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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

24.10.04

Ser insubmisso



Quando, depois de uma breve experiência de um mês, no ano de 2003, fingi, no passado dia 22 de Setembro, reentrar, com assinatura, no chamado mundo da blogosfera, eis que simpáticos patriarcas de tal universo saudaram meu regresso, embora reconhecendo que tive, para com a casta, alguns "engulhos".

É falso! Não tive tais engulhos, apenas assumi a revolta individual da saída, numa altura em que se vivia aquilo que qualifiquei como ambiente de tasco burguês, com reservado direito de admissão, dado que quem não prestasse menagem aos assumidos papas do sistema ficava condenado à adjectivação diabolizante.

Assim me aconteceu quando, nesses começos do Verão de 2003, nos dois primeiros dias de lançamento de "posts", quando ainda não sabia os costumes nem conhecia a técnica de fazer "links", me meti com duas vacas sagradas, as quais, então, postas no catedrático inquisitorial do situacionismo blogosférico, logo me enclausuraram como uma espécie de ultra-reaccionário miguelista que come criancinhas liberais à ceia, acusando-me, entre outras coisas, de usar cartas privadas que eles terão enviado a não sei quem e de oferecer porrada a um deles.


E pronto! Como o meu plebeu nome se prestava a tais dislates, logo passei a ser filho do capitão Maltez, o da polícia de choque do salazarismo, a descendente do bafiento Sardinha, talvez com gosto por touradas, fado e casas de passe. Os tais direitistas que convêm à esquerda apareceram imediatamente aliados a um pretensa extrema-esquerda e ambos não perdoaram que tivesse a ousadia de aparecer civicamente como activista público de duas organizações, uma com registo no Tribunal Constitucional e outra no notário.

Os emissores de tais dejectos orgânicos conseguiram o objectivo e porque não tive força para blogosfericamente me des+cons+porcar, decidi exilar-me e prometi, a mim mesmo, que, quando regressasse, com nome próprio, nunca entraria na rede do sindicato das citações cruzadas, dos ataques concertados ou dos elogios mútuos e que nunca prestaria menagem aos grandes distribuidores de números de entrada nos contadores. Prefiro atingir a média mínima de consulta diária, um pouco à imagem e semelhança da que tenho, desde 1998, na minha página pessoal, do que cair na tentação dos altos e baixos das falsas polémicas.



E nem sequer pretendo alinhar nas correntes partidárias deste mundo das teclas, porque um adversário meu no mundo não virtual do dia-a-dia pode ser meu amigo na blogosfera e vice-versa. Só que, apesar de não costumar usar da vingança, nem sequer da que se serve fria, nunca me esqueço daqueles que usaram contra mim das armas da mentira e do insulto, num autoritarismo típico das caricaturas catedráticas, ministeriais e policiescas, dado que praticaram o criticável abuso de poder. Um deles chegou ao cúmulo de ofender a memória do meu falecido pai, outro, de insinuar que tinha visitado a minha casa, não faltando os que instrumentalizaram a sagrada camaradagem universitária ou o são companheirismo da militância política.

Porque tenho o defeito genético de ter perdido o medo dos saneamentos, logo no começo da matura idade, e de nunca ter alinhado no politicamente correcto, feito dos pretensos culturalmente incorrectos, gerados por aquelas vanguardas que estão espera da sinecura para se situacionarizarem, também na blogosfera tento praticar o direito à insolência dos que têm o dever de se assumirem como insubmissos. Não costumo frequentar os passos perdidos do mundo dos bares de espiões domésticos, no Bairro Alto, nem nunca meti cunha de vassalagem a editores, editoriais e editorialistas.

Ora, nada melhor do que provocar pela verdade, esfaqueando os complexos de esquerda e os fantasmas de direita, como, por exemplo, afirmar-me anarquista e monárquico, ou miguelista e liberal, ou, então, inverter a ordem dos factores, dizendo-me monárquico e anarquista, ou liberal e miguelista. Como se um democrata não pudesse citar o fascista Robert Brasillach ou a um monárquico não fosse possível invocar poetas republicanos. O que não devemos é atacar os outros acusando-os do que eles nunca foram e dizendo que eles devem ser o que eles já são há duas ou três décadas. Um desses mânfios chegou até a amandar-me ler um determinado autor moderno que eu já citei nos começos das minhas publicações universitárias. Outro mandou-me tomar a atitude que, afinal, já tinha emitido quando, com dezoito anos, ao publicar um dos meus primeiros artigos políticos, vi a censura salazarenta cortar-me cerca de três quartos da peça.

Não tenho é que pedir certificados de direita democrática a ex-militantes da extrema-esquerda, até pouco antes da queda do Muro, a congreganistas, subsidiados e fabricados pelo Opus Dei, ou a pretensos monopolizadores do conceito de patriotismo, só porque são serviçais da rede dos intelectuais instalados que nomeiam os presentes directores e colaboradores dos jornais ditos de grande circulação. Contra essas direitas fabricadas pela esquerda do situacionismo cultural, para que se perpetue o situacionismo da presente direita política, repito o adequado gesto do Zé Povinho. Por isso, continuo a recusar, muito pomposamente, o epíteto de blogosférico. Isto de teclas, de Internet, Blogspot, Weblog, PHP, MS-DOS e outras vias não passa de continente a que se têm de dar conteúdo e não são os media que fazem os fins, ao contrário do que teorizou o Marshall McLuhan, ao qualificar o universo fechado desta galáxia electrónica como aldeia global. Prefiro continuar a escrever com lápis Viarco, pena de pato, esferográfica Bic cristal ou com a minha velha Parker, oferecida quando entrei para o liceu, mesmo que seja através deste teclado ligado a uma Internet a que acedo através do telemóvel, aqui do Valbom dos Gaviões. Eis meu enigma, ilustríssimos rapazes do Ministério Público e dos serviços secretos!