a Sobre o tempo que passa: novembro 2006

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

30.11.06

Vale mais descobrir o silêncio do que vir a saber que não há paraíso



Há dias em que compreendemos bem existencialmente quanto custa esse espaço de libertação que nos leva a tentar a procura daquela autonomia que nos manda ser um homem livre, quando apetecia ceder à servidão, sem reconhecermos que a culpa da escravatura está na circunstância de não haver a necessária revolta dos escravizados. Há dias que, em nome de tal exigência, importa mais descobrir o silêncio do que confirmarmos a não existência do paraíso. Por isso, vale mais dizermos que hoje, aqui e agora, não diremos a razão funda da nossa revolta. Por isso, não falaremos em sistema político e universidade, para não sermos acusado de insinuações. Mantendo os pés na lama do caminho e continuando a caminhar, preferimos, hoje, olhar as estrelas, porque ainda não apetece olhar o sol de frente.

Apenas apetece dizer que não nos importa pagar a factura do exercício da nossa liberdade de expressão de pensamento neste blogue, contra a ignorância, o fanatismo e a intolerância. Tentarei continuar a viver como penso, sem pensar como vou vivendo. Isto é, sem ceder ao antiquado torcer do velho feudalismo, agora pintado de pós-moderno pelo chamado esquema da idade das redes e da troca de favores. Continuo a dizer, como Régio, que não, não vou por ai. O dia está de um belo azul de Outono, as cores são nítidas e não se reduzem ao preto e branco do maniqueísmo, com que se continua a conjugar o poder.

Aliás, ontem, foi um dia de belas aulas, numa delas com um curioso exercício "quodlibético" onde os alunos me levaram a transmitir aquela razão experimental dos que antes de nós disseram o que há-de ser dito depois de nós, nesta corrente de cumplicidade, onde até recebemos o que de civilizacionalmente belo ocorreu em Istambul, Bizâncio ou Constantinopla, nessa viagem de séculos entre o patriarca ortodoxo e o bispo católico, religando-nos em espírito, onde já não somos gregos nem judeus, nem maçons nem católicos, mas homens livres em metafísica. Às vezes, vale mais o silêncio do que vir a saber que não há paraíso, nesta bela frase que plagio já sem saber a quem, porque o nós precede o eu.

29.11.06

Na prática, a teoria é outra...

Ao contrário dos ilustres discursadores sobre a reforma universitária que, há tantos anos não dão aulas, hoje, não tenho espaço de tempo para escrever sobre a universidade, porque tenho, daqui a pouco, muitos alunos a quem devo dar aulas, neste sistema de comprimido semestral onde, na práticam, a teoria é outra. E como cada aula é uma coisa que nunca se repete e não a alínea trinta e três do artigo trinta oito do programa trigésimo novo, da ficha e do descritor quadragésimo, que o planeador meteu na tripa do respectivo hemisfério cerebral da zona Sul, peço desculpa por esta interrupção e adeus até ao meu breve regresso ao blogue. Questionem os ministros e ex-ministros, reitores e ex-reitores, do programa da Fátima sobre há quantos anos não vivem a aventura de ter que ensinar caloiros...

28.11.06

Viva Guerra Junqueiro, mais uma vez! Viva a imaginação contra o neocorporativismo!



Ontem, depois da telenovela da Maria Laurinda, em vez da habitual escolha do "Jogo Falado", passei, por dever de ofício, para o "Prós e Contras", onde iriam discutir ciência e tecnologia, subsídios e politiqueirices, dado estar esperançado que falassem de universidade. O ministro científico, e sub-secretário de Estado do ministro do orçamento para as Universidades, distinto físico, tendo ao seu lado um catedrático de inteligência artificial, enfrentava o reitor-primaz, ilustre químico, e o reitor da clássica de Lisboa, ilustre catedrático de psicologia, ramo esse que o ministro, ontem, incluiu nas teológicas e metafísicas humanidades, talvez aflito porque a árvore das nosssas especialidades já vai em 1 600 cursos ditos superiores, naquela fragmentação típica da ciência exacta do laxismo que nos desgoverna.

Na plateia da Casa do Artista, estava toda a oficiosa inteligência nacional, com a maioria dos reitores públicos e privados, à excepção do concordatário, bem como vice-reitores, adjuntos de reitores, presidentes de politécnicos, associativos-mores da estudantada, avaliólogos, ornitólogos e e outras espécies. Poucos eram os ex-ministros e secretários de Estado da democracia, mas, muito aposentadamente, notei dois membros do governo do salazarismo e um ilustre deputado da antiga senhora, entre os manda-chuvas do actual "sistema".




Mais uma vez dei razão a Guerra Junqueiro: isto só poderá dar à luz quando arder. Porque não pode continuar como está uma instituição que perdeu a ideia, que não cumpre as regras do processo nem gera manifestações de comunhão entre os seus membros. Sem ideia de obra ou de empresa, resta o arremedo de retórica, a voz forte da propaganda e o decadentismo do rei ir nu, onde todos ralham e ninguém tem razão.

Isto preciso de um baralhar e dar de novo, não pela revolução, mas pela reforma. E, sobretudo, pela reforma cultural das mentalidades, um pouco à maneira do ovo de Colombo. O reitor-primaz não pode concluir o seu discurso defendendo o seu pequeno e excelentíssimamente centro de investigação de química, reclamando que os respectivos bolseiros devem passar a funcionários públicos. O ex-ministro de Salazar não pode continuar a repetir o discurso que faz há cinquenta anos, dizendo que não temos conceito estratégico desde 1974, quando o primeiro discurso que fez com estes termos foi para criticar a revisão constitucional levada a cabo por Marcello Caetano. E paradigma por paradigma, sempre prefiro o Kuhn e os pós-modernos antimodernos que o glosam e comentam.





Os reitores deveriam ser eleitos como noutros países da Europa: por sufrágio universal e não pelos oligarcas. Os professores deveriam professar e investigar e não gerir, deixando essa tarefa a quem está vocacionado para tal. A vertente empresarial, ou de gestão pública das universidades, deveria caber a gestores profissionais e ninguém deveria ir além da sua chinela. A decisão global, das policies, deveria caber a quem lhes paga: ao povo, através dos seus representantes eleitos, eliminando-se o que ontem foi patente. Fomos assaltados pela fragmentação neocorporativa, pelos grupos de pressão e pelos grupos de interesse, das pequeninas pressões e dos restritos interesses que discutem ramos de árvore e não vislumbram a floresta.





O espírito de Saint-Simon e de Auguste Comte, mesmo com vestimentas e cabelóides da "fashion" pós-moderna dominou ontem um debate de um Portugal dos Pequeninos com muita mania das grandezas e alguns mortos-vivos. Discutiram razões finalísticas dos calculismos dos merceeeiros e voluntarismos politiqueiros. Raros repararam na chamada terceira dimensão da alma humana: a imaginação. Com tanto vocabulário dos pró-activos e dos ex-activistas, poucos compreenderam coisas que neste momento estão a ser dinamizadas por novas formas científicas, como a criatividade e outras loisas que os físicos atómicos ainda consideram humanidades ou simples cultura geral. Com esta clique, vamos todos ao fundo da nossa depressão.


É natural que perante esta decadência, chegue um qualquer marquês de Pombal que trate de expulsar os jesuítas, salgar a casa dos Távoras e incendiar a Trafaria. É natural que muitos clamem: volta marquês, que eles já cá estão outra vez. Eles os neo-escolásticos que nunca leram São Tomás de Aquino, os marxistas que perderam a consciência de classe e os cientistas que só fazem discursos de humanidades sem nada investigarem.

A universidade, desde que Platão fundou a Academia e desde que, nos finais do século XIII, inventámos a Europa, o comércio, as autonomias das reinos e a primitiva Bolonha sempre foi uma instituição dita universitas scientiarum, universalidade das ciências, especializada na observação daquela dignidade da pessoa humana onde cada homem é sempre um ser que nunca se repete e onde a descoberta sempre passou por problemas que só podem ser superados por novos problema, através da clássica ars inveniendi. Falar de cima para baixo, nessa comteana révolution d'en haut , a que muitos chamam catedratismo, apenas merece a nossa gargalhada. Aliás, ontem, até foi o funeral de Mário Cesariny de Vasconcelos...


Infelizmente, tenho de reconhecer que o vencedor do debate de ontem foi, mais uma vez, a Fátima Campos Ferreira: pô-los todos em bicha atrás de dois minutos de tempo de antena, com muitos ensaios levados a cabo previamente pelos assessores de comunicação e imagem. Em segundo lugar, ficou o Mariano Gago que, apesar de tudo, ainda se recorda da retórica aprendida na sua militância de extrema-esquerda. Em terceiro lugar, ficou naturalmente, o salazarismo, não por causa da avaliologia, mas antes porque demonstrou como ainda tem dinamismo empresarial e longevidade de gestão de salamaleques entre as privadas. Que o padroeiro das humanidades, São Sigmundo Freud, nos valha! E a Senhora de Fátima os acolha em música celestial! Só sei que nada sei! A imaginação ao poder, já!

