dos métodos, ditos modernos e científicos, baptizados como kissingerianos. O outro, o que permanece, fulminou-me com uma sentença que o fez passar os limites do que aprendeu nos superiores cursos de alta espionagem: "lá está você a mijar fora do penico", depois de eu ter dado um real murro na douta mesa...

O "vase de nuit" em causa reproduziu-se em sucessivas restaurações, bem como em revisões e actualizações de joio que vão ocupando a igreja visível, só porque os incautos e os cobardes continuam a acreditar na música enlatada com que se proclamam os portadores da senha da igreja invisível, contra os traidores e os hereges que faltam ao respeitinho às pretensas vacas sagradas