Neste país do faz-de-conta
Nesta sociedade de muitos e variados medos, a pressão já não se confunde com as ordens dadas em voz alta por um superior hierárquico aos respectivos subordinados ou dependentes. Nem sequer com a caricatura de pressão emitida por personalidades como Alberto João Jardim quanto à distribuição de verbas orçamentais para a sua ilha, ou Pinto da Costa sobre os árbitros de futebol, com ataques aos seis milhões de benfiquistas. A forma mais eficaz de pressão é aquela que não parece pressão e que se exerce discretamente. É, por exemplo, a que costuma fazer a Igreja Católica em favor dos valores fundamentais que subscreve, ameaçando com o não voto dos crentes, ou a que tem sido protagonizada pelos ambientalistas e ecologistas. Pressão não é apenas polvo, sistema, mafia, rede oculta, facada e manigância.
Na sociedade aberta e pluralista, há variados grupos que existem para a defesa de um interesse: "a existência de um conjunto articulado de objectivos mais ou menos parcelares que motiva grupos mais ou menos vastos a uma acção que pretende actrualizar ou reforçar a concretização desses objectivos", conforme a definição de José Miguel Júdice, na enciclopédia "Polis". Porque um interesse não tem que ser necessariamente material, podendo também ser de índole moral. Daí que haja grupos de interesse que apenas lutam por ideias, ao lado dos grupos de interesse que têm como objectivo a conquista de vantagens materiais, a defesa de situações adquiridas, ou o aumento do bem estar ou dos privilégios da categoria representada. Isto é, pode haver interesses utilitários e interesses desinteressados.
Outros grupos exercem pressão, que segundo Júdice é "a actividade ou o modo de actividade dos grupos que, por ameaças, sugestões, apoios , exigências, pretendem levar à mudança de forma de distribuição das consequências das decisões políticas, ou no sentido de aumentar o quinhão que compete ao grupo actuante, ou no sentido de contribuir para afastar o risco de diminuir esse quinhão". Surge, portanto, um grupo de pressão, "uma organização permanente para a defesa dos interesses específicos através da realização de acções de variado tipo destinadas a influenciar o processo de decisão e, em concreto, o processo de decisão política, para que tal decisão seja conforme aos desejos e aos interesses dos membros do grupo", para continuar a citar a juventude politológica do actual bastonário da Ordem dos Advogados. Por outras palavras, se um grupo de pressão é sempre um grupo de interesse, quase sempre um grupo de interesse tem tendência para exercer uma pressão.
Grupos de interesse são as organizações profissionais como a Ordem dos Advogados, as associações sindicais e patronais, as associações de consumidores, os grupos confessionais ou ideológicos ou os chamados grupos de condição. E todos eles passam, em certa altura, à pressão. Que pode ser oculta ou publicitada. Pode utilizar-se a via da informação, da consulta e da ameaça, de forma aberta, ou as relações privadas e a corrupção, sempre de forma clandestina. Aqui e agora, todos pressionam, das associações sindicais de magistrados ao Opus Dei, do presidente Vieira aos paroquianos madeirenses sobre os salesianos. Até o senhor Primeiro-Ministro, quando não pode actuar pela via decretina.
Soa, portanto, a ridículo que continuemos a gastar o dinheiro dos contribuintes, pondo magistrados, deputados ou membros da Alta Autoridade para a Comunicação Social a fazerem um trabalho de campo que deveria caber a politólogos e sociólogos. Somos, definitivamente, um país de gargalhada e de hipocrisia legalista, onde até discutimos a relação de polícias com a sesta do Primeiro-Ministro. Apenas direi, como a recente pressão de Cavaco Silva, "rezemos para que o nosso poder político não lance Portugal em outra crise das finanças públicas". Mas talvez fosse mais saudável libertar-nos dos complexos corporativos, dos tiques da hipocrisia revolucionária e falta de autenticidade pós-revolucionária. Democracia é cada vez mais poliarquia.
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