27.11.06

Um postal metafisicamente equívoco, mas com os pés presos na lama da terra-mãe



Nova semana que anuncia passagem de mês e confirma mudança de tempo. Por mim, foi uma atribulada viagem à terra natal, para participar num júri da Faculdade de Direito, porque, quando ao fim da tarde, pretendia regressar a Lisboa, verifiquei que as linhas de comboio estavam bloqueadas, pelo que preferi passar a noite no velho Hotel Bragança e só marchar para casa na madrugada de sábado.

Também em Coimbra verifiquei como a universidade portuguesa está pouco disponível para a chegada da turbulência bolonhesa, dado que esta proclamação ministerial de desvio de fundos para a uma ciência que se pensa regulamentada pelos painéis planificacionistas, pode acelerarar a chegada do tempo dos intelectuários, essa mistura da "intelligentzia" com o serventuário, coisas que sempre entraram, chouriçamente, na constituição do clero.

Ciência em portugalês começa a ser essa bicha de especialistas no preenchimento das fichas exóticas dos mestres de obra dos construcionismos neopositivistas e toda a sua clique de assessores e gabinetes jurídico-económicos, esses novos nomes de uma burocracia técnica, com que se disfarça o novo manga de alpaca do sargento verbeteiro.

Por outras palavras, os bem intencionados desta nova era da Idade da Ciência, contra as trevas das Idades da Teologia e da Metafísica, se não leram Saint-Simon, frequentaram cursos de formação acelerada no INA em Excel e Open-Office e proclamam o exacto e verdadeiro científico, sem repararem que caíram nas redes dos pescadores de água turvas, desses que confundem bruxaria com futurologia, por errro na tradução automática do Google.


Pobre universidade portuguesa, fundada nos finais do século XIII, cativa que começa a estar dos tradutores em calão dos manuais de "hardware", com que os colaboracionistas dos novos colonizadores nos querem transformar em mero protectorado tecnológico dos novos donos do mundo, desses potentados para os quais saber é poder e não deixam que a pretensa periferia ouse penetrar nas torres cimeiras do "software".

É por isso que não vale a pena desperdiçar pérolas de "sophia" e "phronesis" com a criadagem de certa suinicultura que pensa disfarçar o mal-cheiroso de uma conduta indigna com muita contrafacção de água de colónia, para uso na diplomacia do croquete, como já se vivesse em pleno Petro-Estado, susceptível de enfileirar em meros processos cleptocráticos, mesmo que tudo se recubra com o pó-de-arroz do português suave.


24.11.06

Das loiras dissidências do PC, ao neopidismo pretensamente científico em seu máximo fulgor ficcional




Apesar de tanta chuva, o garbo da família militar vai dando passeios e fazendo viagens pela nossa terra, enquanto a terra for nossa e o povo existir. Até porque se anuncia a aplicação do plano tecnológico de luta contra o défice ao estatuto da carreira docente, coisa considerada heróica, só porque a ministra diz que tem, com ela, o país contra os professores, e o PCP decidiu tirar do palco os deputados Odete Santos, Abílio Fernandes e Luísa Mesquita, com esta a resistir, clamando que nunca foi objecto e que, ao ir para a política, perdeu a carreira académica.


Se ao menos fosse do MES, sempre poderia ter-se inscrito a tempo no PS, fazer a carreirinha e ser agora ministra, com o apoio de todas as bentas associações de pais. Resta-lhe pedir conselho à colega Odete e ver como andam as candidaturas ao teatro de revista.




Cá por mim, prefiro continuar a recolher elementos para o estabelecimento do perfil deste tipo antropológico, oriundo de certas frustrações do pós-Maio 68, onde os vestígios de feminismo exaltado são uma mistura de ortodoxia ideológica e de passagem para o outro lado da barricada, mantendo, contudo, a verbe viperina e a infra-estrutura dogmática.

Ainda há dias me davam conta de mais uma representante dessa espécie de sindroma, a nível docente, onde uma senhora que pretende ser campeã da luta contra o racismo e os reaccionários, trata todos os que a não seguem pela difamação, pela mentira e pelo insulto cobarde, por trás das costas, qualificando-os como fascistas e "boxeurs", só porque não são tão WASP como ela pensa que é e denunciam o modelo de KuKlux e de terra queimada.



É evidente que, habituado a esta técnica, que até assenta no científico de uma inteligência pidesca, resultante de um longo convívio de prestação de serviços a ministros e serventuários salazarentos, apenas tenho de notar que há sempre um neodogmatismo pretensamente antidogmático, essa mera consequência daquele paralelograma de forças a que se chama politicamente correcto, onde os pretensos carneirinhos das maiorias conjunturais fazem o que já fizeram os inquisidores e os nazis: inventam os seus cristãos novos e os seus judeus, em nome de princípios, mas apenas por aquele oportunismo das corridas carreirísticas, alimentadas a subsídios.

Eu próprio ouvi de um conhecido serventuário salazarento que, depois de Abril, iria minar o terreno da instituição em que acabava de deixar de ser soberano Kim Il Sung, com Pompadours e tudo: "deixei a casa cheia de bichanas que irão, durante muitos anos, morder as canelas daqueles que me desobedeceram".

Eles e elas ainda andam por aí. Mas não tenho medo. Sei os cursos neomaquiavélicos de propaganda, assassinato de carácter e de boato que tiraram junto das centrais de repressão do Estado de Segurança Nacional e conheço muito dos meandros da "operation chaos" que juntou fascistas e certos esquerdistas pretensamente revolucionários.


23.11.06

Ser azul e branco, por Portugal contra os agentes da Santa Aliança





Ontem, no Chiado, «com gosto» (bom) e «sem complexos», os «valores nacionais em comum» cruzaram-se, com Manuel Alegre a apresentar uma biografia de Dom Duarte, da autoria do meu amigo e companheiro de valores Mendo Castro Henriques. Porque há valores, segundo Alegre, «que não precisam de sondagens para saber se querem continuar a ser portugueses». Porque, segundo Alegre, "
são precisos patriotas que saibam renovar e afirmar a os valores permanentes de Portugal». Porque, segundo Dom Duarte, «os valores patrióticos não são um monopólio da Monarquia ou da República, da Esquerda ou da Direita». Porque, segundo Mendo, os portugueses têm que estar «preparados para as surpresas da História». «Os mesmos que nos vendiam o Fim da História impõem-nos agora o Choque de Civilizações».




Não estive na sala, mas estive sempre com a obra e com o gesto. Sempre detestei os jogos de Corte, mesmo quando as três pessoas que citei no parágrafo cimeiro me merecem os máximo de respeito e de solidariedade, em nome do patriotismo científico. Não me apetecia certos encontros com alguns conselheiros e cortesãos que por lá devem ter bailado na postura boba que os caracteriza. E como temi que o desejo de silêncio não conseguisse conter a força da revolta, preferi continuar o que sou: um azul e branco, tão azul e branco que continuaria a desembarcar no Mindelo, contra os agentes da Santa Aliança e os seguidores do partido do Ramalhão. Um grande abraço ao Mendo e ao sentido de saudades de futuro do Senhor Duque de Bragança.

É a hora dos seguidores de Guerra Junqueiro e de Teófilo Braga deixarem de olhar uns para os outros em disputas micropolíticas. O que está no centro das bandeiras é o símbolo da nossa comum religião secular . E um dos avôs do actual duque de Bragança é o tal rei que agonizou na mesma sala Dom Quixote do Palácio de Queluz onde nasceu. Abaixo a guerra civil que nos transformou em peões de Madrid, de Moscovo e de Viena, contra as jogadas de Londres e de Paris. Para que a honra da legitimidade volte a casar-se com a inteligência da liberdade, juntando a nação, da racionalidade valorativa, com o Estado, da racionalidade finalística. Continuo no partido de João da Regras, de Febo Moniz, de João Pinto Ribeiro e do Sinédrio. Contra os ministros do reino, por vontade estranha...

22.11.06

A ditadura da incompetência que nos ameaça...





