Conversa com Garrett, 150 anos depois
Encontrámos recentemente na Baixa de Lisboa, o senhor Visconde Almeida Garrett, a quem foi concedido um breve período de regresso à vida e que, olhando o Portugal actual, bem colocado na balança da Europa, não deixa de nos observar, perante o nosso desespero, que:
Por mais teorias que se façam, por mais perfeitas constituições com que se comece, o "status in statu" forma-se logo: ou com frades, ou com barões, ou com pedreiros-livres se vai pouco a pouco organizando uma influência distinta, quando não contrária, às influências manifestas e aparentes do grande corpo social.
Aconselhou-nos contudo à resistência identitária:
Eu sou o primeiro a confessar-me réu nesta acusação, a querelar de mim mesmo pelo que tenho contribuído com minha inexperiência e cego zelo para muitas dessas desvairadas provisões, dessas imitações e traduções estrangeiras com que erradamente, sem método, sem nexo, temos feito deste pobre país um campo experimentado de teorias, que, basta serem tantas e tão encontradas, para nenhuma se poder realizar.
Alertou-nos para a ilusão revolucionária:
Esta ideia de que o País tem de fazer uma revolução todas as vezes que deseje mudar a Constituição do Estado.
Garrett ainda hoje se assume como do centro, mas esclarece:
Eu não pertenço a partidos; o meu partido é o de todos os homens que reclamam justiça, estejam em que partido estiverem.
Mas, para se qualificar politicamente, gosta mais da palavra ordeira:
Nós a declaramos, tal, nós a professamos e confessamos. A palavra cooperar. Palavra ordeira, digo, palavra do centro, palavra altamente parlamentar e liberal, tão equidistante do servilismo faccioso que em tudo consente e em todos confia, como do acinte faccioso e desordeiro que a todos suspeita e tudo impugna sem exame. Facciosos, sim; que tão faccioso é o vil que se sujeita a tudo como a anarquista que nada quer. No meio destes dois extremos estão os que cooperam; nesse meio estamos nós e queremos estar; porque nós queremos cooperar na causa da pátria, e não queremos, nem para nós nem para ninguém, o privilégio absurdo de seus operários exclusivos. É eminentemente ordeira esta palavra cooperar; nela todo está simbolizado o sistema da ordem, a doutrina, os princípios dos que muito se honram e comprazem nesse nome de Ordeiros com que foram saudados por escárnio! Por mofa no-lo dão; nós recebemo-lo como título insigne e nos gloriamos nele. Cooperar é a nossa palavra sagrada; nós a defendemos e sustentamos; é o Verbo da Doutrina e da Ordem que encarnou entre nós e que habitou connosco.
Não deixa, contudo, de prosseguir o sonho:
Quero a monarquia porque quero a ordem; quero a monarquia rodeada de instituições democráticas, porque quero a liberdade .
Acrescenta o que proclamou quando era vintista:
Escravos ontem, hoje livre; ontem autómatos da tirania, hoje homens, ontem miseráveis colonos, hoje cidadãos, qual seria o vil (não digo bem), qual seria o infeliz que não louve, que não bendiga o braço heróico que nos quebrou os ferros, os lábios denodados que ousaram primeiro entoar o doce nome Liberdade? Tal foi Portugal, tal o torna a ser... das ruínas, das cinzas de um governo representativo se elevou o formidável colosso da tirania ministerial. Os Portugueses, declarados livres nas Cortes de Lamego e de Lisboa, foram escravos de homens vis, ambiciosos, iníquos, insaciáveis.
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