a Sobre o tempo que passa: "Homo partidarius", "homo sectarius" e "homo institutionalis"

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

28.4.05

"Homo partidarius", "homo sectarius" e "homo institutionalis"



Às vezes o "homo institutionalis", isto é, o que deve cumprir uma ideia de obra, o que tem o prazer da relações de comunhão e o que obedece a regras processuais, entra em conflito com o "homo sectarius", quando os agitadores dos fantasmas do "homo partidarius" consideram que os excêntricos devem passar à categoria de "inimicus", só porque não alinham no unidimensionalismo louvaminheiro que se reproduz em silogismos propagandísticos e exorcismos inquisitoriais. Malhas que a nossa educação continua a tecer.

Sempre preferi estar de acordo comigo mesmo, ainda que, momentaneamente, pudesse parecer discordar com todos os outros e remetendo-me para a minoria, às vezes, constituída pela minha própria pessoa. Sempre rejeitei ceder à técnica do velho maquiavelismo que tenta instrumentalizar os excêntricos, pondo-os uns contra os outros, para que resulte o "divide et impera", coisa que aprendi pela experimentação sofrida com a politiqueirice lusitana, plena de tacticismos sem estratégia, gerida por alguns que, num dia, mandam morrer soldadinhos, fiéis ou jagunços, para, no "day after" à derrota, se passarem para o vencedor, ultrapassando assim a própria desvergonha do pilatismo.

Sempre assumi o risco de, não sendo vice-rei, ficar de mal com el-rei por amor dos homens e de mal com os homens com amor de el-rei, até porque, muitas vezes, me engano, errando, e, outras tantas, tenho dúvidas, típicas de bicho intelectual. Contudo, tento não me enfileirar no conceito de "prima dona", entre aquela que anda sempre em bicos de pé e a sua irmã-inimiga, a que anda sempre de pé atrás, pensando que, ao não sujar as mãos nos compromissos, se podem escoucear os outros, eternamente. Não sou "homo partidarius", mas sou militante, especialmente de causas, e quase sempre das perdidas.

Tudo isto para comunicar aos meus queridos leitores que, no mesmo dia em que aqui elogiei um líder político de uma organização a que estava ligado, imediatamente formalizei a minha desvinculação da mesma, concretizando processualmente o que, já antes, tinha substancialmente assumido e manifestado. Para bons entendedores, aqui fica a coisa sem meias palavras.

Basta comparar os princípios dos actos fundadores com os princípios dos actos refundadores de tal instituição, para se concluir que a identidade talvez não se consolide apenas pela via da personalização do poder, mudando o texto, mesmo quando a mesma pessoa que o assume é uma excelente pessoa com os seus princípios, doutrinas e valores, bem como as suas interpretações desses princípios, doutrinas e valores, de acordo com o contexto. E até quando essa pessoa chegou a indicar a minha pessoa como alternativa liderante que ele apoiaria. Sobretudo, a partir de então. Já chega de mediacracia de parangona, com o contexto a comandar o texto.

A minha interpretação dos subsolos filosóficos, das raízes axiológicas e das barricadas de combate apenas me diz que não fui nem irei por aí, mesmo que não vá, por enquanto, para nenhum lado. Assumo o risco de, quotidiamente, combater por ideias políticas e julgo que, apesar de tudo, não ando ao sabor de ventos alheios à minha autonomia. Mas sem acusar os outros de não terem uma concepção própria de autonomia, arquitectura moral ou dignidade política.

Com isto não quero exercitar aquela literatura de justificação dos que, quando a relação institucional se extingue, dizem, aos que ficaram, ou aos que, depois, vêm a aderir, que aquele que sai é que era o padrão do bem e da verdade, nomeadamente quando qualificam os ex-companheiros como mais à direita ou mais à esquerda, mais ao extremo ou mais ao centro, conforme a diabolização em voga, nos dicionários comunicativos do politicamente correcto, incluindo o que se titula como politicamente incorrecto. Sobre tais sacristanices, nada direi.

Até, porque, ao contrário do que muitos disseram, nunca, de mim, emergiu qualquer acto de criador do nome ou da declaração de princípios do acto genético da organização, ou dos respectivos programas eleitorais, com que, naturalmente, concordei e os quais servi como simples soldado que nunca nada pediu, dado que foi o colectivo que, institucionalmente, me colocou nas marcas da fronteira, longe dos calculismos da Corte, com os seus filhos e enteados, e das eventuais imaginações delirantes dos que esperavam migalhitas de poder. Mesmo quando pareceu que estava nessas posições, apenas as ocupei por desistência de outros escolhidos e com a declaração solene de passar o eventual lugar para quem me seguia na fila, como todos os que viveram tais acontecimentos podem comprovar. Mas, dos derrotados, não costuma rezar a história escrita pelas vencedores. Pelo menos, até ao dia da libertação.