Hoje há boas notícias: este péssimo regime democrático, apesar de ser o menos péssimo de todos quanto temos experimentado, está em
19º lugar no "ranking" universal da qualidade democrática. Manuel Alegre vai apresentar um livro sobre o senhor duque de Bragança, o Benfica e o Porto ganharam os jogos de ontem e o governo vai apresentar o relatório de avaliação da Associação Europeia para a Garantia de Qualidade no Ensino Superior (ENQA) sobre os nossos avaliadores universitários, onde se comprova o que alguns, poucos, tinham dito sobre a coisa, denunciando a "independência limitada", a "ineficiência operacional e inconsistência" e a "falta de consequência das avaliações". Por outras palavras, tudo depende da escolha dos avaliadores e, agora, da escolha dos avaliadores dos avaliadores.

Sobre a matéria, apenas digo que já escrevi todas as frases que tinha de escrever, embora, então, me sentisse quase a clamar no deserto e me tivessem interpretado erradamente, principalmente por alguns que preferiram ir para a barganha do toma lá, dá cá. Eu próprio assisti a como se escolhiam os avaliadores internacionais da minha área: um inglês que um antigo assistente do presidente conhecera nas suas férias de investigação turístico-científica na Albion, o amigo da amiga que foi colega da tia em Bruxelas, ou o antigo "inteligente" já aposentado, de outras partes do mundo, que tratava por tu o tio mandador, para não falar nos três criados de servir fora da área que o mesmo tio colocou para garantir obediência no relatório, ao mesmo tempo que excluía os representativos ou que metia cunha aos activos para indicarem outro sobrinho não indicado espontanemanete pelos pares, nessa engenharia de prestígio fabricado e citações mútuas, com consequentes noemações feudais de júris e colocação de professores, incluindo os jornalistas com eventual interferência na elaboração das memórias do coiso e da coisa, sem falarmos na própria influência no modelo de distribuição de subsídios à pretensa investigação científica, à boa maneira salazarenta.

Mais interessantes são as novas sobre um tubarão-frade com cerca de sete metros e 2,5 toneladas foi rebocado por quatro pescadores de Sesimbra. Ao que consta, o dito não come criancinhas, nem ao pequeno almoço. Também o ex-director-geral do Benfica José Veiga ameaçou hoje «revelar certas e determinadas coisas» relativamente à transferência de João Vieira Pinto caso o Sporting não diga a verdade «quanto aos mais de três milhões que desapareceram», enquanto seis ginásios da zona da Grande Lisboa receberam ontem de manhã ameaças de bomba em poucos minutos.

Julgo que não vale a pena instrumentalizarmos rivalidades clubísticas para questões de polícia. Estão em causa situações bem mais graves porque pode ser que, com tanto ruído, não se aplique o princípio da presunção da inocência até ao trânsito em julgado e que continue a pagar o justo pelo pecador. Com esta crise da administração da justiça e da universalidade do imposto, a democracia pode deixar o belo 19º lugar e começar a emergir uma onda de descrença que leve populistas ou autoritaristas a clamarem pela reconstrução do Estado, em nome do securitarismo ou do Estado de Juízes. Basta notarmos a desvergonha do grupo de pressão bancário, que continua a pôr em causa a autoridade do Estado, insinuando deficiências técnicas dos serviços públicos ou o próprio esquema do financiamento partidário.

Reparo até com os elogios sindicais ao director-geral dos impostos a quem pagamos mais do que o vencimento do próprio Presidente da República. Porque quando apenas atendemos a resultados quase estamos a dizer que vale a pena privatizarmos a recolha de impostos, à boa maneira dos publicanos e da pré-estadual venda dos cargos públicos. Qualquer dia, alguns neolibistas, esquecendo o racional-normativo da burocracia weberiana, proporão que o ministério das finanças passe para uma qualquer consultadoria da globalização financeira. E, se continuarmos nessa via, até poremos a concurso público internacional a própria governação, quando esta passar a ser mera pilotagem automática, ao serviço de regras alienígenas, independentes da cidadania.

Assim, não tardará que um qualquer Habsburgo, benzido pelo Vaticano e subsidiado por uma qualquer banca, WASP ou OD, se disponha a pôr-nos na ordem, à maneira de Filipe II. Resta saber se não estamos apenas a reconhecer que ameaçam muitos sinais de começarmos a viver em plena ditadura da incompetência.

21.11.06

Para além da fachada escavacada, há restos de frescos nas velhas paredes

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Não me apetece comentar o caso Veiga, a crise da elefantíase legiferante, a constitucionalite aguda ou o estudo da União Europeia que nos transforma no país com mais funcionários públicos per capita, para vergonha, não dos funcionários, mas dos gestores que não lhes dão utilidade, mas que fazem discursos sobre a reforma e a modernização da administração pública, pelo menos desde que Marcello Caetano foi ministro da presidência, há mais de meio século.

Somos como este prédio que retratei na Avenida da Liberdade. Mantemos a orgulhosa fachada, escavacamos por dentro, vamos destruindo os frescos e sustentamo-los com ferro importado, para glória dos patos bravos que nos vão reconstruindo, enquanto vemos, ouvimos e lemos o sindicato dos principais patrões, os da banca, pressionando publicamente governos e parlamentos, enquanto os pretensos intelectuais continuam suas disputas escolásticas, à procura da via ideológica justa e quiçá do Texto que nos dê a ilusão de abrir todas as portas dos amanhãs que cantam, desfazendo todas as dúvidas de quem sofre a angústia da procura.

Não, não vou comentar a homenagem do samba ao grandioso líder da nossa oposição política, ou os meandros da crise coligativa na autarquia lisbonense. Nem sequer vou comentar os resultados das eleições de ontem da minha escola, onde um ex-assessor do primeiro-ministro Cavaco Silva, em coligação com o PCP, se opôs ressaibadamente a uma frente ampla, não politiqueira, onde participei. Apenas quero agradecer aos colegas que em nós confiaram, vencendo o complexo dos ressaibados e o obediencialismo dos subsidiados.

Voltando aos meandros do nosso intelectualismo, apenas observo que, entre os velhos e novos clérigos, que venha o Diabo e escolha. Por mim, prefiro os que não alinham na denunciação de ouvida e detestam burocratas broncos e sargentos de caserna, desses que muitos pobres de espírito qualificam como homens de sucesso, só porque conseguiram a adequada colocação num posto de vencimento, obtido através de adequada cunha junto de um qualquer senhor ministro ou comendador e que se sentaram em lugar cimeiro da pirâmide da distribuição do poder, onde um mais um acabam por poder ser menos do que um.



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Face a esta secular frustração da não organização do trabalho nacional, onde continua a faltar o risco da avaliação do mérito e a incapacidade para se premiar a irreverência, o intelectual português tem caído no vício de uma atitude pretensamente anti-religiosa, mais pelicularmente ateia do que gnóstica, resvalando quase sempre para os abismos de um materialismo, chame-se sensualismo, utilitarismo, positivismo, naturalismo, marxismo ou neolibismo. O que é particularmente notado nos que acedem ao pretenso do pensamento pela leitura de vulgatas ou obras de propaganda.

Felizmente que alguns desses novos clérigos, quando passam da "intelligentzia" à militância, podem atingir aquele nível de autenticidade e da ética da convicção que lhes dá um estado de ascese, a qual, mesmo quando a ideologia continua materialista, assume a inevitável beleza do espírito. Porque até em pleno niilismo e relativismo é possível encontrar a tal dúvida criadora que nos faz acalentar a procura.

Peço desculpa por não agradecer, de forma individualizada, a longa lista de blogues de referência e aos amigos que saudaram o lançamento, em regime experimental dos portais história do presente e biografia do pensamento político. Tentarei fazê-lo, em tempo oportuno, de forma mais sistemática, embora, desde já, tenha que pedir perdão pela circunstância de continuar bicho de mato, neste processo onde não gosto de ceder ao sindicato das citações mútuas. Não posso contudo deixar de mandar um grande abraço a certos amigos que vêm de outros tempos e com quem conjugo o sempre, com especial destaque para o Zé Mateus e pa
ra o Rui Matos, aos quais devo públicas desculpas pelo meu estado de quase reclusão na concha do lar.


20.11.06

Nos trinta anos de constituição, "n'ayez pas peur"


Logo à tardinha, encarregaram-me de gastar alguns minutos num discurso sobre os trinta anos de constituição, por ocasião da abertura da exposição organizada pela Assembleia da República, que teve como comissário científico, o Professor Doutor António Reis. Daí percorrer alguns dos meus anteriores escritos para reconhecer que quando uma determinada sociedade se organiza politicamente têm de surgir regras básicas ou estatutos fundamentais, verbalmente formalizados ou não, que regulem o modelo orgânico dessa comunidade política.

Isto é, tal como onde está a sociedade está o direito (ubi societas, ibi jus), eis que onde está o político tem de estar um estatuto jurídico do político, tem de existir uma constituição, expressão que, sem esforço, podemos fazer equivaler tanto à politeia de Aristóteles como às antigas leis fundamentais das comunidades políticas pré-modernas.

