Vocês não imaginam o quanto trabalho me deu na vida continuar pobre
Esta indiscrição jornalística de primeira página não foi recolhida dos arquivos do seminário "Independente", nos tempos em que o mesmo era dirigido pelo principal doutrinador da "linha justa" para a direita, sob o comando do movimento "Prá Frente Portugal" e da "Fundação Século XXI", então orientadas pelo actual ministro dos estrangeiros do governo socialista, autorizado pelo transcendente a invocar o nome de Deus em declarações públicas proferidas no exercício laico das respectivas funções de Estado. Estranha-se apenas que tão devoto seguidor da Santa Madre Igreja não interrompa o respectivo veraneio em terra de infiéis para se deslocar a Roma em nome dos restaurados democratas-cristãos portugueses. Apenas me apetece recordar uma bela frase de Henrique Paiva Couceiro: "vocês não imaginam o quanto trabalho me deu na vida continuar pobre".
Vale-nos a notável entrevista do nosso "papabile", para quem "a humanidade hoje tem fenómenos inelutáveis", que "importa continuar a percorrer o tempo ao ritmo do tempo", porque "ao pastor cabe ir à frente" e "discernir quais os caminhos do mundo", porque "não é preciso parar para meditar", sobretudo neste "momento de grande serenidade e de grande complexidade", onde até há "uma logística muito complicada". Assim se demonstra como D. José está para a Igreja como Mário Soares para a política. Ambos reconhecem que "estas ondas humanas são a imagem da Igreja...pois a Igreja está em movimento, mas em movimento físico... esta gente a caminhar vai a caminhar para qualquer sítio...tudo isto foi espontâneo, saiu do coração das pessoas...quem acha que há um exagero é porque não entrou na corrente". Mais camiliano é o nosso outro "papabile", o senhor D. José Saraiva da Silva, o gestor dos santos, ao menos tem um ar mais camiliano, de abade do Minho, bem ao estilo do Zé Povinho.
De qualquer maneira, sinto que andam por aí inúmeros seres de intolerância que me vão arrepelando a alma, desde jacobinos não reciclados, militantemente anti-religião, muitos pelos complexos e frustrações qye receberam em seminários e colégios religiosos, a permanentes ratos de sacristia, pintados de beatos. Ambos assumem a espionite da viperina língua, não disfarçando os salamaleques da diplomacia do croquete dos que se entretêm a espalhar o veneno da intriga neopidesca. E lá nos vamos estreitando em pedinchice de uma barataria que nos reduz a um entupido portugalório. Há muitas capelinhas que preferem actuar pela calada dos passos perdidos.
Há muitos que continuam a fabricar aquelas cumplicidades que lhes permitiram ganhar a vida como pretensos donos daquilo que formalizam como inteligência, mas que assumem a intolerância típica dos inquisidores e sargentos da censura. Há muitos que apenas toleram que sejam eles próprios os fabricantes da intolerância, da difamação e do insulto. E ai de quem ousar pisar-lhes as calosidades opinativas, rejeitando seguir-lhes os ditames que emitem sobre a partidocracia que os protege e prebenda, ou ofender-lhes os meandros apoiantes do respectivo benefício situacionista. Têm sempre disponível matilhas de raivosos canídeos, que logo ribombam num eco multitudinários do mata e esfola. Claro que, graças às barrosadas e portadas de quem fostes servidores, atentos, reverendos e obrigados, haveis ido daquela para outra melhor, bem cobertos misticamente, e melhor subsidiados bancariamente, para que se cumprissem os objectivos da criação da tal direita que convém à esquerda.
Vós sois os eternos críticos e oficiosos biografadores daqueles que, em troca, vos elogiam, irmanados que estais no sindicato das citações mútuas, nesses doces enlevos que vos fizeram encartados homens de cultura. Até esperais que mais doce ainda possa ser a vossa caminhada no "cursus honorum" das berretices e borladas de capelo olímpico, que vos hão-de doirar em retratos a óleo na sala de estar e em muitos bustos com ar de brutos. Porque, como cães de fila e vozes de dono, nunca passareis de engraxadores do ditirambo, visando subir mais alto, aos etéreos vértices donde, finalmente, podereis clamar o "cheguei, vi e venci". Pois, continuai a falar em doutrinas como justificação para o insulto e a mentira, como outros disseram pátria e humanidade, para disfarçarem crimes de assasinato físico e moral. Eu não me calarei, enquanto a voz puder ser comunicada aos outros.
E tudo isto no dia em que os portugueses parecem mais interessados em especular sobre a lista que Catalina Pestana referiu no Tribunal de Santa Clara, ou em interpretar os conceitos de "rebuçadinho" e "fruta" usados por altos dirigentes da futebolítica, nem os funerais do Papa ou os começos do Congresso do PSD, que antes de o ser já o era, são capazes de mobilizar-nos para acedermos ao transcendente ou para nos preocuoparmos quanto à gestão dos altos negócios da política pátria.
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