Americanos, Mondlane, Salazar e MRPP
Acabo de ler as seguintes parangonas: "EUA ofereceram milhões pela independência das ex-colónias"; "Fundador da Frelimo foi financiado pela CIA". Isto é, aquilo que todos os que estudaram os anos sessenta do século XX e o salazarismo já sabiam, através de muitos e variados indícios, acaba por ser confirmado no livro "Engaging Africa: Washington and the Fall of Portugal's Colonial Empire", da autoria de Witney Schneidman, antigo vice-secretário de Estado adjunto para os Assuntos Africanos na administração Clinton. Por outras palavras, Eduardo Mondlane e Holden Roberto tinham ligações íntimas aos norte-americanos. E Salazar rejeitou o plano de ajuda financeira de Washington, em troca de uma cedência no plano da política colonial.
Quem começa a estar em pânico são ilustres personalidades portuguesas, algumas delas ligadas ao regime salazarista, dado que, em breve, poderão ser abertas as gavetas da CIA, onde se guardam as listas de pagamentos, directas e indirectas, da mesma instituição, bem como as de grandes fundações privadas norte-americanas. Para os interessados nesta matéria, sugerimos que se investiguem ilustríssimos lusitanos que pouco antes de 1960 frequentavam clubes de "jazz" nova-iorquinos, depois do desempenho das respectivas funções oficiais.
O mais interessante deste processo de influência da república imperial está na circunstância de só podermos aceder aos arquivos mais explosivos da CIA dos anos de 1974-1975, daqui a década e meia, porque, na "pay list" da agência e das fundações cooperantes, poderíamos encontrar ordens de pagamento que levariam à derrocada moral de muitos dos nossos patriarcas, tanto do salazarismo como da democracia. Contudo, os recentes acontecimentos em torno do actual presidente da Comissão Europeia poderão levar algumas universidades não-portuguesesas a promoverem uma série de doutoramentos sobre o MRRP e outros movimentos da esquerda revolucionária portuguesa, estudando-se particularmente a passagem destes antigos maoístas para os nossos partidos de direita. Por cá, para realizarmos tal investigação, estávamos dependentes de quem decide a distribuição dos subsídios para aquilo que querem transformar em bananais ciências ocultas e até talvez tivessemos que meter cunhas a especialistas em matérias petrolíferas, na aposentação ou em "part time". Será delicioso podermos ler os relatórios da agência norte-americana sobre a penetração de alguns dos respectivos investimentos no mundo político lusitano das duas últimas décadas.
Por mim, regalo-me a notar o rasto que deixam no mundo universitário português, onde a coisa é tão patente que até já nem se importam com o apagamento dos vestígios, pois os convites conferenciais que fazem já não recorrem a generais disfarçados da república imperial, ficando-se agora por sargentos e contínuos universitários. Isto é, colocam Portugal ao nível daqueles Estados terceiro-mundistas, onde uma simples pipa de dólares compra o país todo.
Com toda a franqueza, estas recentes notícias de origem norte-americana devem estar a geridas por alguma central de comunicações ligada à Fundação Salazar, dado que a figura do antigo presidente do conselho sai da lama e passa a englobar-se na fileira dos resistentes independentistas, ao contrário do que poderá suceder a alguns ministros do respectivo regime. Julgo que a defesa do actual regime democrático passará, não por invocarmos o fantasma anti-fascista, mas por demonstrarmos que, nestes últimos trinta anos, a maior parte dos servidores do regime tiveram, acima de tudo, um digno instinto de libertação nacional, como foi demonstrado pelo patriotismo científico que era assumido pelo Instituto de Defesa Nacional, até à sua recente anexação aos aprendizes de feiticeiro neo-conservadores, de matriz pauliana. Sugerimos, portanto, que a mesma instituição seja imediatamente privatizada, apontando como sócios institucionais a FLAD, a Fundação Oriente e, para disfarçar, a Universidade Católica, a Universidade Lusíada, a Fundação Calouste Gulbenkian, o Instituto de Estudos Estratégicos, a Amostra, a Universidade de Georgetown, a SOCI, a Universidade de Navarra, o BCP, e a Portugal Telecom. O mesmo poderá acontecer à Universidade Nuno Álvares ou até aos submarinos recentemente contratados, que bem poderiam passar a ser patrocinados por fábricas de bolachas multinacionais.
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