Porque há uma ideia de luta pela Constituição, enquanto luta pela procura de um fundamento para o poder e luta pela fixação de concretos limites para o respectivo exercício, que se perde nas raízes da nossa civilização ocidental e se identifica com a própria liberdade europeia, traduzindo um longo processo de institucionalização do poder e de juridificação da política.


Por isso, pouco me interessa essa tarefa minúscula e platónica de fabricar Constituições... de que falava Basílio Teles, com a consequente glorificação quase necrológica de constituintes e constitucionalistas, porque é mais importante a criatura do que os eventuais criadores. Porque, nestes trinta anos, a principal homenagem que devemos prestar não é ao texto, mas antes à ideia que o produziu e que comunitariamente o consolidou, neste péssimo regime que, contudo, é o menos péssimo de todos quantos temos experimentado.

Interessa, sobretudo, homenagear aquela ideia de Estado de Direito, onde acima da lei está o direito e acima do direito está a justiça. Porque, como recordava Fernando Pessoa, se o Estado está acima do cidadão, o homem está a cima do Estado.

Interessa também salientar que, muitas vezes, temos conseguido espremer, uma a uma, as gotas de micro-autoritarismos que ainda nos poluem, esses restos de subsistema de medo que marcam os pós-autoritaritarismos e os pós-totalitarismos, esses atavismos absolutistas que dizem que L'Etat c'est moi e que quod princeps dixit, legis habet vigorem, porque princeps a legibus solutus.

Infelizmente, mesmo a nível da universidade, continuam muitos segmentos do regime des décrets que, segundo Hannah Arendt, coincide com o governo da burocracia, essa mera administração que aplica decretos, existente nos Estados imperiais, como o czarismo russo e a monarquia austro-húngara, bem como em certos impérios coloniais. Os burocratas destes regimes que administram territórios extensos com populações heterogéneas, pretendem suprimir as autonomias locais e centralizar o poder, mas apenas exercem uma opressão externa, deixando intacta a vida interior de cada um, ao contrário dos totalitarismos contemporâneos. É uma espécie de domínio perpétuo do acaso e de governo dos espertos onde o burocrata tem a ilusão da acção permanente e onde, por trás dos decretos, nem sequer há princípios gerais de direito.

Não sei se vou ter tempo para clamar o regresso do patriotismo científico, numa centenária escola universitária pública que já serviu quatro regimes e que certo revisionismo histórico e alguma literatura de justificação confundem com uma escola de certo regime, esquecendo-se dos pais-fundadores da monarquia liberal de da primeira república, do inspirador, Luciano Cordeiro, a um dos primeiros graduados, Álvaro de Castro. Porque, no começo deste novo século da escola, não podem continuar apagadas as profundas memórias que nos ligaram aos próprios factores democráticos da formação do Portugal contemporâneo, para parafrasear Jaime Cortesão.

Importa recuperarmos fontes históricas adormecidas pelo autoritarismo salazarista, onde está por inventariar o esforço de subversão criadora de um Sarmento Rodrigues, o ministro que, tardiamente, nos tentou fazer regressar ao conceito do universalismo lusíada que havia sido lançado por Paiva Couceiro e Norton de Matos, especialmente na sua ligação a Gilberto Freyre, ou o simbólico papel que aqui teve o nosso docente Agostinho da Silva. Tal como importa assumirmos certos pecados no afastamento de professores como Vitorino Magalhães Godinho ou, mais recentemente, com a recusa de contratação de Luís de Sá.

Comemorarmos os trinta anos de constituição tem de ser assumirmos a bela ideia de luta pela Constituição, com verdade e autenticidade, espremendo gota a gota o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: n'ayez pas peur, na servitude volontaire o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhe dá, um poder que vem da volonté de servir das multidões que ficam fascinadas e seduzidas por um só.

17.11.06

Mário Sottomayor Cardia, ou a coragem que nunca morre!


Acabam de me comunicar o falecimento do meu querido colega Mário Sottomayor Cardia. Não comunicarei aqui as necrológicas palavras do costume, porque quem pensa e semeia o pensamento nunca morre. Este homem de excessos, nos defeitos e nas virtudes, deveria ter sido o autor da necessária teoria da democracia deste regime. Mas preferiu andar sempre à procura e ensinar os amigos e alunos em peripatéticas conversas, algumas delas em longas noitadas, onde, os que dele receberam o privilégio do magistério, muito aprenderam. Eu fui um dos que tive essa honra de perceber o que era ter sido comunista por solidariedade e socialista da velha tradição do liberalismo lusitano. E aos outros tentarei comunicar sempre o que dele recebi. Não posso, contudo, deixar de proclamar que este foi o mais corajoso ministro da educação que tivemos neste regime, porque, contra a destruição da revolução, soube e conseguiu implantar a semente de uma reforma por cumprir, eliminando a estúpida mentalidade da guerra civil friamente ideológica. A Universidade e a democracia muito lhe devem. Para sempre!

Dois novos portais pessoais, em regime experimental

Não se algum leitor já notou, mas aqui, na coluna da esquerda, anuncio dois novos portais da minha autoria, pagos pela minha bolsa privada, sem ajuda, ou pedido da dita, à chamada subsidiocracia, europeia ou estatal, para ajuda dos meus alunos, mas que pode ter algum interesse para a restante comunidade.

Um portal, dedicado à biografia do pensamento político, inclui autores e obras, em regime de biobliografia cronográfica, obra prestes a ser editada em papel.

Outro, dedicado à história do presente, visa dar fundamento à análise da conjuntura internacional desde 1945 à actualidade, com cronologias mensais, bibliografias e espaços especiais para a conjuntura mundial, europeia e portuguesa, para além de um ensaio de biografias dos actores políticos. É o meu contributo para as presentes e futuras disciplinas de que sou regente. Prefiro a matéria à forma, isto é, estudar, em vez de perder tempo em chouriçadas curriculares.

É a minha obrigação de prestação de serviço, a qual não inclui ter que pedir esmola a painéis escolhidos por via decretina, onde a certas individualidades não reconheço competência científica, em razão da matéria para que foram designados pelo discricionário das nomeações politiqueiras, de acordo com as tradicionais ciências ocultas.

Agradeço que me apontem as falhas, que são muitas, mas acontece que cem por cento do trabalho é feito aqui, no meu portátil. Estou aberto à cooperação de quem se identifica com este modelo. Qualquer sugestão pode ser dada para o seguinte mail: maltez@maltez.info

As primárias dos estados gerais da direita, ou a escolha das sete maravilhas de Portugal



Começou ontem, com pompa e circunstância, a primeira fase do concurso das "Sete maravilhas de Portugal", com o lançamento das primárias que hão-de mobilizar os estados gerais da direita. Quase em concorrência directa, tivemos os primeiros passos da campanha de Aníbal Cavaco Silva e de Pedro Santana Lopes, enquanto Maria José Nogueira Pinto (Avilez) era despedida por um descendente do ex-presidente Carmona na autarquia alfacinha e Pedro Duarte se zangava com Rui Rio, lá para as bandas da Foz do Douro, enquanto, em Navarra, António Ramalho Eanes se assumia brilhantemente como doutor em filosofia e letras, negando pertencer ao Opus Dei, com o CDS a abster-se na socrática lei das finanças locais.

Confesso que, de todos os espectáculos oferecidos nessa quinta-feira gorda, preferi o Pedro e pus o "video" a gravar o Cavaco, porque não gosto de enlatados que, como a pescada, antes de o serem já o eram. Quanto ao Doutor Eanes, também já vi o fim do filme, dado que, no próximo ano, estará nos claustros da universidade concordatária, talvez a disputar o cargo de John Charles Sword, tão atarefado que este anda a preparar as relações de Belém com as correntes profundas neocons e neolibs. Quanto ao resto, senti, ontem, que ardiam as orelhas do fafense, supremo comendador do PSD, talvez a pensar em engrossar as fileiras dos estados gerais de Manuel Monteiro, para que também já se mobilizou Ribeiro e Castro, enquanto Paulo Portas prepara o ensaio de regresso ao palco, agora que Rumsfeld o deixou.

Pedro, que prometeu nunca mais dizer nunca, mostrou estar disponível para receber o apelo dos seus exércitos de apoiantes, quando tiver a sua situação profissional estabilizada e receber os direitos da 50ª edição das suas obras. O crítico de cinema da SIC, Paulo Sacadura, assistiu à cena, mortinho de inveja, e não consta que tivesse convidado Marcelo Rebelo de Sousa para um almoço de paz de Deus. Entretanto, o antiquíssimo presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, Dom Frei Bartolomeu dos Mártires, teve que reler o discurso que fez ao Concílio de Trento, percebendo que ainda não era desta que os seus padres da Serra do Barroso abandonariam a tradicional poligamia da sacristia lusitana, produtora dessa maravilhosa tribo, dita os filhos do senhor prior...

