a Sobre o tempo que passa: Das capitanias e colonias dos muitos domínios e conquistas de neofeudalismos emplumados por gerontes e fantoches

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

16.11.07

Das capitanias e colonias dos muitos domínios e conquistas de neofeudalismos emplumados por gerontes e fantoches



Há os que mandam e os que obedecem. Há os que têm acesso à mesa do orçamento, os convivas que usam do dinheiro que nos tiraram do bolso e depois o distribuem aos amigalhaços. E, de vez em quando, lá se geram sobressaltos entre os que bebem desse mais fino, altos boatos da mais alta política que não escapam à plebeia expressão de mais grossa prosa. Como fosse estimulante sabermos se em vez da Junta Autónoma das Estradas vamos ter Estradas de Portugal, onde, em lugar da Junta que recebe do OGE, vamos ter uma empresa que também recebe do OGE, para que, com mais buracos do OGE, se tapem os buracos das estradas e assim se justifiquem os muitos autos sem consequência dos tribunais de contas, onde já não há quem conte em tal casa dos contos.




Fecho os gorgulhos que nos vêm das fábricas de notícias. Porque, gota a gota, todos os dias vão chegando mais sinais das vindictas e da falta de imparcialidade deste arquipélago de muitos micro-autoritarismos sub-estatais, os tais que tratam de pedaços da coisa pública como se estes fossem capitanias e colonias dos muitos domínios e conquistas de neofeudalismos emplumados por gerontes e fantoches, alguns conservados pelo éter e pelas tropelias da velha ordem vérmica dos saneadores e violadores da tal coisa pública.




Não tardará que, no fim dessas celebrações, alguns voltem a prometer a tradicional porrada caceteira à infame raça dos pedreiros e malhados, confundindo a exaltada purificação vinheda com as sarças de falsa fé, em autos dos marialvas frustrados, com muitos pingos de velas e outros tantos arrotos de ressaca, sempre embrulhados no acaciano papel de música dos hinos seminaristas.




Julgo que os senhores deputados maioritários nunca previram a consequência do que fizeram, quando aprovaram sapientes reformas ministeriais, as tais que abriram as portadas do templo a toda uma sucessão de golpadas de certas insolências excelentíssimas. Por mim, apenas apetecia dizer que já não tenho tempo para perder meu tempo nesta falta de tempo para que já não tenho paciência. Tenho outra missão, que está mais perto do poder escrever à toa o que me vai na alma, enviando mensagens para dentro do meu próprio tempo.




Que não consigo esquecer que todos os dias vivo meu recordar. Que assim apetece sonhar que pode e deve haver um interregno, onde volte a encruzilhada e onde apeteça ficar assim encruzilhado, para não ter de concluir que, colectivamente, pode não haver caminho que nos leve ao mais além. Por isso, volta a apetecer olhar o mar numa qualquer praia que me dê partida.




Reparo apenas que, em muitos segmentos do estado a que chegámos, volvem os jagunços que continuam a propagandear que quem não está pelo chefe está contra a cristandade e deve ser tostadinho no próximo auto de louvor do morto-vivo que, um quarto de hora antes de morrer, continua a reproduzir-se em "cassettes" laudatórias do "ancien régime", nesta eterna caixinha de ressonância do situacionismo e seus aparelhos de comando.