16.11.06

Cultura, sociedade de Corte e cinegética do subsídio, com muita padrinhagem...


A Doutora Isabel Pires de Lima, ao ler o jornal "Público" de hoje pode respirar de alívio: um estudo da União Europeia mete finalmente cunha pela Cultura fazendo-a rimar com PIB. Até se define a dita em sentido amplo:
inclui as chamadas "indústrias culturais" (cinema, música, livro, jogos de vídeo), os media (imprensa, rádio e televisão), os sectores criativos como a moda, o design, a arquitectura e a publicidade, o turismo cultural e o sector tradicional das artes (espectáculos ao vivo, artes visuais e património).

Não consta que, no mesmo estudo, haja desenvolvimentos sobre aquilo que marca o processo da coisa em Portugal: o regime da caça aos subsídios estatais e dos mecenas privados, sobretudo das entidades místico-bancárias, onde, mais do que esta ou aquela ministra, manda a senhora Dona Maria da Cunha.
Já em 1873, Ramalho Ortigão observava que a mocidade vive nas antecâmaras do governo como os antigos poetas do século passado nas salas de jantar dos fidalgos ricos. Os velhos são agiotas ou servidores do estado. Os moços são bacharéis e querem bacharelar à acerca da coisa pública e à custa da mesma coisa acerca da qual bacharelam.

Porque, mais de cinco quartos de século volvidos, continuamos a viver o mesmo regime de subsidiocracia, com a consequente feudalização, com a habitual procissão dos criadores culturais à procura de esmola junto de um qualquer influente na "network structure" dos amiguinhos, especialistas na engenharia da posta e do sindicato das citações mútuas. Com efeito, a Dona Cultura em Portugal, face à ausência de mercado e da autonomia da sociedade civil, continua asfixiada pela tradicional poder banco-burocrático que manda nos circuitos das galerias, das editoras e dos jornais, num processo que se estende a certos segmentos da própria investigação científica, dado que mesmo a nível das estaduais fundações continua a vigorar o arbítrio, dado que a escolha dos integrantes dos painéis dos distribuidores do naco depende, muitas vezes, não do critério objectivo da obra produzida, mas da partidarite ou das ambições de uma qualquer personalidade ambiciosa.

Uma, conheço eu, que, para preparar uma campanha eleitoral em curso, escolheu assessores de chefe de governo que nunca foram reconhecidos como especialistas pelos pares, para agora vermos como obrigou os afilhados a terem que participar em listas de apoio à respectiva candidatura a um lugar estadual, sem qualquer laivo de disfarce, dado que até aqueles que ele enfiou no emprego têm de assinar o processo, não faltando sequer o recurso a um assessor de um conhecido grupo parlamentar.




Portugal, onde assim se desenvolvem novos ritmos típicos das ciências ocultas, é mesmo um museu daquilo que Norbert Elias qualificava como sociedade de Corte, onde dominam os tais jogos da Corte, essas formas subtis de rivalidade e de competição, visando a obtenção do favor do Príncipe.

Essas formas que marcam os ritmos de competição política, mesmo depois da abolição do
ancien régime, dada a circulação de modelos, com a cópia de atitudes e comportamentos dos cortesãos por novos grupos sociais. Eufemizou-se ao máximo a violência física, substituindo-se esta pelo espectáculo das rivalidades de partidos e pessoas, com o afrontamento de ideias e o antagonismo de projectos. A emergência das sociedades contemporâneas tem como pilar esta substituição da violência física exterior por um auto-constrangimento, largamente aceite, pelo que se torna possível o controlo de pessoas e povos sem o recurso à violência física, levando, por exemplo, à aceitação como normal do acto de obediência às leis editadas. As infracções individuais a essas leis são, aliás, consideradas como ilegítimas pela maioria das pessoas.


Gera-se assim uma espécie de automatismo dos auto-constrangimentos.
Se este modelo de padrinhagem continuar a dominar a chamada cultura e a chamada investigação científica, sem qualquer critério de objectividade, poderemos alimentar a vaidade, mas não faremos assentar o necessário patriotismo científico na autonomia dos homens livres, de antes quebrar que torcer, que homens da Corte não podem ser...



15.11.06

Sobre o rapto dos professores e a vigília dos ditos


A manhã acordou cinzenta e novembrosa, sem notícias palpitantes, a não ser nos jornais desportivos que comentam a intervenção dos tribunais nos sofás e écrans de um funcionário de um grande clube desportivo, dado que ainda dominam os ecos das novas de ontem, com frases soltas de Santana Lopes e comentários de vários historiadores sobre uma dissertação de doutoramento espanhola que ainda não tiveram oportunidade de ler. Vale-nos que as polícias continuam a fazer buscas à procura de corruptos e lavadores de dinheiro e que nenhum grupo contra a IVG tratou de assaltar uma qualquer universidade para raptar cinquenta catedráticos, como ocorreu no Iraque.

Aqui, se tal ocorresse, nenhum ministro mandaria encerrar as escolas, em acto de protesto, para não ver os professores morrer. Bem pelo contrário, um qualquer director-geral do Orçamento agradeceria esse patriótico contributo para a redução do défice, enquanto assessores dos grandes grupos económicos, com pós-graduação em qualquer Meca da estranja, promoveriam um seminário sobre essa vantagem competitiva para o processso de integração no modelo globalizador.

Poucos reparam que estas pequenas fotografias do nosso quotidiano hão-de revelar, no futuro, a pequenez mental da presente lógica de merceeiros e mangas de alpaca que, pelos acasos dos corredores do poder, acederam às categorias ministeriais, onde consideram que ter o poder é o mesmo do que ter autoridade, não sabendo que para que esta exista é necessário ser autor e dar exemplo.

Quando as ministeriais figuras que nos restam, ouvindo certos assessores da imagem do poder, preferem o falar forte, de cima para baixo, com o ar que aprenderam na militância da extrema-esquer l’igual que les causes de la elevada abstenció. Veurem si entre tots trobem algunes propostes imaginatives.
Joan Roma i Cunill, diputat en funcions al Parlament pel PSC.

14.11.06

Hermenêutica conciliar, bésculas e obras divinas peninsulares, para que volte D. Sebastião


Perdoem-me, estimados leitores, que este postal não seja escrito em canónico latim vulgar, nem tenha tido prévio "nihil obstat" da Calçada da Palma de Baixo, através das distintas intelectualidades do múnus juri-eanista navarrense, desde o reitor-candidato a reitor primaz, ex-militante do MES até Dezembro de 1975, ao constitucionalista mor do concílio, cujas avenças pagam certamente IRS.

Acontece que não posso deixar de registar o meu protesto: não fui ontem convidado para ir ao Grémio Literário assistir ao comício de imprensa da Conferência Episcopal, onde se fazia a defesa da dissertação de doutoramento de Pedro Santana Lopes, que, segundo consta, tem como objecto a hermenêutica das aulas proferidas pela Professora Maria Cavaco Silva na sacristia da Faculdade de Direito da Universidade Gregoriana da Boliqueime.


Porque nela, a páginas tantas, criticando-se a última crónica de Fernanda Câncio no "Observador do Vaticano", se proclama que o Estado não tem competência para despenalizar crimes que o sejam por natureza, embora se aceite a estatolatria de lhe reconhecer competência para os manter, mandando que a natureza dos polícias, dos tribunais e dos cárceres mantenham aquilo que devia ser apenas julgado pelo tribunal da consciência, nessa ciência dos actos do homem como indivíduo, a que, desde sempre, se chamou moral.

São 423 páginas de argumentos para concluir que houve uma "dinâmica de dissolução" e "derrube" do Governo, em que ao fio das estórias sustenta uma única tese, a de que "havia como que uma esquizofrenia de um lado o Governo a funcionar em pleno; do outro, uma vaga exterior que se auto-alimentava de premissas erradas e que tudo parecia arrastar atrás de si".

Por mim, sempre julguei que a natureza tinha a ver com o dever-ser do objecto perfeito e do melhor regime, conforme as teses subscritas pelo relativismo da neo-escolástica peninsular, defensora do direito natural de conteúdo variável, onde as essências, que as há, apenas o são se forem recebidas pela existência, mesmo a que seja da opinião comum dos que pensam de forma racional e justa, dando o eu às circunstâncias do tempo que passam.

Aliás, conforme podemos ler na imprensa sensacionalista de hoje, o neto mais novo matou a avó e escondeu o corpo, porque há cerca de uma semana que Hermínia Martinho, de 74 anos, não era vista pelos vizinhos nem por familiares mais próximos. O cheiro nauseabundo oriundo de uma arrecadação ao fundo do quintal, propriedade daquela idosa, em Samora Correia, Benavente, acabou por revelar finalmente, anteontem, um corpo em decomposição há já vários dias.





Tudo aponta para que a septuagenária tenha sido assassinada à facada pelo neto mais novo. Até porque "penalizam quem sempre cumpriu com obrigações", como afirma o reitor da Universidade do Porto, José Marques dos Santos, que não poupa críticas ao Governo, por causa dos cortes orçamentais de 53 milhões de euros no Ensino Superior público. Vale-nos que o provável aumento do Salário Mínimo Nacional (SMN) dará apenas para um café por dia, tendo em conta a perspectiva mais optimista.

Julgo que o principal problema lusitano está na importação de conceitos iberistas, mas de carácter filipino, tudo por causa dos inúmeros candidatos a Cristóvão de Moura que pululam nas nossas elites, esses que querem servir o filho de Carlos V na Flandres, sem falar nos que não sabem que, afinal, balbuciam as teses de Miguel de Vasconcelos, esse ministro do reino por vontade estranha que foi um dos primeiros teóricos portugueses do conceito bodiniano de soberania. Manuel Alegre dixit.


É por isso que me sinto cada vez mais próximo do Manuelinho de Évora, que voltei a mergulhar no visionarismo de D. João de Castro, esse insigne repetidor das teses do sapateiro de Trancoso, e não o das barbas, nesse esoterismo dos mitos lusitanos que nos transformou em guerrilheiros sebastianistas.


Infelizmente apenas temos direito a bésculas sem Garzón, a bêcêpês sem Escrivá e a uma justiça que vai a congressos do PND e a programas de pastéis de nata, sempre em buscas e buscas que não acham nada, neste enquanto o pau vai e vem, folgam as costas, porque os julgamentos não podem ser feitos com parangonas e fugas ao segredo de justiça. Prefiro continuar a ler o testamento de D. Luís da Cunha, que era magistrado e tudo, mas que se conseguiu libertar do corporativismo e disse a verdade sobre os ambientes dilatórios.








Depois de tantos choques noticiosos, decidir continuar a ler Justus Lipsius, autor de Politicorum, de 1589, obra posta no Index pelo papa Sisto V, em 1590, mas que, depois da conversão do autor ao catolicismo, foi revista no sentido filipinamente católico, em 1596.

Porque la principal fuerza y honra no solo proceda del príncipe, sino que se esta cerca de el. Digo del principe, para que despache los mayores negocios el mismo, o al menos los ratifique y apruebe, firmándolos, por no enflaquecer el vigor del principado con remitirlo todo al Senado y consejos. No porque desprecie los consejos, pues los he persuadido con muchas veras, sino por desear que todo el mundo entienda que es el principe de quien dependen todos. El solo ha de ser juez y arbitro de las cosas por derecho y nombre de rey. Los reyes, que son senores de los negocios y tiempos, no sieguen los consejos, si bien tiran a si todas las cosas con ellos. Si algo se suelta de esto, el todo se pierde. Tal es la condicion del imperio, que no se puede mantener si no es remitido a un solo.

O meu sebastianismo aproxima-se cada vez mais daqueles conspiradores que el-rei Junot foi encontrar no miradouro de Santa Catarina e que, em todas as manhãs de nevoeiro, iam olhar a barra do Tejo, não à espera de um rei que efectivamente não morreu, mas antes da esquadra dos aliados britânicos, quando estes ainda não eram amigos de Peniche. Porque, entre o mito e a utopia, há a distância que vai da revolta da Catalunha ao Primeiro de Dezembro de 1640 e a 28 anos de guerra com Madrid e o Vaticano.

Apenas espero que um dos nossos próximos presidentes da república defenda tese numa das universidades do Nordeste brasileiro, sobre o papel dos sebastianistas na revolta dos Canudos, estudando a influência da pomba do Espírito Santo na restauração do Quinto Império, cuja bandeira, conforme as teses do Padre António Vieira, foi asumida pela União Europeia. Continuo a preferir a teoria do poder dos sem poder de mestre Agostinho, que também era templário como o outro a quem chamam borracho. Porque vale mais não dizer se eu não souber soletrar. E por mim prefiro continuar a heresia, para manter a ortodoxia de Aljubarrota e das Cortes de Coimbra de 1385.

13.11.06

O mais do mesmo só merece a gargalhada...















Começo de mais uma semana, depois de uma inspirada peregrinação pela FAC. Leio a parangona onde Bill Gates anuncia que "próxima revolução será acabar com o rato" e reparo que, para quem ainda usa teclado, PCP acredita no futuro do socialismo e PND marcou para Março os "Estados Gerais da Direita" onde pretende definir e "clarificar espaços" da Direita na política portuguesa, numa decisão foi tomada em S. João da Madeira, num encontro que juntou o presidente e alguns membros da direcção, enquanto Mendes prepara medidas para o interior do País.

Por isso é que temos de subscrever Sócrates, depois de uma viagem pela nossa terra: os blogueiros e jornaleiros, quando «a análise não é boa», passam «à psicanálise». Vale-nos que o reitor-primaz veio pôr o dedo na ferida: "As universidades públicas vão receber menos 53 milhões de euros do Orçamento de Estado e a quantia transferida (668, 8 milhões) nem dá para pagar os salários dos professores e muito menos para preencher os quadros". Dizem os metereologistas que a manhã vai estar fresquinha, mas quando o sol chegar ainda podemos gozar o Verão de São Martinho.

10.11.06

As confissões de Saramago...ou de como a montanha da propaganda continua a parir ratinhos


Vem na primeira página de um sensacionalista de hoje, com fotografia e tudo: Saramago confessa ligação fascista. Respirei fundo, olhei outra vez, pensando tratar-se de confissão social-fascista e que se iriam revelar os arrependimentos do chefe comunista do Diário de Notícias em pleno PREC, quando saneou jornalistas que se lhe opunham. Passei para o interrior do mesmo jornal.

O título ainda entusiasmava em
voyeurismo: Confissão: Prémios Nobel desvendam passado. Saramago e Grass ligados ao fascismo. O subtítulo já perdia gás: os escritores José Saramago e o alemão Günter Grass, ambos prémios Nobel de Literatura, em 1998 e 1999, respectivamente, estiveram ligados aos regimes fascistas dos seus países.

Finalmente, no texto, a montanha paria um rato:
Chegou a hora de fazer minha confissão: Eu pertenci à juventude salazarista, que se chamava Mocidade Portuguesa. Pertencíamos todos: alunos da instrução primária, do ensino secundário, do ensino superior, todos sem excepção. Era, por assim dizer, automático.

Por outras palavras, Saramago apenas confessava que tinha andado no equivalente ao ensino secundário nos anos trinta e que, como todos os alunos do ensino oficial, tinha que participar obrigatoriamente nas actividades circum-escolares que eram, então, monopolizadas por uma organização oficial chamada MP.

Saramago, em pretensa ironia, apenas pretendia branquear Grass e dizer-se herói antifascista, porque, no dia em que devia usar a farda, a mesma tinha-se esgotado no depósito distribuidor.
Saramago teve ligações ao regime fascista porque andou na escola do tempo do dito cujo, tal como Salazar esteve ligado ao regime maçónico da monarquia liberal e da primeira república porque andou na escola durante os dois e até foi funcionário público e deputado no segundo.

Isto é, Saramago esteve tão ligado ao regime derrubado como vinte e cinco milhões de pessoas que viviam sob a soberania do Estado Novo.
Andar no liceu e estar obrigado a frequentar as actividades geridas pela Mocidade Portuguesa nunca foi o mesmo do que ser voluntário das SS, tal como a MP não era as SS e Salazar não era Hitler. Confundir os campos é ser trapalhão. Repetir a propaganda do militante do PCP e alinhar na confusão é alimentar a patranha.

Saramago fez o mesmo do que todos os portugueses que andavam no ensino secundário antes da reforma de Veiga Simão que, antes de ser ministro abrileiro, com o PS, foi ministro da educação do tal regime fascista, quando aboliu a obrigatoriedade da MP.


Eu também fui obrigado a frequentar as actividades da MP. Só que, nessa época, o meu pai teve que comprar a farda do feijão-verde, já não a ofereciam... Dizer que frequentar tais actividades era o mesmo do que alguém inscrever-se no partido único ou participar voluntariamente na Legião Portuguesa é quase dizer que Veiga Simão foi ministro à força, ou que fez um dos discursos do dez de Junho porque foi previamente torturado pela PIDE...

Apenas acrescento que seria interessante listarem os membros dos partidos antifascistas que foram da Legião, da UN e da ANP. Ou então falarem nos graduados voluntários da MP que, depois de Abril, se passaram psicanaliticamente para os novos inquisidores. Ainda iam apanhar ex-presidentes da FRELIMO... basta consultarmos os arquivos disponíveis na Torre do Tombo!

9.11.06

A liberal América fez ela própria a sua purga...


Confirma-se que Mr. Donald Rumsfeld, o pentagonal neocon, não mais irá visitar Paulo Portas na sua residência oficial do Forte de São Julião da Barra, embora possa continuar a contratar algumas lusitanas eminências ministeriáveis, para estágios intelectuais nas "georgetowns". A velha Europa respira de alívio, perante a queda deste pretenso criador de uma nova Europa, com muitos aviões da CIA cruzando os céus do velho continente, criando várias secções da base de Guantanamo e muitos núcleos bem-pensantes neocons e neolibs, numa espécie de marxismo branco.

A superpotência que resta, a tal república imperial de que falava Raymond Aron, pode voltar a ajudar o mundo livre, acabando com o dogma ideológico de certo complexo militar-industrial que ameaçava transformá-la numa espécie de novo império celeste, para além do qual só havia as trevas de uma barbárie do eixo do mal, conforme as melhores teorias da conspiração e do inimigo interno. Afinal parece que a liberal América fez ela própria a sua purga, esquecendo-se da caricatura de choque de civilizações que marcava o ritmo do discurso bushomaníaco. Que alívio!

8.11.06

Contra a direita reverencialmente salazarenta e bushosa




Ontem recebi uma lufada de excelência nas relações humanas, com o tal padre Júlio de Melides que esteve sequestrado na cadeia de Pinheiro da Cruz. Trouxe-me à memória os bons sacerdotes que me deram educação, do meu querido padre Urbano Duarte, que era cónego e professor de moral no liceu, o notável director do Correio de Coimbra, aos padres capuchinhos de Santa Justa, para não falar no Padre Felgueiras e tantos outros que viviam como pensavam.

Mas é precisamente em nome desta boa memória que rejeito os chamados ratos de sacristia que por aí pululam, entre banqueiros, ex-ministros e secretários de Estado e tias de Cascais que mostram o periscópio das seitas e catecismos catolaicos, alguns de filipina inspiração madrilena e navarrense, com algum besunto vaticano. Se ser de direita é ter que seguir as directivas morais dos bagão félix, eu sou de extrema-esquerda. Ponto. Parágrafo.

É por isso que saúdo um blogue anónimo, com quem ontem polemizei sem o nomear, precisamente por não ser assinado. Gosto de polémicas entre quem não confunde as árvores com a floresta e que aceita frechadas. Por isso, declaro que subscreveria o postal de réplica, dado que a corrente onde se filia também me deu raiz. Como saúdo também a emergência de uma maioria de democratas nos USA, com a liderança da senhora Nancy Pelosi, com quem simpatizo, nos seus 66 anos de mãe de cinco filhos e de avó de outros tantos netos. Como compreendo a vitória de Daniel Ortega na Nicarágua, depois de já termos Chávez na Venezuela e Morales na Bolívia, nessa revolta de um nacional-desenvolvimentismo anti-gringo que o bushismo despertou e contra a qual não há Alberto João que resista.

Para os devidos efeitos, declaro que não
estou borracho e que subscrevo inteiramente as simbólicas frechadas de Fernando Pessoa contra o modelo salazarento, porque o poeta, cedendo ao lume da profecia, conseguiu detectar os desviacionismos do beatério autoritário que iriam amarfanhar-nos, durante décadas, retomando o pior da herança inquisitorial e carlotista. Odeio a tirania, a ignorância e o fanatismo e tenho que ser fiel à memória de sofrimento de meus parentes e avoengos que malharam com os ossos nas masmoras do santacombadense.

Se a nossa direita continuar a ser reverencialmente salazarenta e bushosa, lá terei que compreender as vitórias da esquerda folclórica na Nicarágua, na Bolívia e na Venezuela que sempre são melhores do que se colocar o regime de Zé Eduardo dos Santos como lanterna vermelha da corrupção...

7.11.06

Contra a dogmática das seitas e dos catecismos


Há dias em que no começo do dia, passando os olhos pelos jornais, sinto que não há nada para dizer. Passo pelos blogues, à cata de novidades de pensamento provocatório e reparo como continuam quase todos pendurados na dogmática das seitas e dos catecismos. Até um texto do paradoxal Fernando Pessoa recebe tiros de canhão verbal, fazendo jorrar, sobre o que de mais universal há no pensamento político português, o tal sebastianismo que já existia antes de D. Sebastião e que também podemos encontrar noutras culturas, com outros nomes, as habituais rendas de bilros da racionalidade finalística, como se fosse possível aceder-se à racionalidade axiológica sem os laicíssimos mistérios das religiões seculares que fazem a "polis", a "respublica" ou a "comunidade". Porque, quando as várias aldeias, cada uma nas suas sete colinas, se congregaram nessa comunidade das coisas que se amam, em torno da simbólica acrópole, a colina federadora assumiu tal missão porque nela estava tanto o Estado (o castelo, ou palácio do rei) como a Nação (o templo, aquele mistério pelo qual podemos dar a vida, porque só podemos dar a vida pelas coisas que amamos).

É por isso que
as nações todas são mistérios. E tanto o eram no tempo em que a política era a ciência arquitectónica (quando se incluía a religião e o direito como suas servas), como quando a política passou a ser mera serva da teologia. Tudo se complicou na modernidade, depois do deicídio que nos mandou pensar a política mesmo que Deus não exista e que muitos confundem com o ateísmo ou o gnosticismo, coisa que costuma ser particularmente utilizada pelos adeptos da teocracia e do providencialismo, para as tradicionais e estúpidas contendas entre a política e a religião.

Esta é a questão. E nada tem a ver com programas de direita contra programas de esquerda, porque há subsolos filosóficos de esquerda que coincidem com os de direita, e vice-versa. Logo, quando cansa a ortodoxia da esquerda ou da direita não há nada de mais eficaz do que introduzir um pedacinho de terrorismo filosofante ou poético, para baralhar os catecismos e os credos. Obrigado, Fernando Pessoa. Aos meninos e aos borrachos, põe Deus a mão por baixo...

Eu também me insurgiria contra a primeira lei da Assembleia Nacional salazarista e contra o parecer camaral corporativo que a sustentou. Porque Carmona, Vicente Ferreira e José Alberto dos Reis tinham tido a mesma filiação que Joseph de Maistre. Prefiro o pluralismo da tradição conservadora e liberal que os britânicos e norte-americanos souberam manter.

6.11.06

Enforcamentos, abortos, sequestro de padres e furto de sinos




Acordo, entre restos de chuva e alguns sinais de abertas e vejo, leio e ouço as notícias ditas do dia. Saddam já era, pois segundo George Bush é um feito para jovem democracia iraquiana o uso adequado da forca, depois de em França, com Mitterrand, ter sido abolida a pena máxima. Cavaco e Sócrates, no palco de uma cimeira ibero-americana não souberam fazer adequada propaganda de Portugal na defesa do direito à vida, pois poderiam dizer que em Portugal, em 1852, foi abolido a pena de morte para tal tipo de crimes, para, depois, em 1 de Julho de 1867, se estender a medida para todos os crimes, nessa bela conjugação de esforços espirituais do humanismo maçónico com o humanismo católico, quando a política ainda dava entusiasmo ao pensamento.

Dès aujourd’hui le Portugal est à la tête de l’Europe. Vous n’avez pas cessé d’être, vous portugais, des navigateurs intrépides. Vous allez en avant, autrefois dans l’océan, aujourd’hui dans la vérité. Proclamer des principes, c’est plus beau encore que de découvrir des mondes (Vítor Hugo, em carta dirigida ao maçon Brito Aranha, saudando a abolição da pena de morte para todos os crimes, em 15 de Julho de 1867)

Cavaco preferiu quebrar o silêncio em tal reunião, para se referir às suas relações com Sócrates: "no que se refere a problemas de saúde basta olhar para nós para verificar que estamos todos de boa saúde". O ministro da dita não estava presente. Proclamer des principes, c’est plus beau encore que de découvrir des mondes

Hoje as ideias na política em Portugal são bem simbolizadas por outro tipo de cantarolices, nomeadamente pela principal conclusão do III Congresso do PND, segundo a qual Manuel Monteiro vai desafiar Paulo Portas "para um debate político sobre a Direita em Portugal, para que os portugueses saibam quem vai ser o líder da Direita", mas o convite formal será feito após a realização do referendo ao aborto. Proclamer des principes, c’est plus beau encore que de découvrir des mondes

Mas quem quiser compreender a política brasileira deve, hoje, passar os olhos pelo jornal Estado de São Paulo, onde vem uma reportagem sobre um dos conselheiros de Lula, o antigo ministro da ditadura, Delfim Netto: Acredito que Lula é destino. Se a gente abrir uma enciclopédia para procurar a origem da palavra destino vai acabar encontrando um sujeito barbudo.... Acho que o governo dele mostrou uma coisa. Deus não é brasileiro mas gosta da gente. Nós tivemos uma ajuda de Deus durante o governo Lula. Mais: Ainda bem que ele não fez uma faculdade. O conhecimento acadêmico eliminaria sua intuição, sua espontaneidade, esse conhecimento que a vida lhe deu e ele sabe utilizar muito bem. Ele aprendeu pela vida que ninguém pode viver feliz quando gasta 20 mas recebe 19. Sabe que uma pessoa com nessa situação não pode ser uma pessoa feliz. E sabe que uma pessoa que gasta 10 e recebe 20 tem alguma possibilidade de alegria. Proclamer des principes, c’est plus beau encore que de découvrir des mondes

Mais preocupados estão os crentes de Livramento, em Tavira: “Fiquei admirada com este roubo do sino da igreja. Não é coisa que se faça. Havia um padre que há cerca de cinco anos até tocava o sino antes do início da missa. Ele ia até lá acima para o tocar. Agora quem é que sabe quando o sino voltará? Já a igreja tem sido alvo de outros assaltos por causa da caixa de esmolas.” Padres por padres, ficámos também a saber que o sequestro de um deles no Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz por dois reclusos terminou hoje cerca das 05:30 com uma «intervenção conjunta», de que resultaram ferimentos ligeiros nos dois sequestradores. O sacerdote, padre Júlio Lemos, foi libertado são e salvo, anunciou o major Tavares Belo, da GNR. O Benfica deu três/zero ao Beira Mar. Proclamer des principes, c’est plus beau encore que de découvrir des mondes

4.11.06

Contra a ignorância, o fanatismo e a tirania!


Passo os olhos pela imprensa semanal, neste dia que foi de São Expresso, e reparo que o Semanário Económico anuncia um estudo sobre o óbvio: os responsáveis pelo monstro são os que agora ditam sentenças para o esmagar. Chamam-se governações de Cavaco Silva e António Guterres, são o PSD e o PS, as duas faces da mesma moeda do Bloco Central, os tais incendiários que agora se assumem como candidatos a bombeiros.

Vale-nos que reúne hoje em Lisboa um partido que diz ser o único partido de direita em Portugal, conforme as declarações do seu número um, e onde o seu número dois avisou que propor a extinção do mesmo neste momento é um frete grátis descarado ao CDS e ao PSD. Não posso deontologicamente comentar.

Apenas tenho que dar razão ao Professor Paulo Ferreira da Cunha, aos jovens do Movimento Social Liberal, ao Carlos Abreu Amorim e a todos quantos, um dia, escreveram os papéis fundadores de uma tentativa que logo se perdeu nos vícios de vedetismo mediático do Largo do Caldas e dos encontros imediatos de segundo grau com os lobbies da direita dos interesses e do clericalismo. O monstro agradece. E eu repito o que aqui tenho proclamado: se a direita em Portugal voltar a ser Pedro Santana Lopes, Paulo Portas, Ferraz da Costa ou os dirigentes da entidade espiritual que marca o BCP, prefiro continuar a ser liberal.

Por isso, recordo o que o grão-mestre do liberalismo em Portugal, Fernando Pessoa, subscreveu nas vésperas da morte, em 30 de Março de 1935:

Ideologia política: Considera que o sistema monárquico seria o mais próprio para uma nação organicamente imperial como é Portugal. Considera, ao mesmo tempo, a Monarquia completamente inviável em Portugal. Por isso, a haver um plebiscito entre regimes, votaria, com pena, pela República. Conservador de estilo inglês, isto é, liberal dentro do conservadorismo, e absolutamente anti-reaccionário.

Posição patriótica: Partidário de um nacionalismo mítico, de onde seja abolida toda infiltração católico-romana, criando-se, se possível for, um sebastianismo novo, que a substitua espiritualmente, se é que no catolicismo português houve alguma vez espiritualidade. Nacionalista que se guia por este lema: "Tudo pela Humanidade; nada contra a Nação".

Posição social: Anticomunista e anti-socialista. O mais deduz-se do que vai dito acima.

Resumo de estas últimas considerações: Ter sempre na memória o mártir Jacques de Molay, Grão-mestre dos Templários, e combater, sempre e em toda a parte, os seus três assassinos - a Ignorância, o Fanatismo e a Tirania.

3.11.06

O descanso dos guerreiros


Nada de novo debaixo deste ausente sol de Novembro, quando o recém-reeleito Lula foi para Salvador preguiçar, na base naval de Aratu, onde ficou a saber que os Sem Terra vão para a luta em Abril, com ocupações e greve geral e que o desastre da GOL se deveu a erro humano dos controladores aéreos. Por cá, é alegria de dragões, águias e bracarenses nesta jornada europeia, todos com três ou mais de três na baliza do adversário. Menos alegres devem estar os BES, digerindo Portucale e esta coisa do Baltazar Garzón que não usa apito dourado. Valeu-nos que o debate sobre a matéria, a nível da televisão, ganhou ontem o ritmo dos pastéis de nata, com a magistrada Maria José Morgado a emparceirar com o capitão Roby e uma deputada do PS loira, cujo nome não fixei.

Noutro canal, era o Alberto João com uma folha cheia de números a prometer ajudar o restante Portugal, mas só daqui a dois anos, enquanto o Teixeira dos Santos, assumindo-se como patrão dos funcionários públicos, lá ia dizendo que temos de pagar mais para a ADSE, e a Maria Rodrigues nos explicava como é que devíamos ser professores excelentes, porque ia haver quotas para os ditos.

Fechei o aparelho e mudei para a RTP Memória, onde um antigo ministro de Salazar dizia há vinte anos o que dizia agora e o que já dizia há quarenta, nesse habitual exercício de música celestial de um dos nossos heterónimos, onde só faltava o deputado do Bloco de Esquerda, consultor da Fundação Mário Soares, por acaso sobrinho de um ministro de Salazar, a dar ao mesmo Estado Novo a respeitabilidade da estórias de família.

É por isso que subscrevo o seguinte: Depois do concurso sobre o Português de todos os tempos ter acabado com a vitória esmagadora de Adamastor - quem diria que o povo tinha tamanha sabedoria... estamos envolvidos na votação para as 7 Maravilhas do Mundo. Seguem-se novos concursos igualmente interessantes: Qual o pior boato que se pode lançar sobre alguém? Qual o centro do Serviço Nacional de Saúde que gostaria de extinguir? Que imposto gostaria de criar? Que crime gostaria de despenalizar ou que prática gostaria de penalizar? Quem trabalha para que Serviço de Segurança Secreto? Como sempre a criatividade não tem limites e o povo agradece.

2.11.06

Procurar o paraíso, com os pés na terra e os olhos nas estrelas...

















Escolho esta imagem que captei o mês passado como símbolo das presentes circunstâncias. Para além das grades de uma certa sacristia de uma irmandade franciscana, estende-se uma rua antiga, mas não antiquada, de um certo Portugal à solta de onde nos veio a armilar e assim pretendo prestar a minha homenagem ao ritmo liberdadeiro da mais gigantescamente afectiva democracia do mundo, a brasileira, que encerrou um processo eleitoral, onde tanto se escolheu Lula como presidente, como se garantiu o pluralismo federalista de um modelo de poder que manteve a diversidade estadual e municipal, assim homenageando o projecto da república coroada do senhor D. Pedro II, o grande amigo do resistente de Vale de Lobos.

Em contraste com este pedaço de um centro histórico desse imenso Portugal sinto revolta por esta atmosfera de quintal murado que nos continua a amarfanhar, como o expressam as sucessivas declarações dos antigos e actuais titulares do contrato de arrendamento da casa do Padre Cruz, ao largo do Caldas, em Lisboa, para as quais já ninguém tem pachorra. Porque cheira a bafio esse jogo dos que confundem dinamismo com manipulação do "agenda setting" e instrumentalização do clericalismo.


A única maneira de voltarmos a ter saudades de futuro passa por reinterpretarmos as nossas raízes vivas, reparando que outras sementes de nós mesmos se puderam reproduzir em grandeza noutras circunstâncias, quando decepámos as ervas daninhas do inquisitorialismo, do capitaleirismo e do estadualismo absolutista. Esta terra também pode voltar a ser um imenso Portugal. Basta que, pela educação e pelo civismo, cada um seja um efectivo homem livre, desses de antes quebrar que torcer que tratam de procurar o paraíso, com os pés presos na terra e os olhos postos nas estrelas...